Dezoito quadros por segundo!
Este é o padrão do movimento-tempo do cinema exibido na tela. Imagens em movimento! No preciso limite de apreensão do olho humano. Ao mesmo tempo uma ilusão gerada na mente pela sequência ritmíca e constante de fotografias exibidas em série, capturadas por esta máquina fantástica que é a câmera guiada pelo cineasta. Fotografias que, por se acumularem num continuo, produzem nos espectadores a sensação de que o que se captura, o que se mostra, o que se vê, é movimento puro. Jogo de idéias, fluxo de imagens que sacodem simultaneamente com nossa sensação de tempo, de imagem, de imagens-tempo, de imagem-movimento. A descrição de um ponto de vista estritamente fisico, de fotografias exibidas numa tela dezoito vezes por segundo, decerto não descreve nem um milésimo o que é o cinema, quando pensado/sentido como manifestação artística (e por isso mesmo tecnicamente definida em planos, recortes, montagens, decupagens etc.) tanto quanto é uma expressão estética, ética, política e filosófica do engenho humano.
Talvez seja esta dimensão polissêmica que Gilles Deleuze tenta capturar na sua análise/elaboração/filosofia sobre o cinema, tomando-o em termos de tempo e de movimento, de imagem e de movimento, e do interessante, por que não, jogo de palavras com que se manifesta nas entrevistas publicadas no livro Conversações. Escolhemos, numa sequência inexata – isto é, extraída conforme nosso interesse de leitor que percorre a conversa deleuziana; portanto, diferente do modo com que aparecem nos textos originais.
O primeiro deles, que conclui a segunda de suas entrevistas, transcrevemos a seguir:
“El cerebro es un volumen espaciotemporal: corresponde al arte trazar en él nuevas vías de actualización. Puede hablarse de sinapsis, conexiones y desconexiones cerebrales: no hay las mismas conexiones, ni se trata de los mismos circuitos, por ejemplo, en Godard y en Resnais. Pienso que la importancia o el alcance colectivo del cine depende de este tipo de problemas.”
IN: Cinema, n.º 334, 18 de Diciembre de 1985, entrevista con Gilbert Cabasso y Fabrice Revault d’Allones. Extraído de Conversaciones, p. 87
De fato, nessa primeira expressão, expõe pensamentos que remetem ao fato de que o cinema é uma técnica – trata-se de dezoito quadros se sucedendo por segundo e afetando o cérebro, pela retina, de modo a produzir neste a sensação de movimento e de fluxo, isto é, de tempo. A arte do cinema, por isso mesmo, tem a capacidade, como nenhuma outra, de trazer àquele novas atualizações. Novas sensações, simultâneas sensações. Mas esta capacidade de fazê-lo guarda estreita relação com o fato de que o cérebro seja um volume, um recipiente, espacio-temporal.
Nisto, nosso filósofo tem expressa razão. E além disso, segue tendo quando explica que não se trata somente de estimular novas sinapses, conexões, redes de circuitos, novas elaborações estruturantes. Tanto quanto é uma manifestação artística, é uma linguagem que permite que esta manifestação seja feita de formas igualmente plásticas, pela criação estética que a câmera em movimento na mão (e no circuito que liga esta ao cérebro do cineasta) de um diretor, como os que ele cita, permite alargar os planos espaciais em que a linguagem é tradicionalmente vista. Isto é, como se não mais se movimentasse num plano de coordenadas cartesianas precisas.
O cinema, como arte, e especialmente o cinema da pós-modernidade, ou mais exatamente um certo tipo de cinema que se produz a partir do pós-guerra, apropria-se de inúmeras e inovadoras possibilidades de articular planos espaciais e outros ângulos, que estilhaçam o conforto transcendental de um plano cartesiano pensado em termos de horizontais e verticais, e abraça um fractal de outras angulações.
