Por Marcos Coimbra
Deixando as tecnicalidades jurídicas para os técnicos, o que ressalta da decisão do relator do processo do mensalão no Supremo, o ministro Joaquim Barbosa, de “fatiar” seu voto é que ele desconfia da tese central da denúncia.
E, como seus pares resolveram segui-lo, parece que todos têm dúvidas, no mínimo, semelhantes às dele - senão maiores.
O fulcro da denúncia da Procuradoria-Geral da União é que, entre 2004 e 2205, teria existido uma “quadrilha” de 40 pessoas (número idêntico à de Ali Baba por uma simples coincidência - e não por jogada marqueteira de gosto duvidoso), que agiria em conjunto na compra (e venda) de parlamentares para obter apoio político para o governo Lula.
Esse seria o comportamento que justificaria considerá-la responsável pelo “maior escândalo político de nossa história”, como não se cansou de repetir a chamada “grande imprensa”.
Os integrantes “ativos” da quadrilha arranjariam ilicitamente recursos para dar aos deputados. Em troca, esses votariam seguindo a orientação do governo nos momentos que determinasse. De forma a que tudo funcionasse adequadamente, haveria ainda integrantes especializados em azeitar a operacionalização do esquema.
Como toda “quadrilha” que se preza, ela teria um “chefe” e apenas um. Sob seu comando, todos os membros atuariam para alcançar um único fim.
Se todos os acusados não tivessem participado do mesmo complô, como falar de uma só “quadrilha”? Como chamar a todos de “mensaleiros” - o neologismo pejorativo que a “grande imprensa” inventou para destacá-los - se tivessem feito coisas diferentes, desarticuladas dos atos dos outros?
E se alguns tivessem cometido irregularidades menos graves, sem impacto relevante nas instituições, o que estariam fazendo no “julgamento do mensalão”? Na solenidade da mais alta Corte, não deveria haver lugar para bagrinhos. Só os peixes grandes mereceriam a distinção.
Quando Joaquim Barbosa resolveu “fatiar” o julgamento, estava implícito que entendia que era preciso tratar desigualmente o que é desigual.
Sem discutir o mérito de seu voto relativo à “fatia” onde está o deputado João Paulo Cunha - que é, aliás, amplamente discutível, como o mostrou o revisor, Ricardo Lewandowski, que o rejeitou na íntegra - o que o ministro fez foi raciocinar como se não existisse uma “quadrilha”. Percebendo que seria absurdo condenar o ex-presidente da Câmara dos Deputados por integrar a tal “quadrilha do mensalão”, considerou-o culpado por ter beneficiado uma empresa privada para obter vantagem pessoal.
Na opinião do relator, ele teria recebido R$ 50 mil para destinar uma conta de publicidade de R$ 11 milhões para a agência de publicidade de Marcos Valério.
E que relação isso teria com o “tenebroso complô” arquitetado pelo “chefe da quadrilha”?
Nenhuma.
Daí a ideia de “fatia”. Que daria algum nexo ao amontoado de situações díspares e mal integradas que a denúncia juntou. Ou seja, o relator admite que a tese central da Procuradoria-Geral é fraca, mas tenta salvá-la, propondo que suas partes desconjuntadas sejam vistas como “fatias”.
E no caso do ex-diretor do Banco do Brasil? O que estariam fazendo no Supremo os acusados de ilícitos nessa “fatia”? Nenhum tem foro privilegiado, nenhum ocupou cargo público. Se suas condutas estão sendo julgadas em separado, por que lhes negar o direito a um processo normal, que se inicia na primeira instância?
E desde quando é atribuição do Supremo Tribunal Federal discutir questões como as que constam dessa “fatia”?
De “fatia” em “fatia”, o que o ministro relator está fazendo é concordar que a “quadrilha” nada mais é que uma construção artificiosa. Só com muita imaginação e pouca lógica é possível vê-la.
De tanto recortar, vai acabar fazendo como a cozinheira. Quando termina de descascar a cebola, constata que não há nada dentro dela.
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