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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Marilena Chauí: As manifestações de junho de 2013 na cidade de São Paulo


Por Marilena Chauí

O que segue não são reflexões sobre todas as manifestações ocorridas no país, mas focalizam principalmente as ocorridas na cidade de São Paulo, embora algumas palavras de ordem e algumas atitudes tenham sido comuns às manifestações de outras cidades (a forma da convocação, a questão da tarifa do transporte coletivo como ponto de partida, a desconfiança com relação à institucionalidade política como ponto de chegada), bem como o tratamento dado a elas pelos meios de comunicação (condenação inicial e celebração final, com criminalização dos “vândalos”), permitam algumas considerações mais gerais a título de conclusão.

O estopim das manifestações paulistanas foi o aumento da tarifa do transporte público e a ação contestatória da esquerda com o Movimento Passe Livre (MPL), cuja existência data de 2005 e é composto por militantes de partidos de esquerda. Em sua reivindicação específica, o movimento foi vitorioso sob dois aspectos. Conseguiu a redução da tarifa e definiu a questão do transporte público no plano dos direitos dos cidadãos, e portanto afirmou o núcleo da prática democrática, qual seja, a criação e defesa de direitos por intermédio da explicitação (e não do ocultamento) dos conflitos sociais e políticos.

O inferno urbano

Não foram poucos os que, pelos meios de comunicação, exprimiram sua perplexidade diante das manifestações de junho de 2013: de onde vieram e por que vieram se os grandes problemas que sempre atormentaram o país (desemprego, inflação, violência urbana e no campo) estão com soluções bem encaminhadas e reina a estabilidade política? As perguntas são justas, mas a perplexidade, não, desde que voltemos nosso olhar para um ponto que foi sempre o foco dos movimentos populares: a situação da vida urbana nas grandes metrópoles brasileiras.

Quais os traços mais marcantes da cidade de São Paulo nos últimos anos e, sob certos aspectos, extensíveis às demais cidades? Resumidamente, podemos dizer que são os seguintes:

- explosão do uso do automóvel individual. A mobilidade urbana se tornou quase impossível, ao mesmo tempo em que a cidade se estrutura com um sistema viário destinado aos carros individuais em detrimento do transporte coletivo, mas nem mesmo esse sistema é capaz de resolver o problema;

- explosão imobiliária com os grandes condomínios (verticais e horizontais) e shopping centers, que produzem uma densidade demográfica praticamente incontrolável, além de não contar com redes de água, eletricidade e esgoto, os problemas sendo evidentes, por exemplo, na ocasião de chuvas;

- aumento da exclusão social e da desigualdade com a expulsão dos moradores das regiões favorecidas pelas grandes especulações imobiliárias e a consequente expansão das periferias carentes e de sua crescente distância com relação aos locais de trabalho, educação e serviços de saúde. (No caso de São Paulo, como aponta Erminia Maricato, deu-se a ocupação das regiões de mananciais, pondo em risco a saúde de toda a população; em resumo: degradação da vida cotidiana das camadas mais pobres da cidade);

- o transporte coletivo indecente, indigno e mortífero. No caso de São Paulo, sabe-se que o programa do metrô previa a entrega de 450 quilômetros de vias até 1990; de fato, até 2013, o governo estadual apresenta 90 quilômetros. Além disso, a frota de trens metroviários não foi ampliada, está envelhecida e mal conservada; à insuficiência quantitativa para atender à demanda, somam-se atrasos constantes por quebra de trens e dos instrumentos de controle das operações. O mesmo pode ser dito dos trens da CPTM, também de responsabilidade do governo estadual. No caso do transporte por ônibus, sob responsabilidade municipal, um cartel domina completamente o setor sem prestar contas a ninguém: os ônibus são feitos com carrocerias destinadas a caminhões, portanto feitos para transportar coisas, e não pessoas; as frotas estão envelhecidas e quantitativamente defasadas com relação às necessidades da população, sobretudo as das periferias da cidade; as linhas são extremamente longas porque isso as torna mais lucrativas, de maneira que os passageiros são obrigados a trajetos absurdos, gastando horas para ir ao trabalho, às escolas, aos serviços de saúde e voltar para casa; não há linhas conectando pontos do centro da cidade nem linhas interbairros, de modo que o uso do automóvel individual se torna quase inevitável para trajetos menores.

Em resumo: definidas e orientadas pelos imperativos dos interesses privados, as montadoras de veículos, empreiteiras da construção civil e empresas de transporte coletivo dominam a cidade sem assumir nenhuma responsabilidade pública, impondo o que chamo de inferno urbano.

A tradição paulistana de lutas

Recordando: a cidade de São Paulo (como várias das grandes cidades brasileiras) tem uma tradição histórica de revoltas populares contra as péssimas condições do transporte coletivo, isto é, a tradição do quebra-quebra quando, desesperados e enfurecidos, os cidadãos quebram e incendeiam ônibus e trens (à maneira do que faziam os operários no início da Segunda Revolução Industrial, quando usavam os tamancos de madeira – em francês, os sabots, donde a palavra francesa sabotage, sabotagem – para quebrar as máquinas). Entretanto, não foi esse o caminho tomado pelas manifestações atuais e valeria a pena indagar por quê. Talvez porque, vindo da esquerda, o MPL politiza explicitamente a contestação, em vez de politizá-la simbolicamente, como faz o quebra-quebra.

Recordando: nas décadas de 1970 a 1990, as organizações de classe (sindicatos, associações, entidades) e os movimentos sociais e populares tiveram um papel político decisivo na implantação da democracia no Brasil pelos seguintes motivos: introdução da ideia de direitos sociais, econômicos e culturais para além dos direitos civis liberais; afirmação da capacidade auto-organizativa da sociedade; introdução da prática da democracia participativa como condição da democracia representativa a ser efetivada pelos partidos políticos. Numa palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais de suas demandas.

Isso quase desapareceu da cena histórica como efeito do neoliberalismo, que produziu:

- fragmentação, terceirização e precarização do trabalho (tanto industrial como de serviços), dispersando a classe trabalhadora, que se vê diante do risco da perda de seus referenciais de identidade e de luta;

- refluxo dos movimentos sociais e populares e sua substituição pelas ONGs, cuja lógica é distinta daquela que rege os movimentos sociais;

- surgimento de uma nova classe trabalhadora heterogênea, fragmentada, ainda desorganizada que, por isso, ainda não tem suas próprias formas de luta e não se apresenta no espaço público e, por isso mesmo, é atraída e devorada por ideologias individualistas como a “teologia da prosperidade” (do pentecostalismo) e a ideologia do “empreendedorismo” (da classe média), que estimulam a competição, o isolamento e o conflito interpessoal, quebrando formas anteriores de sociabilidade solidária e de luta coletiva.

Erguendo-se contra os efeitos do inferno urbano, as manifestações guardaram da tradição dos movimentos sociais e populares a organização horizontal, sem distinção hierárquica entre dirigentes e dirigidos. Mas, diversamente dos movimentos sociais e populares, tiveram uma forma de convocação que as transformou num movimento de massa, com milhares de manifestantes nas ruas.