Não bastasse esta fratura abissal com o plano de coordenadas espaciais, no cinema também se faz possível uma transformação do tempo, que pode passar de uma tênue linha reta de processos ou fatos que se sucedem, para uma reorganização em que a sucessão pode ser posta em termos de trás pra frente, frente pra trás, ou uma combinação de modos de contar a história e que encontra espaço e eco no tempo e no espaço mental de cada espectador.
Mas aí reside igualmente o problema dos curto-circuitos. Dado que o cinema é uma arte com valores políticos e conteúdos políticos, há a tensão dos resultados, do que pode ser feito com cada uma destas características. O cérebro é uma potencial rede de sinapses e relações, mas é também uma estrutura de circuitos prévios, reflexos condicionados e outras cristalizações. Criar novos circuitos é uma possibilidade dada ao cérebro e a arte. Dessa dupla tensão, do em si do cinema e do cérebro, e da constituição de ambos em relação, Deleuze extrai a conclusão de que nelas reside a força, a importância e o alcance coletivo que pode o cinema, como arte e como política, alcançar. Está seguro, todavia, de que a arte pode conduzir a uma espécie de cretinização, como parece pensar ao se referir ao clip, este cinema em short-cut que, segundo ele, de campo fecundo passou ao lugar-comum organizado e formalista de um produto pastiche.
Mas ele já preparara este mesmo terreno, isto é, a das possibilidades e alcance do cinema como arte, num outro momento de suas conversações quando respondeu a seus entrevistadores dizendo que, cinema e filosofia teriam também algo em comum que lhes chamaria para um encontro.
Es cierto que los filósofos se han ocupado muy poco del cine, y esolos que han llegado a hacerlo. Sin embargo, se da una coincidencia. em el mismo momento de aparición del cine, la filosofía se esfuerza em pensar el movimiento. Pero puede que esta misma sea la causa de que la filosofía no reconozca la importancia del cine: está demasiado ocupada en realizar por cuenta propia una labor análoga a la del cine, quiere introducir el movimiento en el pensamiento, como el cine lo introduce en la imagen. Más que de una posibilidad de encuentro, se trata de dos investigaciones independientes.
IN: Cinema, n.º 334, 18 de Diciembre de 1985, entrevista con Gilbert Cabasso y Fabrice Revault d’Allones. Extraído de Conversaciones, p. 81
Filosofia e cinema, qual relação imaginar? A da aproximação da Filosofia com a temática do movimento, esta categoria tão fundamental para o cinema. Afinal, ninguém pensaria em assistir um filme que consistisse numa exposição estática de fotografias. Esta, quanto acontece, recebe outro nome, que sequer se confunde. Quer dizer, o nascimento do cinema como arte e expressão acontece no mesmo momento histórico em que a filosofia se volta para estudar o movimento, isto é, o tempo, e mais precisamente, a sensação que dele temos, pois parafraseando Kant, tempo é intuição a priori, ou seja, antecede a experiência.
Cinema é pura experiência, sensação. Não consigo imaginar o cinema-especulação! Aquele que resulta de uma entrega metafísica à razão. Se esta aproximação tem raízes tão próximas, há algo que os distancia além do fato de que os filósofos e os cineastas caminharam por vias paralelas nesta perseguição ao tempo? Trata-se, segundo Deleuze, de uma atitude mais divergente que hostil: os filósofos tentaram introduzir o movimento no pensamento, enquanto os cineastas introduziram o movimento na imagem.
Eu, leitor. intuo que ele tenha querido dizer mais do isso. Movimento de pensamento se dá por quase que exclusiva ação metafísica (é quase um paradoxo a expressão!!), isto é, por um movimento racional do pensamento fluindo nas sinapses e conexões do telencéfalo altamente desenvolvido dos humanos filosofantes. Imagens em movimento é coisa própria de uma invenção dos Irmãos Lumiére: coisa de entregar-se ao entretenimento de montar um máquina nunca antes vista, capaz de encantar os olhos dos espectadores e neles produzir a ilusão alquímica de imagens que se fundem no movimento real que agora se transpõe a uma tela branca.
