- "Ei, você aí, estamos na democracia mais sólida da América Latina!" |
Por Rafael Chacón
“Covardes! Por que não publicam isso?...e na continuação encontrávamos uma imagem de umas urnas de votação sendo queimadas que “comprovavam a fraude eleitoral na Venezuela” e que circularam à exaustão nas redes sociais.
Dizem que uma imagem pode ser mais explícita que qualquer texto que se publique sobre um fato qualquer. Sim, é certo. Mas isso só vale se a imagem é verídica, se ela retrata um fato real.Através de nossa página (da BBC) no Facebook , muitos de nossos seguidores compartilharam essas fotos e vídeos conosco, pedindo que os publicássemos para mostrar “a verdade” das eleições na Venezuela. O mesmo ocorreu no Twitter.
Inclusive, quando meu colega Alfredo Ochoa, neste mesmo espaço, escrevia sobre os desafios de cobrir eleições como as venezuelanas, onde a polarização é muito elevada, um dos comentários não só exigia que publicássemos tais fotos, como também nos acusava de receber dinheiro do governo da Venezuela por não fazê-lo.
Exemplo de imagem inverídica que circularam na rede sobre as eleições venezuelanas |
No entanto, descobriu-se que essas fotos eram de processos eleitorais anteriores e não lançavam luz sobre um fato já por si bastante complicado e que ainda estava sob questionamento. A polêmica inclusive não terminou.
Mas o risco de “mentir mais do que mil palavras” vai mais além da Venezuela. Também tem a ver com o caso de Boston, onde a informação que circulou por redes sociais chegou inclusive a confundir as autoridades e os meios de comunicação.
Diante de fatos assim, totalmente inesperados, no passado nos encontrávamos ante um vazio de informação. Mas hoje em dia, graças à tecnologia e aos chamados telefones inteligentes, um caudal de relatos, fotos e vídeos se encontra potencialmente à mão de qualquer um. Especialmente depois da maratona de Boston.
Pensemos. Na linha de chegada havia milhares de espectadores com suas câmeras e celulares na mão, sem falar da quantidade de jornalistas que estavam ali cobrindo o evento desportivo. O que ocorreu na maratona de Boston pode ser considerado como um exemplo típico de como uma audiência massiva pode participar da cobertura jornalística por meio das redes sociais.
No entanto, na hora da investigação policial, o que poderia ser visto como uma vantagem, terminou sendo um obstáculo. Alguns sites de notícias, mesmo nos Estados Unidos, transmitiram informação que resultou ser falsa.
Recentemente escutei na rádio a Jamie Bartlett, encarregado de redes sociais da ONG Demos, do Reino unido. Em uma entrevista à BBC, ele dizia que na atualidade observar o que se compartilha nas redes sociais pode ser considerado como um novo ramo de inteligência, que as autoridades podem utilizar para obter informações valiosas. No entanto, Barlett esclarece que isso requer novas ferramentas, técnicas e sistemas para poder filtrar a informação que pode chegar a ser verdadeiramente útil. “Só porque algo foi retuitado um milhão de vezes, não significa que seja a verdade”, dizia o especialista no Today Programme, da Rádio 4.
O mesmo ocorre no jornalismo e esse é um desafio constante que temos, tanto na BBC Mundo, como no resto na BBC. Isso me assegurou Trushar Barot, editor de UGC (User Generated Content), o departamento central da BBC que trabalha verificando o conteúdo gerado por usuários. Ao conversar sobre este tema perguntei a ele como procedia. Seu conselho, depois de lidar durante anos com as imagens vindas de nossa audiência, é ser sempre cético. Sempre.
Há sinais para comprovar a autenticidade de uma imagem. O primeiro é estabelecer o que se conhece a respeito de um fato, a partir dos relatos de nossos correspondentes no terreno ou outras agências de notícias, e, sobre essa base, começar a julgar. Por exemplo, podemos verificar se o clima nessa parte do mundo corresponde ao que se vê na fotografia, ou se não há algum outro elemento na imagem que salte à vista. Ou, por meio de outros procedimentos técnicos sobre os quais não quero aborrecê-los, comprovar se essa imagem foi manipulada ou publicada previamente em outro contexto e qual é sua antiguidade. O importante aqui é reiterar a necessidade da cautela e verificar os fatos.
Há um risco muito grande em nosso trabalho: desinformar ao invés de informar, oferecendo dados errados. Um risco que se repete perante fatos noticiosos muito grandes, em relação aos quais, seja por engano ou por má fé, em muitos casos, as imagens compartilhadas em redes sociais pelo público em geral não correspondem à realidade.
Muitos acreditam que, no futuro, as redes sociais substituirão o trabalho jornalístico. Eu não estou muito seguro. De fato, não acredito nisso. O que vocês pensam?
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