O pensamento mágico

A convocação foi feita por meio das redes sociais. Apesar da celebração desse tipo de convocação, que derruba o monopólio dos meios de comunicação de massa, é preciso mencionar alguns problemas postos pelo uso dessas redes, que possui algumas características que o aproximam dos procedimentos da mídia:

- é indiferenciado: poderia ser para um show da Madonna, para uma maratona esportiva etc., e calhou ser por causa da tarifa do transporte público;

- tem a forma de um evento, ou seja, é pontual, sem passado, sem futuro e sem saldo organizativo porque, embora tenha partido de um movimento social (o MPL), à medida que cresceu passou à recusa gradativa da estrutura de um movimento social para se tornar um espetáculo de massa. (Dois exemplos confirmam isso: a ocupação de Wall Street pelos jovens de Nova York, que, antes de se dissolver, tornou-se um ponto de atração turística para os que visitavam a cidade; e o caso do Egito, mais triste, pois, com o fato de as manifestações permanecerem como eventos e não se tornarem uma forma de auto-organização política da sociedade, deram ocasião para que os poderes existentes passassem de uma ditadura para outra);

- assume gradativamente uma dimensão mágica, cuja origem se encontra na natureza do próprio instrumento tecnológico empregado, pois este opera magicamente, uma vez que os usuários são, exatamente, usuários, e portanto não possuem o controle técnico e econômico do instrumento que usam – ou seja, desse ponto de vista, encontram-se na mesma situação que os receptores dos meios de comunicação de massa. A dimensão é mágica porque, assim como basta apertar um botão para tudo aparecer, assim também se acredita que basta querer para fazer acontecer. Ora, além da ausência de controle real sobre o instrumento, a magia repõe um dos recursos mais profundos da sociedade de consumo difundida pelos meios de comunicação, qual seja, a ideia de satisfação imediata do desejo, sem qualquer mediação;

- a recusa das mediações institucionais indica que estamos diante de uma ação própria da sociedade de massa, portanto indiferente à determinação de classe social; ou seja, no caso presente, ao se apresentar como uma ação da juventude, o movimento assume a aparência de que o universo dos manifestantes é homogêneo ou de massa, ainda que, efetivamente, seja heterogêneo do ponto de vista econômico, social e político, bastando lembrar que as manifestações das periferias não foram apenas de “juventude” nem de classe média, mas de jovens, adultos, crianças e idosos da classe trabalhadora.

No ponto de chegada, as manifestações introduziram o tema da corrupção política e a recusa dos partidos políticos. Sabemos que o MPL é constituído por militantes de vários partidos de esquerda e, para assegurar a unidade do movimento, evitou a referência aos partidos de origem. Por isso foi às ruas sem definir-se como expressão de partidos políticos, e em São Paulo, quando, na comemoração da vitória, os militantes partidários compareceram às ruas foram execrados, espancados e expulsos como oportunistas – sofreram repressão violenta por parte da massa.

A crítica às instituições políticas não é infundada, possui base concreta:

- no plano conjuntural: o inferno urbano é, efetivamente, responsabilidade dos partidos políticos governantes;

- no plano estrutural: no Brasil, sociedade autoritária e excludente, os partidos políticos tendem a ser clubes privados de oligarquias locais, que usam o público para seus interesses privados; a qualidade dos Legislativos nos três níveis é a mais baixa possível e a corrupção é estrutural; como consequência, a relação de representação não se concretiza porque vigoram relações de favor, clientela, tutela e cooptação;

- a crítica ao PT: de ter abandonado a relação com aquilo que determinou seu nascimento e crescimento, isto é, o campo das lutas sociais auto-organizadas, e ter-se transformado numa máquina burocrática e eleitoral (como têm dito e escrito muitos militantes ao longo dos últimos vinte anos).

Isso, porém, embora explique a recusa, não significa que esta tenha sido motivada pela clara compreensão do problema por parte dos manifestantes. De fato, a maioria deles não exprime em suas falas uma análise das causas desse modo de funcionamento dos partidos políticos, qual seja, a estrutura autoritária da sociedade brasileira, de um lado, e, de outro, o sistema político-partidário montado pelos casuísmos da ditadura. Em lugar de lutar por uma reforma política, boa parte dos manifestantes recusa a legitimidade do partido político como instituição republicana e democrática. Assim, sob esse aspecto, apesar do uso das redes sociais e da crítica aos meios de comunicação, a maioria dos manifestantes aderiu à mensagem ideológica difundida anos a fio pelos meios de comunicação de que os partidos são corruptos por essência. Como se sabe, essa posição dos meios de comunicação tem a finalidade de lhes conferir o monopólio das funções do espaço público, como se não fossem empresas capitalistas movidas por interesses privados. Dessa maneira, a recusa dos meios de comunicação e as críticas a eles endereçadas pelos manifestantes não impediram que grande parte deles aderisse à perspectiva da classe média conservadora difundida pela mídia a respeito da ética.

De fato, a maioria dos manifestantes, reproduzindo a linguagem midiática, falou de ética na política (ou seja, a transposição dos valores do espaço privado para o espaço público), quando, na verdade, se trataria de afirmar a ética da política (isto é, valores propriamente públicos), ética que não depende das virtudes morais das pessoas privadas dos políticos, e sim da qualidade das instituições públicas enquanto instituições republicanas. A ética da política, no nosso caso, depende de uma profunda reforma política que crie instituições democráticas republicanas e destrua de uma vez por todas a estrutura deixada pela ditadura, que força os partidos políticos a fazer coalizões absurdas se quiserem governar, coalizões que comprometem o sentido e a finalidade de seus programas e abrem as comportas para a corrupção. Em lugar da ideologia conservadora e midiática de que, por definição e por essência, a política é corrupta, trata-se de promover uma prática inovadora capaz de criar instituições públicas que impeçam a corrupção, garantam a participação, a representação e o controle dos interesses públicos e dos direitos pelos cidadãos. Numa palavra, uma invenção democrática.

Ora, ao entrar em cena o pensamento mágico, os manifestantes deixam de lado o fato de que, até que uma nova forma da política seja criada num futuro distante, quando, talvez, a política se realizará sem partidos, por enquanto, numa república democrática (ao contrário de numa ditadura), ninguém governa sem um partido, pois é este que cria e prepara quadros para as funções governamentais para a concretização dos objetivos e das metas dos governantes eleitos. Bastaria que os manifestantes se informassem sobre o governo Collor para entender isso: Collor partiu das mesmas afirmações feitas por uma parte dos manifestantes (partido político é coisa de “marajá” e é corrupto) e se apresentou como um homem sem partido. Resultado: não teve quadros para montar o governo nem diretrizes e metas coerentes e deu feição autocrática ao governo, isto é, “o governo sou eu”. Deu no que deu.

Além disso, parte dos manifestantes está adotando a posição ideológica típica da classe média, que aspira por governos sem mediações institucionais, e, portanto, ditatoriais. Eis porque surge a afirmação de muitos manifestantes, enrolados na bandeira nacional, de que “meu partido é meu país”, ignorando, talvez, que essa foi uma das afirmações fundamentais do nazismo contra os partidos políticos.