Dito assim, em pura alegoria, são dois movimentos que se dão em dois planos realmente distintos. Um físico, outro metafísico. Cinema é imagem em movimento (e isto descreve exatamente o que é um filme exibido na tela). Pensamento é fluxo de idéias que se movimento num circuito rizomático de axônios e seus ramos (esta descrição também é exata para descrever sumariamente o que é o filosofar). Dito isto, eis uma analogia que não convidaria a um encontro. Afinal, é lei da física que as paralelas só se encontram no infinito! O que é inaugural em Deleuze é que ele se convidou a ser este infinito e, enquanto filósofo, se entregou a tarefa de pensar o cinema. E pensa este encontro justamente pela adoção de um dos princípios de sua filosofia, qual seja, aquele que diz que filosofar é criar conceitos.
Talvez seja por isso, que ele advogue que os críticos de cinema tenham como tarefa criar conceitos para o cinema, mais do que avaliar tecnicamente se um filme merece ou não ser visto. Neste sentido, aproxima os críticos dos filósofos, e diz que aqueles precisam se tornar como estes. Por isso mesmo, não podem ficar presos á técnica, ou a seus detalhes. Travelling, continuísmo, decupagem, montagem, planos, são meios de se chegar aos fins; expressam este fim, mas não o explicam, nem podem, por isso mesmo , se justificarem assim. Desta maneira, cutuca os críticos par que abandonem qualquer intenção crítica e se debrucem sobre os conceitos do cinema. Estes, são os verdadeiros fins do cinema.
E aqui, nós, talvez estejamos nos perguntado o que faz do cinema esta maravilha máquina de filosofia em movimento? Deleuze, que parece antecipar qualquer pergunta, diz-nos que:
“El cine realiza un auto–movimiento de la imagen, incluso una auto– temporalización: esta es su base, y este es el aspecto que yo he intentado estudiar. Pero, ¿qué puede revelarnos el cine acerca del espacio y del tiempo que no revelen las demás artes? Un travelling y una panorámica no presentan el mismo espacio. Es más, puede suceder que el travelling deje de trazar un espacio para sumirse en el tiempo (en Visconti, por ejemplo).”
IN: Cinema, n.º 334, 18 de Diciembre de 1985, entrevista con Gilbert Cabasso y Fabrice Revault d’Allones. Extraído de Conversaciones, p. 82
Claro que para um filósofo do fluxo, do movimento, do devir, a idéia de que o cinema realiza um movimento automático da imagem, só poderia mesmo ser-lhe muito querida. Típica identidade de objeto e de sujeito, diria eu! O pensador do movimento e a manifestação por excelência de uma forma de arte que se move, é pensada, produzida e consumida enquanto movimento, fluxo, distribuição de imagens numa sequência-tempo.
Cinema é, portanto, também auto-temporalização! E aqui Deleuze deve estar se referindo a uma idéia mais profunda do que a singela analogia de dezoito quadros, ou fotogramas para usar uma linguagem cinematográfica, que se sucedem na tela do tempo. De fato, numa outra entrevista, em que aborda a noção de cinema como imagem-movimento, ele manifesta o seguinte:
“Los grandes géneros (western, cine policiaco, cine histórico, comedia, etc.) no dicen nada de los tipos de imágenes ni de sus caracteres intrínsecos. Por otra parte, los planos –primer plano, plano general, etc– sí definen tipos distintos. Pero intervienen muchos otros factores (luminosos, sonoros, temporales). Si he considerado el dominio Del cine en su conjunto es porque se ha constituido apoyado en la imagen–movimiento. Em consecuencia, tiene una aptitud para crear o revelar un máximo de imágenes distintas, y sobre todo para componerlas entre sí mediante el montaje. Hay imágenes–acción, imágenes–percepción, imágenes–afección y muchas otras. En cada caso, estas imágenes se caracterizan por signos internos, tanto desde el punto de vista de su génesis como desde el de su composición.”
IN: Cahiers du Cinema, n.º 352, Octubre de 1983, entrevista com Pascal Bonitzer y Jean Narboni realizada el 13 de Septiembre, completada y redactada por los participantes (os grifos são nossos).
