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terça-feira, 6 de maio de 2014

A silenciosa sovietização dos Estados Unidos

do: Diario do Centro do Mundo





O artigo abaixo foi publicado no site Outras Palavras. O autor, Paul Craig Roberts, foi secretário assistente do Tesouro dos EUA e editor associado do Wall Street Journal. Seu último livro é “Como os Estados Unidos se perderam”.

A propaganda americana no período da Guerra Fria teve pouco, ou nada, a ver com o colapso da União Soviética. No entanto, ao dramatizar as mentiras soviéticas o mundo ficou cego com as de Washington.

Quando as autoridades soviéticas recusaram-se a publicar Doutor Jivago, obra do destacado escritor soviético Boris Pasternak, a CIA transformou o gesto num golpe midiático. Um jornalista italiano e membro do Partido Comunista soube do manuscrito censurado e se ofereceu para levá-lo a um editor de Milão, próximo dos comunistas: Giangiacomo Feltrinelli, que publicou o livro em italiano em 1957, apesar das objeções soviéticas. Feltrinelli acreditava que o Doutor Jivago era uma obra-prima e que o governo da União Soviética era tolo, ao não capitalizar em seu favor a obra de um grande escritor. Em vez disso, o Kremlin, dogmático e inflexível, caiu na arapuca da CIA.

Os soviéticos fizeram tanta sujeira com o livro, que a controvérsia elevou o perfil da obra. De acordo com documentos recentemente revelados pela CIA, o órgão de espionagem norte-americano vislumbrou uma oportunidade para os cidadãos soviéticos se perguntarem por que o romance de um proeminente escritor russo só estava disponível no exterior.

A CIA organizou uma edição na língua russa, publicada e distribuída aos cidadãos soviéticos na Feira Mundial de Bruxelas, em 1958. O golpe midiático foi consumado quando Pasternak recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em outubro de 1958.

O uso do romance de Pasternak para minar a confiança dos cidadãos soviéticos em seu governo continuou até 1961. Naquele ano eu era um membro do programa de intercâmbio de estudantes EUA / URSS. Fomos encorajados a levar conosco cópias de Doutor Jivago.

Disseram-nos que era improvável algum inspetor aduaneiro soviético saber inglês, e ser capaz de reconhecer o título dos livros. Se perguntassem algo, fomos instruídos a responder que se tratava de “leitura de viagem”. Se as cópias forem reconhecidas e confiscadas, não devíamos nos preocupar. Elas eram muito valiosas para serem destruídas. Os funcionários iriam lê-las primeiro, e vendê-las em seguida no mercado negro — uma forma eficiente para espalhar a distribuição.

O que me impressiona sobre os memorandos da CIA é como o governo dos Estados Unidos de hoje se assemelha com o governo soviético de 1958. A chefe da Divisão Soviética da CIA descreve, numa análise de julho de 1958, por que Doutor Jivago era uma ameaça para o governo soviético. A ameaça residia na “mensagem humanista de Pasternak”, segundo a qual “cada pessoa tem o direito a uma vida privada e merece respeito como ser humano”.

Diga isso para a Agência de Segurança Nacional (NSA), para os detidos em Guantánamo, para os torturados nas prisões pela CIA. Nos Estados Unidos, a privacidade individual não existe mais. A NSA coleta e armazena cada e-mail, cada compra com cartão de crédito, cada conversa telefônica, todas as pesquisas de internet, cada uso das mídias sociais de todos os cidadãos. Pasternak tinha muito mais privacidade do que qualquer norte-americano hoje. Os viajantes soviéticos jamais foram submetidos a tateamento genital ou a porno-scanners. As penalidades impostas aos cidadãos soviéticos, por dizerem verdades inconvenientes ao governo, não eram mais graves do que as sanções impostas a Bradley Manning, Julian Assange e Edward Snowden.

E hoje, os cidadãos russos são mais livres em sua vida privada do que os norte-americanos. A imprensa russa é mais vívida e crítica ao governo do que a imprensa norte-americana…

Escrevi em uma das minhas colunas que, quando o comunismo alemão se dissolveu, a Stasi [temida polícia secreta da Alemanha Oriental] mudou-se para Washington…




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