Assim, em lugar de inventar uma nova política, de ir rumo a uma invenção democrática, o pensamento mágico de grande parte dos manifestantes se ergueu contra a política, reduzida à figura da corrupção. Historicamente, sabemos onde isso foi dar. E por isso não nos devem surpreender, ainda que devam nos alarmar, as imagens de jovens militantes de partidos e movimentos sociais de esquerda espancados e ensanguentados durante a manifestação de comemoração da vitória do MPL. Já vimos essas imagens na Itália dos anos 1920, na Alemanha dos anos 1930 e no Brasil dos anos 1960-1970.

Conclusão provisória

Do ponto de vista simbólico, as manifestações possuem um sentido importante que contrabalança os problemas aqui mencionados.

Não se trata, como se ouviu dizer nos meios de comunicação, que finalmente os jovens abandonaram a “bolha” do condomínio e do shopping center e decidiram ocupar as ruas (já podemos prever o número de novelas e minisséries que usarão essa ideia para incrementar o programa High School Brasil, da Rede Globo). Simbolicamente, malgrado eles próprios e malgrado suas afirmações explícitas contra a política, os manifestantes realizaram um evento político: disseram não ao que aí está, contestando as ações dos Poderes Executivos municipais, estaduais e federal, assim como as do Poder Legislativo nos três níveis. Praticando a tradição do humor corrosivo que percorre as ruas, modificaram o sentido corriqueiro das palavras e do discurso conservador por meio da inversão das significações e da irreverência, indicando uma nova possibilidade de práxis política, uma brecha para repensar o poder, como escreveu um filósofo político sobre os acontecimentos de maio de 1968 na Europa.

Justamente porque uma nova possibilidade política está aberta, algumas observações merecem ser feitas para que fiquemos alertas aos riscos de apropriação e destruição dessa possibilidade pela direita conservadora e reacionária.

Comecemos por uma obviedade: como as manifestações são de massa (de juventude, como propala a mídia) e não aparecem em sua determinação de classe social, que, entretanto, é clara na composição social das manifestações das periferias paulistanas, é preciso lembrar que uma parte dos manifestantes não vive nas periferias das cidades, não experimenta a violência do cotidiano experimentada pela outra parte dos manifestantes. Com isso, podemos fazer algumas indagações. Por exemplo: os jovens manifestantes de classe média que vivem nos condomínios têm ideia de que suas famílias também são responsáveis pelo inferno urbano (o aumento da densidade demográfica dos bairros e a expulsão dos moradores populares para as periferias distantes e carentes)? Os jovens manifestantes de classe média que, no dia em que fizeram 18 anos, ganharam de presente um automóvel (ou estão na expectativa do presente quando completarem essa idade) têm ideia de que também são responsáveis pelo inferno urbano? Não é paradoxal, então, que se ponham a lutar contra aquilo que é resultado de sua própria ação (isto é, de suas famílias), mas atribuindo tudo isso à política corrupta, como é típico da classe média?

Essas indagações não são gratuitas nem expressão de má vontade a respeito das manifestações de 2013. Elas têm um motivo político e um lastro histórico.

Motivo político: assinalamos anteriormente o risco de apropriação das manifestações rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. Só será possível evitar esse risco se os jovens manifestantes levarem em conta algumas perguntas:

- estão dispostos a lutar contra as ações que causam o inferno urbano, e portanto enfrentar pra valer o poder do capital de montadoras, empreiteiras e cartéis de transporte, que, como todos sabem, não se relacionam pacificamente (para dizer o mínimo) com demandas sociais?

- estão dispostos a abandonar a suposição de que a política se faz magicamente sem mediações institucionais?

- estão dispostos a se engajar na luta pela reforma política, a fim de inventar uma nova política, libertária, democrática, republicana, participativa?

- estão dispostos a não reduzir sua participação a um evento pontual e efêmero e a não se deixar seduzir pela imagem que deles querem produzir os meios de comunicação?

Lastro histórico: quando Luiza Erundina, partindo das demandas dos movimentos populares e dos compromissos com a justiça social, propôs a Tarifa Zero para o transporte público de São Paulo, ela explicou à sociedade que a tarifa precisava ser subsidiada pela prefeitura e que não faria o subsídio implicar cortes nos orçamentos de educação, saúde, moradia e assistência social, isto é, dos programas sociais prioritários de seu governo. Antes de propor a Tarifa Zero, ela aumentou em 500% a frota da CMTC (explicação para os jovens: CMTC era a antiga empresa municipal de transporte) e forçou os empresários privados a renovar sua frota. Depois disso, em inúmeras audiências públicas, apresentou todos os dados e planilhas da CMTC e obrigou os empresários das companhias privadas de transporte coletivo a fazer o mesmo, de maneira que a sociedade ficou plenamente informada quanto aos recursos que seriam necessários para o subsídio. Ela propôs, então, que o subsídio viesse de uma mudança tributária: o IPTU progressivo, isto é, o imposto predial e territorial seria aumentado para os imóveis dos mais ricos, que contribuiriam para o subsídio junto com outros recursos da prefeitura. Na medida que os mais ricos, como pessoas privadas, têm serviçais domésticos que usam o transporte público e, como empresários, têm funcionários usuários desse mesmo transporte, uma forma de realizar a transferência de renda, que é base da justiça social, seria exatamente fazer com que uma parte do subsídio viesse do novo IPTU.

Os jovens manifestantes de hoje desconhecem o que se passou: comerciantes fecharam ruas inteiras, empresários ameaçaram lockout das empresas, nos “bairros nobres” foram feitas manifestações contra o “totalitarismo comunista” da prefeita e os poderosos da cidade “negociaram” com os vereadores a não aprovação do projeto de lei. A Tarifa Zero não foi implantada. Discutida na forma de democracia participativa, apresentada com lisura e ética política, sem qualquer mancha possível de corrupção, a proposta foi rejeitada. Esse lastro histórico mostra o limite do pensamento mágico, pois não basta ausência de corrupção, como imaginam os manifestantes, para que tudo aconteça imediatamente da melhor maneira e como se deseja.

Cabe uma última observação: se não levarem em consideração a divisão social das classes, isto é, os conflitos de interesses e de poderes econômico-sociais na sociedade, os manifestantes não compreenderão o campo econômico-político no qual estão se movendo quando imaginam estar agindo fora da política e contra ela. Entre os vários riscos dessa imaginação, convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência.


* Marilena Chauí é filosofa, professora na FFLCH da Universidade de São Paulo.

Boa notícia: Numero de casas financiadas pela poupança cresce 13,5 vezes em 8 anos


do UOL
O número de imóveis financiados com dinheiro da caderneta de poupança deu um salto e cresceu 13,5 vezes em oito anos. Em 2011, foram financiados 492.489 imóveis. Em 2003, haviam sido 36.480 imóveis.
Os dados são de 2011, mas foram anunciados somente nesta sexta-feira (28) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse levantamento, chamado de Pesquisa Anual da Indústria da Construção Civil, é divulgado pelo IBGE normalmente com dois anos de atraso.
No período retratado pelo estudo, houve dois anos de grande evolução: de 2005 para 2006, o crédito subiu cerca de 70%, indo de 61,2 mil imóveis financiados para 113,8 mil. Outro marco foi de 2009 para 2010, quando os financiamentos subiram cerca de 40% (indo de 302,7 mil para 421,4 mil).
O dinheiro total da poupança usado para financiar imóveis também vem crescendo, mas é difícil avaliar qual foi a alta real, porque os números divulgados pelo IBGE não consideram a inflação.
Em 2003, foram R$ 2,2 bilhões. Em 2011, passou  para R$ 79, 9 bilhões, mas os dois números não foram atualizados.