Propõe, assim, uma outra categorização para as imagens, que vai além da tradicional categoria taxonômica de tipos-padrão ou nomenclatura oficial de gêneros. É uma classificação baseada na natureza das imagens, não numa visão a partir de seus agrupamentos temáticos, em drama, comédia, ação etc. Pensar assim, talvez seja uma esforço de pensar o cinema para além das tecnicalidades em que este parece ter caído, ou reduzido a técnica de filmar, reduzido a objeto de uma crítica formalista e, portanto, estéril. Pensar em imagens afeto, imagens-ação, imagens-percepção, também pode ser visto como um convite a tornar o espectador um protagonista do cinema: recortado, deste modo, em novos, ou outros, tempos e movimentos.
Enfim, sob este prisma, o cinema pode revelar-nos algo acerca do tempo e do movimento – enquanto modos pelos quais a imagem se liga para, duplamente, contar uma história – mais do que as demais artes, pelo menos as mais estáticas como a fotografia, a pintura e a escultura.
* X * X * X * X * X * X *
EXCURSO IMTEMPESTIVO;
Não saberia o que dizer, todavia, em relação ao teatro. Parece ser alguma coisa que escapa pela plasticidade que a câmera possui e que reúne maior capacidade de movimentos que o olho humano. Cinema também é montagem, e aqui mais do que técnica, montagem é também uma estratégia de traduzir conceitos. A montagem afinal define diretores, aponta tendências e fluxos, com que uma certa historiografia do cinema pode indicar fases, escolas, linhas: neo-realismos, cinema-novo, nouvelle vague. Não se trata de apontar qualidades ou déficits ao teatro, mas este tem um limite claro: seu acting se dá num plano bidimensional; sua imagem é a do olho do espectador; sua relação é direta, linear, do caminho que leva do palco a ribalta. Não há recursos ocultos além da ribalta e do camarim. O teatro é caminho fixo! O cinema, neste sentido, é mais trãnsfuga, mais aberto a viagens fora do tempo?
Este é o padrão do movimento-tempo do cinema exibido na tela. Imagens em movimento! No preciso limite de apreensão do olho humano. Ao mesmo tempo uma ilusão gerada na mente pela sequência ritmíca e constante de fotografias exibidas em série, capturadas por esta máquina fantástica que é a câmera guiada pelo cineasta. Fotografias que, por se acumularem num continuo, produzem nos espectadores a sensação de que o que se captura, o que se mostra, o que se vê, é movimento puro. Jogo de idéias, fluxo de imagens que sacodem simultaneamente com nossa sensação de tempo, de imagem, de imagens-tempo, de imagem-movimento. A descrição de um ponto de vista estritamente fisico, de fotografias exibidas numa tela dezoito vezes por segundo, decerto não descreve nem um milésimo o que é o cinema, quando pensado/sentido como manifestação artística (e por isso mesmo tecnicamente definida em planos, recortes, montagens, decupagens etc.) tanto quanto é uma expressão estética, ética, política e filosófica do engenho humano.
Talvez seja esta dimensão polissêmica que Gilles Deleuze tenta capturar na sua análise/elaboração/filosofia sobre o cinema, tomando-o em termos de tempo e de movimento, de imagem e de movimento, e do interessante, por que não, jogo de palavras com que se manifesta nas entrevistas publicadas no livro Conversações. Escolhemos, numa sequência inexata – isto é, extraída conforme nosso interesse de leitor que percorre a conversa deleuziana; portanto, diferente do modo com que aparecem nos textos originais.
O primeiro deles, que conclui a segunda de suas entrevistas, transcrevemos a seguir:
“El cerebro es un volumen espaciotemporal: corresponde al arte trazar en él nuevas vías de actualización. Puede hablarse de sinapsis, conexiones y desconexiones cerebrales: no hay las mismas conexiones, ni se trata de los mismos circuitos, por ejemplo, en Godard y en Resnais. Pienso que la importancia o el alcance colectivo del cine depende de este tipo de problemas.”
