23 de outubro de 2013
A oposição de direita e a oposição que pensa estar agindo como esquerda afinaram ontem o discurso.
Dizem que o leilão de Libra foi “a maior privatização da História do Brasil”.
Como parece que se tornou o debate algo paupérrimo, onde vale mais rotular e xingar do que pensar e esclarecer, tento ajudar aqui a mostrar o que disse Dilma Rousseff ao afirmar que o que foi feito “é bem diferente de privatização”.
Como recolhi do velho Leonel Brizola que as palavras devem ser usadas para revelar e não para esconder os pensamentos, vou tentar, pela via do exemplo, sem me aprofundar teoricamente no tema, mostrar como é diferente o que aconteceu em Libra daquilo que nos acostumamos a ver aqui como privatização.
Valho-me, para isso, de um outro caso emblemático, o da privatização – sem aspas – da Vale.
O que se passou ali foi a venda da empresa a grupos privados – deixemos à parte que tenha sido por um subpreço de algo como 3% do que ela valia, e que metade disso tivesse sido feito em “moeda podre”, o que reduz ainda mais o valor. Vendida a Vale, suas jazidas e direitos minerários, nada mais é nosso, mas do proprietário privado. É ele quem vai decidir quando e quanto ferro será retirado, como será vendido, se será ou não destinado ao beneficiamento. Ao Estado cabem apenas os royalties pela mineração, aliás em valores ridículos.
O minério de ferro, agora, é deles.
E Libra, é igual?
Nem parecido, vejam:
- A jazida segue sendo estatal e o consórcio recebe o direito de, por uma parte do petróleo retirado, explorar para a União.
- Ao adquirir a concessão, o consórcio não leva um parafuso ou uma broca pertencente ao povo, muito menos uma atividade funcionando e gerando caixa. Ao contrário: terá de investir muito – e por muito tempo – até que o negócio seja capaz de produzir um real de mercadoria a vender.
- A velocidade, a forma e a oportunidade de retirar e vender o petróleo vão ser definidas pelo consórcio em comum acordo com o Estado Brasileiro, pois a PPSA (a Petrosal) tem poder de veto sobre as decisões exploratórias e comerciais, além de acompanhar e auditar os custos exploratórios, para que seu abatimento no óleo extraído não se superfature.
- É uma empresa pública – de economia mista, mas controlada pelo Estado – que vai operar os poços, liderando as escolhas sobre como e onde comprar equipamentos, contratações de serviços, recrutamento de pessoal. Isto é, nada será comprado ou contratado no exterior a não ser que seja indispensável ou manifestamente desvantajoso fazê-lo no mercado interno.
É por isso que, embora tanto o minério de ferro quanto o petróleo sejam, pela Constituição brasileira, propriedade da União e, portanto, de cada brasileiro e brasileira, na prática, o ferro foi privatizado e o petróleo, não.
É só ver que, do óleo que agora está a quilômetros de profundidade sob o leito marinho, Libra vai dar perto de um trilhão de dólares ao Estado brasileiro para investir em educação, saúde, tecnologia, programas sociais. Porque o Estado, sobre o que é seu, fica com a parte do leão.
E do ferro que retira aos milhões de toneladas do solo destes filhos da mãe gentil, a Vale só dá ao Brasil os impostos que qualquer empresa tem de pagar e um trocadinho – 2% do valor, descontado transporte – do minério retirado. E os adoradores do privado, ainda ronronam como gatinhos, em louvor aos gênios que fizeram este negócio desastroso para o país.
Quando se quer igualar coisas tão diferentes assim, podem crer, ou se está deixando de pensar ou, como é pior e mais comum, querendo que as pessoas deixem de pensar.
E, deixando de pensar, possam ser enganadas.
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