Financiamentos com FGTS também crescem, mas em ritmo menor

O valor total do financiamento de imóveis com uso do FGTS cresceu menos, mas também aumentou. Foi de R$ 3,8 bilhões em 2003 para R$ 34,9 bilhões em 2011, montante nove vezes maior. O número de unidades financiadas quase dobrou, e foi de 246.482 para 477.743 no mesmo período.
Além da poupança, os imóveis também podem ser financiados pelo FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Por essa modalidade, o número de imóveis também deu um salto entre 2003 e 2011, mas menor do que o da poupança: praticamente dobrou, indo de 246,5 mil unidades financiadas em 2003 para 477,7 mil em 2011.
Em termos de valores do FGTS, foram de R$ 3,8 bilhões em 2003 para R$ 34,9 bilhões em 2011. Novamente, esses valores não servem de comparação, pois não foram atualizados conforme a inflação.


domingo, 23 de junho de 2013

AS 10 MENTIRAS SOBRE A PEC 37

De Danilo Tarpani:

1) Retira o poder de investigação do Ministério Público.
MENTIRA. Não se pode retirar aquilo que não se tem. Não há no ordenamento constitucional pátrio nenhuma norma expressa ou implícita que permita ao Ministério Público realizar investigação criminal. Pelo contrário, a Constituição impede a atuação do MP ao dizer que a investigação criminal é exclusiva da Polícia Judiciária.

2) Reduz o número de órgãos para fiscalizar.
MENTIRA. Muito pelo contrário. Quando o Ministério Público tenta realizar investigações criminais por conta própria ele deixa de cumprir com uma de suas principais funções constitucionais: o de fiscal da lei. Além disso, não dão atenção devida aos processos em andamento, os quais ficam esquecidos nos armários dos Tribunais por causa da inércia do MP. Os criminosos agradecem.

3) Exclui atribuições do Ministério Público reconhecidas pela Constituição, enfraquecendo o combate à criminalidade e à corrupção.
MENTIRA. A Constituição Federal foi taxativa ao elencar as funções e competências do Ministério Público. Fazer investigação criminal não é uma delas. Quando o Ministério Público, agindo à margem da lei, se aventura numa investigação criminal autônoma, quem agradece é a criminalidade organizada, pois estas investigações serão anuladas pela justiça.

4) Vai contra as decisões dos Tribunais Superiores, que já garantem a possibilidade de investigação pelo Ministério Público.
MENTIRA. A matéria está sendo examinada no Supremo Tribunal Federal. Em vez de tentar ganhar poder “no grito”, o MP deveria buscar o caminho legal que é a aprovação de uma Emenda Constitucional.

5) Gera insegurança jurídica e desorganiza o sistema de investigação criminal. MENTIRA. O que gera insegurança jurídica é o órgão responsável por ser o fiscal da lei, querer agir à margem da lei, invadindo a competência das Polícias Judiciárias. A investigação criminal pela Polícia Judiciária tem regras definidas por lei, além de ser controlada pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Por ser ilegal e inconstitucional, na investigação criminal pelo Ministério Público não há regras, não existe controle, não há prazos, não há acesso à defesa e a atuação é arbitrária.

6) Impede o trabalho cooperativo e integrado dos órgãos de investigação.
MENTIRA. Cooperação e integração não é sinônimo de invasão de competência. Quando cada um atua dentro dos seus limites legais, a Polícia Judiciária e o Ministério Público trabalham de forma integrada e cooperada. Entretanto, a Polícia Judiciária não está subordinada ao Ministério Público. O trabalho da Polícia Judiciária é isento e imparcial e está a serviço da elucidação dos fatos. Para evitar injustiças, a produção de provas não pode estar vinculada nem à defesa, nem a acusação.

7) Polícias Civis e Federal não têm capacidade operacional para levar adiante todas as investigações.
MENTIRA. O Ministério Público não está interessado em todas as investigações, mas só os casos de potencial midiático.

8)É uma falácia dizer que o Ministério Público vai desafogar o trabalho das polícias. Não tem apoio unânime de todos os setores da polícia.
FALÁCIA. Quem estiver contra a PEC da Cidadania deveria ter a coragem de revelar seus reais interesses corporativos, os quais estão longe do ideal republicano. Não é possível conceber uma democracia com o Ministério Público reivindicando poderes supremos de investigar e acusar ao mesmo tempo.

9) Vai na contramão de tratados internacionais assinados pelo Brasil.
MENTIRA. Os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, entre eles a Convenção de Palermo (contra o crime organizado), a Convenção de Mérida (corrupção) e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional determinam tanto a participação do Ministério Público quanto da Polícia Judiciária. Entretanto a participação de cada um, assim como das demais autoridades, está regulada no ordenamento jurídico pátrio que não contempla a investigação criminal autônoma produzida diretamente 
pelos membros do Ministério Público.

10) Define modelo oposto ao adotado por países desenvolvidos.
MENTIRA. O Brasil, junto com os demais países da América Latina, comprometeu-se com o sistema acusatório, onde a Polícia Judiciária investiga e o Ministério Público oferece a denúncia. Os países europeus que atualmente adotam o sistema misto, com juizado de instrução, estão migrando para o mesmo sistema adotado pelo Brasil. A ADPF e a ADEPOL são a favor da PEC da cidadania 37.

Compartilhe e ajude a desmascarar as mentiras que prejudicam o combate à corrupção.


Acréscimo do Senhor C.:

- São dez mentiras que só confundem a massa de desavisados e (des)informados pelas redes sociais (???), difundindo slogans e bordões sem o mínimo de esforço de checar as fontes, buscar mais informações ou, simplesmente, pensar a respeito. O verdadeiro movimento de acordar o gigante adormecido começa por aí!


sábado, 22 de junho de 2013

Orçamento da União e os investimentos para a Copa

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Enviado por luisnassif

Por Filipe Rodrigues
extraído de algum lugar na internet:

Tem dinheiro pra Copa, mas não tem dinheiro para Saúde e Educação, né? Vamos aos números:

Orçamento da União:
R$ 79.331 bilhões para a Saúde só em 2013
R$ 38.093 bilhões para a Educação só em 2013
R$ 26.621 bilhões para a Copa desde a escolha do Brasil como sede até a realização do evento em 2014. Média, portanto, de R$ 4 bilhões por ano.

Desses R$ 26 bi da Copa, a maior rubrica, R$ 8,6 bilhões é destinado a projeto de mobilidade urbana. A razão dos protesto em São Paulo durante essa semana não é exatamente a necessidade de investimentos em um nova política de mobilidade urbana nas grandes cidades brasileiras?

Outros R$ 6,8 bi são para melhorar os aeroportos das cidades-sedes e há ainda investimentos em segurança, portos, telecomunicações e turismo. Investimentos que o Brasil precisa e que ficarão como benefício para a população mesmo depois da Copa.