IN: Cinema, n.º 334, 18 de Diciembre de 1985, entrevista con Gilbert Cabasso y Fabrice Revault d’Allones. Extraído de Conversaciones, p. 87
De fato, nessa primeira expressão, expõe pensamentos que remetem ao fato de que o cinema é uma técnica – trata-se de dezoito quadros se sucedendo por segundo e afetando o cérebro, pela retina, de modo a produzir neste a sensação de movimento e de fluxo, isto é, de tempo. A arte do cinema, por isso mesmo, tem a capacidade, como nenhuma outra, de trazer àquele novas atualizações. Novas sensações, simultâneas sensações. Mas esta capacidade de fazê-lo guarda estreita relação com o fato de que o cérebro seja um volume, um recipiente, espacio-temporal.
Nisto, nosso filósofo tem expressa razão. E além disso, segue tendo quando explica que não se trata somente de estimular novas sinapses, conexões, redes de circuitos, novas elaborações estruturantes. Tanto quanto é uma manifestação artística, é uma linguagem que permite que esta manifestação seja feita de formas igualmente plásticas, pela criação estética que a câmera em movimento na mão (e no circuito que liga esta ao cérebro do cineasta) de um diretor, como os que ele cita, permite alargar os planos espaciais em que a linguagem é tradicionalmente vista. Isto é, como se não mais se movimentasse num plano de coordenadas cartesianas precisas.
O cinema, como arte, e especialmente o cinema da pós-modernidade, ou mais exatamente um certo tipo de cinema que se produz a partir do pós-guerra, apropria-se de inúmeras e inovadoras possibilidades de articular planos espaciais e outros ângulos, que estilhaçam o conforto transcendental de um plano cartesiano pensado em termos de horizontais e verticais, e abraça um fractal de outras angulações.
Não bastasse esta fratura abissal com o plano de coordenadas espaciais, no cinema também se faz possível uma transformação do tempo, que pode passar de uma tênue linha reta de processos ou fatos que se sucedem, para uma reorganização em que a sucessão pode ser posta em termos de trás pra frente, frente pra trás, ou uma combinação de modos de contar a história e que encontra espaço e eco no tempo e no espaço mental de cada espectador.
Mas aí reside igualmente o problema dos curto-circuitos. Dado que o cinema é uma arte com valores políticos e conteúdos políticos, há a tensão dos resultados, do que pode ser feito com cada uma destas características. O cérebro é uma potencial rede de sinapses e relações, mas é também uma estrutura de circuitos prévios, reflexos condicionados e outras cristalizações. Criar novos circuitos é uma possibilidade dada ao cérebro e a arte. Dessa dupla tensão, do em si do cinema e do cérebro, e da constituição de ambos em relação, Deleuze extrai a conclusão de que nelas reside a força, a importância e o alcance coletivo que pode o cinema, como arte e como política, alcançar. Está seguro, todavia, de que a arte pode conduzir a uma espécie de cretinização, como parece pensar ao se referir ao clip, este cinema em short-cut que, segundo ele, de campo fecundo passou ao lugar-comum organizado e formalista de um produto pastiche.
Mas ele já preparara este mesmo terreno, isto é, a das possibilidades e alcance do cinema como arte, num outro momento de suas conversações quando respondeu a seus entrevistadores dizendo que, cinema e filosofia teriam também algo em comum que lhes chamaria para um encontro.
Es cierto que los filósofos se han ocupado muy poco del cine, y esolos que han llegado a hacerlo. Sin embargo, se da una coincidencia. em el mismo momento de aparición del cine, la filosofía se esfuerza em pensar el movimiento. Pero puede que esta misma sea la causa de que la filosofía no reconozca la importancia del cine: está demasiado ocupada en realizar por cuenta propia una labor análoga a la del cine, quiere introducir el movimiento en el pensamiento, como el cine lo introduce en la imagen. Más que de una posibilidad de encuentro, se trata de dos investigaciones independientes.
