(Segunda parte do artigo postado ontem)
A consequência deste crescimento na produtividade alavancado pelo impacto exponencialmente crescente do conhecimento coletivo é a transformação do papel do desemprego: embora o “desemprego seja estruturalmente inseparável da dinâmica de acumulação e expansão que constitui a própria natureza do capitalismo enquanto tal” [Fredric Jameson, em Representing Capital, Londres, Verso Books, 2011, p. 149], o desemprego adquiriu atualmente um papel qualitativamente diferente. Naquilo que, possivelmente, é o ponto extremo da “unidade dos opostos” na esfera da economia, é o próprio sucesso do capitalismo (crescimento produtivo etc.) que produz desemprego (produz mais e mais trabalhadores inúteis) – o que deveria ser uma benção (menos trabalho duro necessário) se torna uma sina.
O mercado global é, assim, em relação a sua dinâmica imanente, “um espaço no qual todos já foram, um dia, trabalhadores produtivos, e no qual o trabalho, em todos os lugares, foi aos poucos retirando-se do sistema” [Fredric Jameson, em Valences of the Dialetic, Londres, Verso Books, 2009, p. 580-1]. Isso é, no atual processo de globalização capitalista, a categoria dos desempregados adquire uma nova qualidade além da clássica noção de “exército industrial de reserva”: devemos considerar em relação a categoria do desemprego “aquelas enormes populações, que ao redor do mundo foram ‘expulsas da história’, que foram deliberadamente excluídas dos projetos modernizadores do capitalismo de primeiro mundo e apagadas como casos terminais sem esperança” [Jameson, em Representing Capital, p. 149]: os assim chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome ou de desastres ecológicos, presos a “rancores étnicos” pseudo-arcaicos, objetos da filantropia e das ONGs, ou (frequentemente os mesmos personagens) da “guerra contra o terror”.
A categoria dos desempregados deve assim ser expandida para agregar uma população de largo alcance, dos temporariamente desempregados, passando pelos não mais empregáveis, até pessoas vivendo nas favelas e outras formas de guetos (todos aqueles desconsiderados pelo próprio Marx como “lúmpem-proletariado”) e, finalmente, áreas inteiras, populações ou estados excluídos do processo capitalista global, como os espaços em branco nos mapas antigos.
Mas esta nova forma de capitalismo não traz também uma nova perspectiva de emancipação? Nisto reside a tese de Hardt e Negri em Multidão: guerra e democracia na Era do Império [Rio de Janeiro: Record, 2005] onde eles pretendem radicalizar Marx, para quem o capitalismo corporativo altamente organizado já era uma forma de “socialismo dentro do capitalismo” (uma espécie de socialização do capitalismo, com os proprietários tornando-se cada vez mais supérfluos), de maneira que seria necessário apenas cortar a cabeça do proprietário nominal e nós teríamos socialismo.
(continua)
A consequência deste crescimento na produtividade alavancado pelo impacto exponencialmente crescente do conhecimento coletivo é a transformação do papel do desemprego: embora o “desemprego seja estruturalmente inseparável da dinâmica de acumulação e expansão que constitui a própria natureza do capitalismo enquanto tal” [Fredric Jameson, em Representing Capital, Londres, Verso Books, 2011, p. 149], o desemprego adquiriu atualmente um papel qualitativamente diferente. Naquilo que, possivelmente, é o ponto extremo da “unidade dos opostos” na esfera da economia, é o próprio sucesso do capitalismo (crescimento produtivo etc.) que produz desemprego (produz mais e mais trabalhadores inúteis) – o que deveria ser uma benção (menos trabalho duro necessário) se torna uma sina.
O mercado global é, assim, em relação a sua dinâmica imanente, “um espaço no qual todos já foram, um dia, trabalhadores produtivos, e no qual o trabalho, em todos os lugares, foi aos poucos retirando-se do sistema” [Fredric Jameson, em Valences of the Dialetic, Londres, Verso Books, 2009, p. 580-1]. Isso é, no atual processo de globalização capitalista, a categoria dos desempregados adquire uma nova qualidade além da clássica noção de “exército industrial de reserva”: devemos considerar em relação a categoria do desemprego “aquelas enormes populações, que ao redor do mundo foram ‘expulsas da história’, que foram deliberadamente excluídas dos projetos modernizadores do capitalismo de primeiro mundo e apagadas como casos terminais sem esperança” [Jameson, em Representing Capital, p. 149]: os assim chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome ou de desastres ecológicos, presos a “rancores étnicos” pseudo-arcaicos, objetos da filantropia e das ONGs, ou (frequentemente os mesmos personagens) da “guerra contra o terror”.
A categoria dos desempregados deve assim ser expandida para agregar uma população de largo alcance, dos temporariamente desempregados, passando pelos não mais empregáveis, até pessoas vivendo nas favelas e outras formas de guetos (todos aqueles desconsiderados pelo próprio Marx como “lúmpem-proletariado”) e, finalmente, áreas inteiras, populações ou estados excluídos do processo capitalista global, como os espaços em branco nos mapas antigos.
Mas esta nova forma de capitalismo não traz também uma nova perspectiva de emancipação? Nisto reside a tese de Hardt e Negri em Multidão: guerra e democracia na Era do Império [Rio de Janeiro: Record, 2005] onde eles pretendem radicalizar Marx, para quem o capitalismo corporativo altamente organizado já era uma forma de “socialismo dentro do capitalismo” (uma espécie de socialização do capitalismo, com os proprietários tornando-se cada vez mais supérfluos), de maneira que seria necessário apenas cortar a cabeça do proprietário nominal e nós teríamos socialismo.
(continua)
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