Há, contundo, R$ 7 bilhões destinados a construção e reformas de estádios (menos de 10% o orçamento da Saúde em um único ano). Vale a pena gastar esse recurso para sediar um evento como a Copa do Mundo? Não há retornos econômicos, fiscais, geração de emprego e aumento do turismo internacional? Não sei, mas esse é o verdadeiro debate.

Posso discordar da opinião dos que se manifestam contra a realização da Copa no Brasil, mas estes lutam por uma causa nobre e exercem um direito irrevogável num sistema democrático. Os que incitaram a vaia a Dilma dentro do estádio tem horror a eles, ali estava a elite brasiliense que chama manifestante de vândalo, gente cuja revolta é vinte centavos a mais no preço do combustível para colocar no seu carro importado, gente que odeia ter que pagar imposto para "dar bolsa-esmola para vagabundo". O maior erro de Dilma, e é isso que estavam dizendo aqueles que estavam do lado de fora do estádio, é ter aceito a Copa no Brasil tão elitista como em qualquer outro lugar do mundo.

Dizer que a Copa é a razão dos problemas do país, que não tem dinheiro para investir em outras coisas mais importantes, que a vaia é resultado de Dilma ter fechado os olhos para os problemas do país é só repetir o discurso de gente mal intencionado que quer aproveitar movimentos populares justos e necessários para levar ao poder quem trata o povo com a mesma truculência da PM de Alckmin.


quinta-feira, 13 de junho de 2013

Perdeu Playboy!





Está se disseminando na internet uma crítica supostamente bem pensante diante da possibilidade do fim da revista Playboy, editada pela Abril. O lamento indica que a revista perdeu qualidade nos últimos tempos. Em lugar de capas com Cristiane Torloni, Sônia Braga, Maitê Proença e outras, temos agora desconhecidas que se notabilizaram em algum desfile de carnaval ou em programas vulgares de televisão

Sejamos claros: o principal atrativo de Playboy são as mulheres. Sempre foi. Diferentemente de outras revistas masculinas nos anos 1950/60, que eram discretas no apelo sexual - como a Esquire nos EUA e a Sr. no Brasil -, a Playboy tinha um marketing genial para vender mulher pelada: entremeava as fotos com artigos e entrevistas de qualidade.
Mas os textos sempre foram salada de churrascaria, ou seja, complemento do prato principal. Tanto que nunca a revista colocou como capa uma entrevista com Fidel Castro ou um conto de Garcia Marquez ou Hemingway. Com isso ela podia ser lida sem culpa por executivos modernos, senhores respeitáveis e chefes de família. Quase uma coisa cabeça.
As mulheres também eram "finas" e "classudas". Ou seja, inatingíveis e destinadas ao deleite dos olhos. Um editor me falou nos anos 1980: “São para punheta, não para se comer, pois a revista nunca estimula o adultério”. Mulheres para consumo na solidão de banheiros e nunca para amantes.

A desculpa de que nos últimos anos a publicação se vulgarizou e se tornou uma revista de BBBs e de subcelebridades é avaliação das mais cafajestes que se pode fazer. Enquanto as moças eram da "elite" (com cachês supostamente milionários), a revista era boa; agora, com “essas vagabundas aí” (que devem receber muito menos), ela perdeu a linha.
Na verdade, o que leva Playboy à decadência é a superoferta de pornografia na internet (sim, é isso que a revista sempre vendeu, em versões mais ou menos soft). Mulher em suas páginas sempre foi objeto, seja em seus áureos tempos, seja nesses anos de elevação das camadas populares ao consumo de massas.

No fundo, a crítica limpinha e cheirosa à “vulgarização” da Playboy é muito semelhante àquelas que deploram os aeroportos por parecerem rodoviárias, com aquela gente de chinelo e bermuda tomando avião.

Só que o pessoal de bermuda e chinelo busca o produto na rede.
Playboy é vítima do mercado que ajudou a abrir.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC. Doutor em história pela Universidade de São Paulo, é autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo)


terça-feira, 11 de junho de 2013

O dragão da inflação não passa de uma lagartixa

O dragão inflacionário está contido, e hoje não passa de uma lagartixa. Gélida e incômoda, mas uma lagartixa. O resto é agenda eleitoral. Quando a inflação mensal sobe, é manchete dos cadernos de economia dos principais jornais; quando cai, fica escondida entre outras matérias consideradas “mais importantes” pelos editores.
Por Victor Leonardo de Araujo*

Podem perceber: quando a inflação mensal sobe, é manchete dos cadernos de economia dos principais jornais; quando cai, fica escondida entre outras matérias consideradas “mais importantes” pelos editores. Assim ocorreu após o anúncio do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial de inflação, referente ao mês de maio: variou 0,37%, bastante inferior aos meses anteriores, e pouco se comentou. O item “alimentos e bebidas”, vilão da inflação no Brasil nos últimos meses (e em quase todos os últimos repiques inflacionários), subiu 0,31%, e ficou abaixo da média dos últimos seis meses (desde dezembro tem ficado acima de 1%).

Inflação é sempre um assunto muito sério, porque reduz o poder de compra dos trabalhadores, e porque os ônus das medidas antiinflacionárias costumam sempre recair sobre os seus ombros, seja na forma de salários menores, seja na forma de mais desemprego. O problema é que no Brasil o debate sobre inflação é sempre conduzido de forma muito pobre, e a politização necessária acaba sendo sempre direcionada para o rumo eleitoreiro. O assunto merece algumas ponderações.

A primeira delas é que o chamado “Regime de Metas de Inflação” foi introduzido no Brasil em 1999; nos quatro anos do segundo governo FHC, em dois deles (metade, portanto) a inflação medida pelo IPCA ficou acima da meta, tendo alcançado dois dígitos em 2002 (12,5%). Desde 2005 a inflação tem ficado dentro da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional. Nos oito anos de governo FHC, a inflação anual média foi de 9,1%, contra 5,7% a.a. dos dois governos Lula, e 5,8% dos 10 anos de governo Lula+Dilma. Os dados falam por si: os tucanos conduziram a política antiinflacionária de forma muito pior, embora, na sua retórica, tentem posar de paladinos da inflação baixa.

A segunda é algo repetitivo, mas necessária dizer: o combate à inflação deve levar em consideração as suas causas. Não dá para falar em inflação de demanda em uma economia que desacelera desde 2011, e que tem registrado taxas de crescimento pífias. Os alimentos e bebidas, que mais têm pressionado os índices de inflação nos últimos repiques inflacionários (13,5% acumulados nos 12 meses findos em maio, ou seja, o dobro do índice médio), têm subido ora por motivos climáticos, ora por causa dos preços internacionais das commodities – típicos choques de oferta. Em ambos os casos, elevação da taxa de juros Selic constitui uma medida inócua para o seu combate. No caso dos serviços pessoais (8,76% acumulado em 12 meses), a política de aumento real do salário mínimo tem sido apontada como a principal causa. Trata-se de uma mudança de preços relativos, cuja transição tem provocado e ainda provocará aumentos acima da média. A economia brasileira precisará saber acomodar esses aumentos sem recorrer à tradicional política de arrocho salarial. O salário mínimo no Brasil ainda é baixíssimo, e o salário médio também. As remunerações dos trabalhadores brasileiros não são altas: são apenas relativamente mais altas do que no passado. A distribuição de renda no Brasil continua ruim: é apenas um pouco melhor do que no passado. Estancar os parcos ganhos obtidos pelos trabalhadores sob o pretexto de fazer política antiinflacionária é de uma crueldade sem tamanho.