IN: Cinema, n.º 334, 18 de Diciembre de 1985, entrevista con Gilbert Cabasso y Fabrice Revault d’Allones. Extraído de Conversaciones, p. 81
Filosofia e cinema, qual relação imaginar? A da aproximação da Filosofia com a temática do movimento, esta categoria tão fundamental para o cinema. Afinal, ninguém pensaria em assistir um filme que consistisse numa exposição estática de fotografias. Esta, quanto acontece, recebe outro nome, que sequer se confunde. Quer dizer, o nascimento do cinema como arte e expressão acontece no mesmo momento histórico em que a filosofia se volta para estudar o movimento, isto é, o tempo, e mais precisamente, a sensação que dele temos, pois parafraseando Kant, tempo é intuição a priori, ou seja, antecede a experiência.
Cinema é pura experiência, sensação. Não consigo imaginar o cinema-especulação! Aquele que resulta de uma entrega metafísica à razão. Se esta aproximação tem raízes tão próximas, há algo que os distancia além do fato de que os filósofos e os cineastas caminharam por vias paralelas nesta perseguição ao tempo? Trata-se, segundo Deleuze, de uma atitude mais divergente que hostil: os filósofos tentaram introduzir o movimento no pensamento, enquanto os cineastas introduziram o movimento na imagem.
Eu, leitor. intuo que ele tenha querido dizer mais do isso. Movimento de pensamento se dá por quase que exclusiva ação metafísica (é quase um paradoxo a expressão!!), isto é, por um movimento racional do pensamento fluindo nas sinapses e conexões do telencéfalo altamente desenvolvido dos humanos filosofantes. Imagens em movimento é coisa própria de uma invenção dos Irmãos Lumiére: coisa de entregar-se ao entretenimento de montar um máquina nunca antes vista, capaz de encantar os olhos dos espectadores e neles produzir a ilusão alquímica de imagens que se fundem no movimento real que agora se transpõe a uma tela branca.
Dito assim, em pura alegoria, são dois movimentos que se dão em dois planos realmente distintos. Um físico, outro metafísico. Cinema é imagem em movimento (e isto descreve exatamente o que é um filme exibido na tela). Pensamento é fluxo de idéias que se movimento num circuito rizomático de axônios e seus ramos (esta descrição também é exata para descrever sumariamente o que é o filosofar). Dito isto, eis uma analogia que não convidaria a um encontro. Afinal, é lei da física que as paralelas só se encontram no infinito! O que é inaugural em Deleuze é que ele se convidou a ser este infinito e, enquanto filósofo, se entregou a tarefa de pensar o cinema. E pensa este encontro justamente pela adoção de um dos princípios de sua filosofia, qual seja, aquele que diz que filosofar é criar conceitos.
Talvez seja por isso, que ele advogue que os críticos de cinema tenham como tarefa criar conceitos para o cinema, mais do que avaliar tecnicamente se um filme merece ou não ser visto. Neste sentido, aproxima os críticos dos filósofos, e diz que aqueles precisam se tornar como estes. Por isso mesmo, não podem ficar presos á técnica, ou a seus detalhes. Travelling, continuísmo, decupagem, montagem, planos, são meios de se chegar aos fins; expressam este fim, mas não o explicam, nem podem, por isso mesmo , se justificarem assim. Desta maneira, cutuca os críticos par que abandonem qualquer intenção crítica e se debrucem sobre os conceitos do cinema. Estes, são os verdadeiros fins do cinema.
E aqui, nós, talvez estejamos nos perguntado o que faz do cinema esta maravilha máquina de filosofia em movimento? Deleuze, que parece antecipar qualquer pergunta, diz-nos que:
“El cine realiza un auto–movimiento de la imagen, incluso una auto– temporalización: esta es su base, y este es el aspecto que yo he intentado estudiar. Pero, ¿qué puede revelarnos el cine acerca del espacio y del tiempo que no revelen las demás artes? Un travelling y una panorámica no presentan el mismo espacio. Es más, puede suceder que el travelling deje de trazar un espacio para sumirse en el tiempo (en Visconti, por ejemplo).”