Entender que a economia brasileira precisa acomodar melhor os ganhos salariais reais não é o mesmo que ser condescendente com a inflação. Mas esta acomodação é mais fácil em um contexto de crescimento do produto e da produtividade, porque permite elevar salários sem comprimir as margens e sem repassar os aumentos aos preços finais – eis o calcanhar de Aquiles. Entre 2000 e 2009, a produtividade média da economia brasileira cresceu apenas 0,9% ao ano; a produtividade da indústria de transformação caiu 0,6% a.a., e a da agropecuária cresceu 4,3% a.a.

A terceira ponderação a se fazer sobre a inflação é sua relação com a taxa de câmbio. O desmonte de elos importantes da indústria brasileira durante o governo FHC fez com que a economia brasileira ficasse mais dependente dos produtos importados, e os preços passaram a ter maior correlação com a taxa de câmbio. O pouco ou nenhum esforço do governo petista em reconstruir antigos ou novos elos da cadeia produtiva mantém esta dependência e coloca o governo numa encruzilhada: precisa desvalorizar a taxa de câmbio para atender às demandas de um segmento da indústria, mas quando o faz a inflação sobe; se deixa o câmbio apreciar, mantém a inflação baixa, mas provoca prejuízos ao setor industrial.

As ponderações acima levam a uma importante constatação: a economia brasileira possui sérios problemas estruturais que têm se manifestado na forma de inflação. O combate a esses problemas deve levar à elaboração de políticas específicas, que visem modificar a estrutura produtiva, sob um viés verdadeiramente desenvolvimentista. O governo petista pouco fez neste quesito.

Finalmente, a última ponderação é que inflação é sempre um problema sério, mas a ele tem que ser dada a dimensão correta. A despeito do que dizem os que preferem dar ao debate um viés eleitoral, não há qualquer sinal de descontrole inflacionário no Brasil. Em todos os momentos em que, no acumulado em 12 meses, a inflação medida pelo IPCA superou o teto de 6,5%, no momento seguinte ela sempre recuou. Considerando-se o ano-calendário, desde 2005 a inflação tem permanecido dentro do limite superior da meta. O dragão inflacionário está contido, e hoje não passa de uma lagartixa. Gélida e incômoda, mas uma lagartixa. O resto é agenda eleitoral.

*Victor Leonardo de Araujo é professor da Faculdade de Economia da UFF. 
E-mail: victor_araujo@terra.com.br


A mais-valia explicada em quadrinhos



Fatos e redes sociais: uma convivência sofrível!

Rosa Luxemburgo, Simone de Beauvoir e Emma Goldman na praia?!


Esta foto é um exemplo de como pode haver graves distorções, erros, enganos e toda sorte de tratamento com os fatos históricos quando se usa a rede social para difundir notícias, fatos e outros quetais sem um mínimo cuidado de verificar as fontes, checar dados ou

A foto acima foi amplamente divulgada como reunindo três ícones históricos num momento telúrico de um passeio público na praia. O detalhe, também super icônico é que as três mulheres usam cachimbo. Seriam as três de fato as personagens históricas que apontam serem?

Não! Rosa Luxemburgo foi morta em 15 de janeiro de 1919, data em que Emma Goldman tinha 50 anos e Simone de Beauvoir acabava de comemorar seu 11º aniversário, já que nasceu em 9 de janeiro de 1908.

Essas datas provam além de qualquer dúvida razoável que não são elas nessa foto.
Quem são? Não sei. Se alguém souber, identifique!



segunda-feira, 10 de junho de 2013

Inflação?! Só que não!

Revista Exame, do grupo Abril do finado Robert Civita, mostra o gráfico:


Desculpe a nossa falha, não é o gráfico da urubóloga Míriam


O desempenho da inflação mês a mês até maio
IPCA ficou em 0,37% no mês; veja os dados por período e por grupo

Design: Juliana Pimenta
Apuração: Lilian Alvares
Fonte: IBGE
No Exame

Paranoia da inflação e hipocrisia da burguesia
A imprensa burguesa tem propagandeado que a inflação está fora do controle com a divulgação de noticias, artigos e comentários de políticos de oposição ao governo federal.
Com isso, colocam o tema dos preços como um fantasma atrás da porta de cada família brasileira, prestes a assaltá-la e tomar o seu dinheiro.
A construção dessa paranoia começou com a divulgação de matérias sensacionalistas sobre o aumento do preço do tomate, como se a valorização desse alimento tivesse de forma isolada incidência real na inflação dos gastos da maioria da população.
Qualquer estudante do primeiro ano de economia já sabe que os estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Getúlio Vargas têm diversos itens do orçamento doméstico médio dos brasileiros, sobre o qual se calcula o aumento da inflação real para as famílias.
Depois da criação da “crise do tomate”, a mídia burguesa tem apelado a cada dia para outros produtos, tentando criar novos factoides.
Essa manipulação grosseira se baseia em duas táticas complementares.
A primeira delas é criar na população paranoias e preocupações desnecessárias que resultem em ações de massa que desgastem o governo.
Essa tática deu resultado, por exemplo, com o boato de que a Bolsa Família iria acabar.
Com isso, 900 mil representantes das famílias mais pobres, desinformados ou mal informadas, correram para as agências da Caixa, provocando um verdadeiro tumulto, sobretudo nas cidades do Nordeste.
Hipocrisia descarada
A segunda tática da burguesia é jogar uma cortina de fumaça sobre os verdadeiros problemas do país, lançando mão da hipocrisia descarada.
Em primeiro lugar, a burguesia e seus meios de comunicação sabem que existe uma tendência geral de aumento dos preços de todas as mercadorias que estão na sociedade, independente do preço de um único produto.
Ora, se há uma tendência de aumento de preços em todas as mercadorias, quem são os atores econômicos que aumentam os preços?
São exatamente os capitalistas proprietários das fábricas, supermercados ou lojas do comércio.
Portanto, é a base social tucana que opera o aumento dos preços, beneficiando-se com o aumento dos seus lucros.
Assim, o discurso por trás da inflação esconde interesses de classes.
Em segundo lugar, ao mesmo tempo em que exageram nas notícias sobre um “descontrole inflacionário”, fazem pressão pelo aumento das taxas de juros.
Nós, brasileiros, já pagamos os juros mais altos do mundo.
A taxa média de juros paga na economia pelos comerciantes e pelos consumidores é de 58% ao ano.
Os bancos que financiam esses empréstimos ganham 52% de lucro líquido, com a inflação em torno de 6% ao ano.
Não existe paralelo no mundo para a lucratividade dos bancos com crédito no Brasil.
Com isso, os brasileiros ficam endividados no cartão de crédito ou no cheque especial, que têm taxas que ultrapassam em média 100% ao ano…
Ou seja, é um verdadeiro assalto.
Para efeito de comparação, a taxa média de lucro nas economias centrais é de 13% ao ano. Essa taxa já faz brilhar os olhos dos capitalistas nesses países…
Nenhum porta-voz da burguesia brasileira protesta nos jornais, revistas e nas TVs contra esse assalto aos brasileiros que o capital financeiro pratica todos os dias.
Ao contrário.
Esses ideólogos defendem aumentos das taxas de juros como uma pretensa medida para controlar o consumo das massas e impedir o tal descontrole da inflação.
A terceira hipocrisia da burguesia é omitir que a taxa de câmbio da nossa moeda em relação ao dólar é irreal.
A comparação dos preços das mercadorias em dólar nos Estados Unidos e em real no Brasil indica uma taxa de câmbio necessária ao redor de U$S1,00 por R$3,00.
Essa posição é defendida por diversos especialistas da área.
A atual taxa de câmbio próxima a U$S 1,00 por R$2,00 está provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira e reprimarização das exportações.
A produção das manufaturas, que geram emprego e valor agregado, não consegue mais competir no mercado internacional.
Essa taxa de cambio é provocada pela emissão descontrolada do papel dólar pelo governo dos Estados Unidos e pela avalanche de capital financeiro especulativo em nosso país, que vem para cá se proteger da crise.
Nenhuma palavra dos porta-vozes da burguesia sobre o “descontrole” da taxa de câmbio.
Ou seja, a mídia da classe dominante sequer protege sua fração industrial.
Controle dos alimentos
A quarta hipocrisia é esconder que grande parte dos produtos agrícolas que se transformam em alimentos no mercado interno é controlado por um oligopólio formado por empresas transnacionais.
Depois da crise de 2008, houve uma corrida do capital financeiro internacional e das empresas transnacionais sobre as chamadas commodities para se proteger da perda de dinheiro.
Assim, fizeram um brusco movimento especulativo, que fez com que os preços das commodities aumentassem em três anos, em todo mundo, nada menos do que 200%.
Esse aumento de preço foi repassado para os consumidores de alimentos.
Portanto, o aumento de certos produtos alimentícios tem como responsáveis os que multiplicaram os seus ganhos: as grandes empresas do agronegócio, como Bunge, Monsanto, Unilever, Cargill, Nestlé, Danone, entre outras.
A quinta hipocrisia da mídia burguesa é ignorar que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de milho, enquanto a falta de alimentos dizima 18 milhões de cabeças de bois, vacas, porcos e bodes no Nordeste.
Foram colhidas 60 milhões de toneladas de milho na última safra.
No entanto, diante da pior seca no Nordeste, morrem os animais criados por camponeses da região.
A morte desses animais será uma perda irreparável para a população nordestina, que pode demorar uma geração para repor o rebanho dizimado.
As famílias se salvaram da fome graças a saques, aos benefícios do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e ao programa Bolsa Família, que garantiram renda para fazer a feira e se alimentar.
Diante dessa situação, a presidenta Dilma Rousseff mandou seus ministérios tomarem providências.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário resolveu doar tratores produzidos no Sul para as prefeituras do Nordeste. Foi só um negócio que não alterou questões estruturais.
Independente da situação, o Ministério da Integração Nacional continuou com a distribuição de lotes de perímetros irrigados para empresários do Sul, em vez de beneficiar os camponeses da região que padecem com a falta de água.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi autorizada a comprar milho para levar para o Nordeste e salvar o rebanho.
No entanto, a companhia fez vários editais e não encontrou quem vendesse milho suficiente para a demanda. Por quê?
A safra de milho é controlada por empresas transnacionais.
A Cargill e a Bunge exportaram nada menos que 18 milhões de toneladas de milho para os Estados Unidos no último ano.
Esse milho voltou ao país como etanol, importado por esses mesmas empresas.
Com isso, o preço do etanol se mantém bem acima do seu valor real.
Se o governo quisesse resolver o problema, poderia requisitar a produção de milho, proibir as exportações e salvar o rebanho no Nordeste, enfrentando o problema das mortes dos animais causado pela seca.
Nenhuma palavra na imprensa burguesa sobre a falta de milho no país campeão de produção agrícola.
Na verdade, foram escondidas as raízes da perda do rebanho no Nordeste.
Dessa forma, a mídia burguesa demonstra seu compromisso com o interesses do grande capital financeiro internacional.
Os meios de comunicação da classe dominante, “preocupados” com a inflação, omitem questões centrais relacionadas à formação dos preços no país.
Assim, os verdadeiros problemas que a sociedade brasileira enfrenta ficam submersos diante da manipulação e da hipocrisia dos donos de jornais, revistas e redes de televisão.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Crueldade sem limites na Europa

No velho continente, as naus catarinetas afundam e arrastam insidiosamente toda a esquadra!


Paulo Moreira Leite


Em crise prolongada desde 2010, quando a recusa de criar estímulos ao crescimento jogou o Velho Mundo em recessão - quebrando os elos mais fracos, como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha -, a Europa acaba de anunciar duas notícias.


A primeira, é que o desemprego subiu mais um pouco. A média, agora, é de 12,2%, contra 12,1% apenas um mês antes. Entre os jovens, o desemprego passou de 50% na Espanha e de 60% na Grécia.


A segunda notícia é que nada vai ser feito para diminuir o desemprego e enfrentar a recessão. A alegação é que a inflação na zona do euro subiu de 1,2% para 1,4%.


Em seu abismo, desnecessário, a Europa dá uma nova demonstração de que não há limite para a crueldade política e que a expressão “fundo do poço” é uma imagem retórica – na vida real, não há fronteira para a decadência econômica nem para o retrocesso social. É sempre possível piorar um pouco mais e até muito mais.


O limite é definido, na prática, pela capacidade de resistência dos trabalhadores e das camadas empobrecidas da sociedade e pela competência de seus líderes para impor um outro ponto de vista.


Nenhum governo europeu resistiu ao teste das urnas até agora. Todos foram derrubados pelo eleitorado. Mas nenhum governo novo teve forças – alguns nem sequer tentaram ampliar a musculatura – para realizar mudanças que a população esperava. A maioria abandonou qualquer compromisso assim que os votos foram contados.


Seu desgaste foi tão simples e rápido como a derrota de seus adversários.


Mesmo os anti-políticos italianos, que despertaram tanta sociologia interesseira ao impedir a vitória da centro-esquerda, já enfrentam sinais de velhice precoce.


O saldo é que a Europa assiste hoje à emergência – previsível – de movimentos fascistas.


Esta é uma lição que o Velho Continente, outrora tão rico e civilizado, utopia de tantos estudiosos e viajantes de tantas ideologias, tem a oferecer ao mundo.


Acredite: o Banco Central Europeu continua evitando qualquer medida efetiva de estimulo à economia – nem as soluções moderadas e nem sempre coerentes de Barack Obama – que poderiam dar um alívio, temporário, parcial, a uma situação de tragédia.


Nem a Alemanha, que já foi vista como a fortaleza do pensamento conservador, consegue ficar longe da tormenta. Todos os dados econômicos estão em queda, o que ajuda a explicar o crescimento de protestos até mesmo naquele país.


O atual retrocesso europeu é muito mais grave e preocupante do que se poderia pensar. O Velho Mundo já passou por outras experiências recessivas. Mas elas tiveram curta duração e permitiram retomadas, ainda que temporárias. Agora não. O desmanche econômico virou um programa, uma meta. Ninguém ousa dizer quando poderá terminar.