IN: Cinema, n.º 334, 18 de Diciembre de 1985, entrevista con Gilbert Cabasso y Fabrice Revault d’Allones. Extraído de Conversaciones, p. 82
Claro que para um filósofo do fluxo, do movimento, do devir, a idéia de que o cinema realiza um movimento automático da imagem, só poderia mesmo ser-lhe muito querida. Típica identidade de objeto e de sujeito, diria eu! O pensador do movimento e a manifestação por excelência de uma forma de arte que se move, é pensada, produzida e consumida enquanto movimento, fluxo, distribuição de imagens numa sequência-tempo.
Cinema é, portanto, também auto-temporalização! E aqui Deleuze deve estar se referindo a uma idéia mais profunda do que a singela analogia de dezoito quadros, ou fotogramas para usar uma linguagem cinematográfica, que se sucedem na tela do tempo. De fato, numa outra entrevista, em que aborda a noção de cinema como imagem-movimento, ele manifesta o seguinte:
“Los grandes géneros (western, cine policiaco, cine histórico, comedia, etc.) no dicen nada de los tipos de imágenes ni de sus caracteres intrínsecos. Por otra parte, los planos –primer plano, plano general, etc– sí definen tipos distintos. Pero intervienen muchos otros factores (luminosos, sonoros, temporales). Si he considerado el dominio Del cine en su conjunto es porque se ha constituido apoyado en la imagen–movimiento. Em consecuencia, tiene una aptitud para crear o revelar un máximo de imágenes distintas, y sobre todo para componerlas entre sí mediante el montaje. Hay imágenes–acción, imágenes–percepción, imágenes–afección y muchas otras. En cada caso, estas imágenes se caracterizan por signos internos, tanto desde el punto de vista de su génesis como desde el de su composición.”
IN: Cahiers du Cinema, n.º 352, Octubre de 1983, entrevista com Pascal Bonitzer y Jean Narboni realizada el 13 de Septiembre, completada y redactada por los participantes (os grifos são nossos).
Propõe, assim, uma outra categorização para as imagens, que vai além da tradicional categoria taxonômica de tipos-padrão ou nomenclatura oficial de gêneros. É uma classificação baseada na natureza das imagens, não numa visão a partir de seus agrupamentos temáticos, em drama, comédia, ação etc. Pensar assim, talvez seja uma esforço de pensar o cinema para além das tecnicalidades em que este parece ter caído, ou reduzido a técnica de filmar, reduzido a objeto de uma crítica formalista e, portanto, estéril. Pensar em imagens afeto, imagens-ação, imagens-percepção, também pode ser visto como um convite a tornar o espectador um protagonista do cinema: recortado, deste modo, em novos, ou outros, tempos e movimentos.
Enfim, sob este prisma, o cinema pode revelar-nos algo acerca do tempo e do movimento – enquanto modos pelos quais a imagem se liga para, duplamente, contar uma história – mais do que as demais artes, pelo menos as mais estáticas como a fotografia, a pintura e a escultura.
* X * X * X * X * X * X *
EXCURSO IMTEMPESTIVO;
Não saberia o que dizer, todavia, em relação ao teatro. Parece ser alguma coisa que escapa pela plasticidade que a câmera possui e que reúne maior capacidade de movimentos que o olho humano. Cinema também é montagem, e aqui mais do que técnica, montagem é também uma estratégia de traduzir conceitos. A montagem afinal define diretores, aponta tendências e fluxos, com que uma certa historiografia do cinema pode indicar fases, escolas, linhas: neo-realismos, cinema-novo, nouvelle vague. Não se trata de apontar qualidades ou déficits ao teatro, mas este tem um limite claro: seu acting se dá num plano bidimensional; sua imagem é a do olho do espectador; sua relação é direta, linear, do caminho que leva do palco a ribalta. Não há recursos ocultos além da ribalta e do camarim. O teatro é caminho fixo! O cinema, neste sentido, é mais trãnsfuga, mais aberto a viagens fora do tempo?
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