Isso porque ninguém ousa imaginar como estará a civilização europeia quando isso acontecer.


A destruição de riquezas e o empobrecimento da população cumprem a finalidade de realizar, pelo desemprego, pela falta de futuro, aquilo que outros projetos conservadores não foram capazes de conduzir: a destruição do Estado de Bem-Estar Social, a mais civilizada experiência que o capitalismo se permitiu em séculos de história.


Este é o processo.


A reorganização conservadora foi produzida por economistas instalados no comando do Banco Central Europeu.


Teve início fora da Eurozona, a partir da vitória de James Cameron nas eleições britânicas, que inaugurou um programa de cortes de estímulos e de políticas sociais que os trabalhistas haviam colocado de pé.


A partir de 2011, o Banco Central Europeu começou a elevar as taxas de juros, levando os estados mais pobres à falência. Num esforço que só contribuiu para esconder as responsabilidades reais, os pobres passaram a ser responsabilizados pela própria pobreza, esperteza ideológica que deixou de fazer sentido depois que a crise saiu da Grécia e de Portugal para se instalar na França, na Itália e na Holanda.


(Fora da Eurozona, nem a Suécia escapou, como se sabe. Seriam preguiçosos nossos calvinistas nórdicos?)


Qual foi o slogan dessa mudança de curso? Paul Krugman recorda: a obsessão com a austeridade, aplicada a ferro e fogo ainda que a “economia da Eurozona se encontrasse em estado de profunda depressão e sem nenhuma ameaça inflacionária convincente”. Outros economistas, como Martin Wolf, principal analista doFinancial Times, têm uma visão crítica semelhante. Em determinado momento da crise, a Economist também assumiu um ponto de vista parecida.


Este é o ponto.


No comando da austeridade europeia, em 2010, os dirigentes do BCE, com seu presidente Jean-Claude Trichet à frente, diziam que uma ameaça de depressão econômica era desprezível e o perigo a se evitar era a ameaça de um surto inflacionário.


O risco, dizia Trichet, situava-se na faixa de uma inflação de 2%, lembra Krugman, na página 201 do livro “!Acabemos ya com esta crisis!”


Exemplo de crueldade: após cinco anos de genocídio econômico, as políticas de estimulo não podem ser aplicadas porque a inflação segue no horizonte – numa taxa de 1,4%.


Essa situação demonstra que a austeridade não é uma opção conjuntural, um conjunto de medidas que podem ser tomadas em qualquer lugar, conforme a conjuntura.


É um projeto de longo curso, que se tornou possível a partir da União Europeia, governo que tem a palavra final sobre a economia, por cima de qualquer estado nacional, permitindo que a primeira ministra alemã, Angela Merkel, imponha uma política por cima da vontade dos eleitores vizinhos.


Muitas pessoas imaginam que foi a hiperinflação que levou Adolf Hitler ao governo. Esta é a história que Ingmar Bergman contou no Ovo da Serpente, um belo exercício de cinema – como esquecer a imagem de cidadãos desolados carregando dinheiro em carrinhos? --, mas uma aula menos competente de economia política.


A hiperinflação explodia no início dos anos 1920, quando o nazismo era pouco mais do que um movimento exótico nas cervejarias de Munique. Hitler chegou ao poder uma década depois. Neste período, ocorreu a crise de 1929, aquela que todos dizem que foi a única maior que a de 2008.


Antes e depois, os partidos políticos alemães tiveram várias oportunidades para mudar o curso da economia e oferecer saídas para a situação. Nenhum teve luzes – outros não tiveram força política – para oferecer a saída necessária.


Sendo bastante esquemático, mas nem por isso falso. A falta de respostas adequadas ao emprego e ao colapso do crescimento criou um ambiente social desesperado e insuportável, que permitiu o nazismo.


Nos Estados Unidos, evitou-se o pior graças ao New Deal de Franklin Roosevelt, um programa de investimentos e estímulos continuados que se prolongou por mais de uma década.


Uma interrupção desastrada ocorrida em 1937, quando os conservadores convenceram Roosevelt de que a inflação tornara-se um risco, quase pôs tudo a perder. Diziam que a crise de 1929 fora superada e que era possível interromper as políticas de estimulo ao crescimento.


A austeridade voltou, a economia desabou e só foi se recuperar em plena Segunda Guerra Mundial.


Este é o ponto.



terça-feira, 4 de junho de 2013

Onde está o dinheiro?

No Brasil, em que se erguem coros cotidianos contra a migalha do bolsa família, nascem 23 novos milionários a cada dia. Mas quem chorará por eles?


Vladimir Safatle


Franklin Roosevelt, até segunda ordem, não era comunista. Na verdade, ao que tudo indica, o sr. Roosevelt foi presidente dos EUA de 1933 a 1945 sem que ninguém tenha encontrado indícios de que ele estaria envolvido em alguma forma de complô contra o capitalismo e seus grandes empreendedores. Esses mesmos empreendedores que fazem fortunas, como todos nós sabemos, graças exclusivamente ao trabalho árduo e dedicado.


Lembrar do sr. Roosevelt hoje é algo que faz bem. Pois eis aí um dos poucos homens que poderiam ter escrito um livro com o título: "Como salvei o capitalismo de sua pior crise". Tal livro, se existisse, seria uma leitura recomendável para diretores do FMI envolvidos em escândalos de todo tipo, altos executivos de bancos salvos pelo Estado (mas que gostam de ensinar receitas perfeitas de como vencer crises) e, por fim, presidentes de países que um dia foram vistos como promessas de desenvolvimento.


Nele, o velho Franklin poderia contar como, em 1935, passou uma lei de imposto progressivo que taxava os ricos de seu país em até 75% (o estrategicamente esquecido "Revenue Act").


Ele poderia ainda selecionar alguns de seus discursos, como um que foi pronunciado no Congresso americano em 1942, no qual afirmava que "nenhum cidadão deve ter um rendimento líquido, depois de pagar seus impostos, de mais de US$ 25 mil dólares anuais", o que daria atualmente algo em torno de US$ 350 mil.


Com essa política que hoje os grandes sábios da economia chamariam de demente, louca ou simplesmente "comunista", Franklin tirou seu povo da miséria, permitindo ao Estado oferecer serviços públicos básicos para seus cidadãos, fazendo com que eles tivessem mais tranquilidade para planejar seu futuro, assim como dinheiro para consumir e desenvolver seu empreendedorismo.


Mas, se fosse remetido ao Brasil atual, Franklin estaria coçando a cabeça para entender um dos maiores enigmas da humanidade. Petrificado, ele se perguntaria como é possível que, depois de 25 anos, uma lei constitucional que institui o imposto sobre grandes fortunas (artigo 153, inciso VII) simplesmente não foi regulamentada e, por isso, não foi implementada. Uma lei que não legisla: um verdadeiro paradoxo digno da mais astuta dialética.


Juntem, entretanto, dois lados de uma mesma equação: no momento em que a economia brasileira patina e os investimentos do empresariado nacional somem, o Brasil produz 23 novos milionários por dia, atingindo a marca de 155,5 mil milionários.


Agora, façam esta pergunta rooseveltiana: onde está o dinheiro?