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domingo, 4 de novembro de 2012

Pobres, portanto perigosos


Protesto por direito ao uso gratuito do circular da USP

Nem a conquista de um prêmio internacional de “break”, nem a luta por transporte público convertem a favela de São Remo — vizinha a USP — em notícia. Mas a mídia pira numa operação policial…

Por Dennis de Oliveira, no Quilombo

Em fevereiro do ano passado, moradores do Jardim São Remo que residiam em casas à beira de um riacho ficaram desabrigados. As fortes chuvas que caíram destruíram suas casas. A prefeitura ofereceu, como auxílio aos desabrigados, um “auxílio aluguel” de R$350,00 por seis meses e nada mais. O jornal Notícias do Jardim São Remo (NJSR), jornal comunitário produzido pelos alunos do primeiro ano do curso de Jornalismo da ECA, sob a minha supervisão, cobriu o fato, inclusive com uma edição especial. Além de cobrir o fato, mandamos releases para todos os órgãos de comunicação, mas apenas a rádio CBN cobriu o fato.

O Jardim São Remo tem, entre os seus moradores, jovens que fazem parte de um grupo de break, o Cybernétikos, que disputou e chegou a ser vice-campeão mundial nos EUA. Tem participado de certames internacionais há mais de três anos. O jornal NJSR tem dado destaque à trajetória do Cybernétikos. O que a mídia hegemônica tem falado disso? Nada.

Os moradores do Jardim São Remo têm sofrido constantemente com as contas altíssimas de energia elétrica. A AES Eletropaulo tem se mostrado refratária a qualquer discussão sobre as contas. A regularização das ligações elétricas na comunidade foi acompanhada de várias confusões, inclusive na troca das geladeiras que foi feita em dia de semana, quando a maioria está trabalhando. O jornal NJSR tem acompanhado este problema em várias edições. E a mídia hegemônica? Nada.

A reitoria da USP reduziu drasticamente a oferta do circular gratuito no campus universitário do Butantã e implantou o “Bilhete USP” que permite a utilização gratuita por parte de professores, alunos e funcionários diretos da universidade de uma linha que circula no campus e vai até o metrô Butantã. Boa parte dos moradores do Jardim São Remo trabalha em empresas terceirizadas ou prestadoras de serviço na universidade e, portanto, não tem direito ao “Bilhete USP”. Com o esvaziamento do circular gratuito, estes moradores tiveram que arcar com um novo gasto no seu orçamento. O jornal NJSR cobriu este fato e a mídia hegemônica, nada.

O Jardim São Remo finalmente aparece na mídia hegemônica – durante a invasão da Polícia Militar na comunidade no dia 30 de outubro. Imagens passadas nos telejornais da hora do almoço mostraram a apreensão de drogas, o desmonte de uma refinaria de cocaína e a busca de um suspeito de ter matado um policial da Rota no mês passado no bairro do Butantã. A favela ganha o horário nobre, no Jornal Nacional. É manchete principal no portal UOL que fala de um túnel secreto por onde passavam drogas para o campus da USP.

A imagem do Jardim São Remo que se constrói no imaginário é essa: um local de bandidos, traficantes e assassinos de policiais. Os barracos são pontos de refino de drogas. E a polícia vai até lá para acabar com isso.

Enquanto isso, os moradores tiveram sua dura rotina alterada com as “blitzes” dos policiais que pararam e revistavam todo mundo que passava. Só a repórter da Globo, no SPTV – de helicóptero! – dizia que a vida na comunidade continuava “normal”. Mas isto, assim como o grupo de break, a festa das crianças da dona Fatinha organizada há 19 anos no dia 12 de outubro nas ruas da comunidade, o futebol dos domingos, a escolinha de futebol do Mariano que atende dezenas de crianças, a luta contra as contas altas de energia, o Sarau da Remo que já dura um ano, o drama dos moradores desabrigados do Riacho Doce, a batalha da Dona Eva que leva crianças e adolescentes a visitar museus na USP, os agentes comunitários de saúde do Centro de Saúde Escola que desenvolvem um trabalho de saúde preventiva na comunidade, a associação de moradores, os projetos Alavanca, Girassol, Circo-Escola funcionando com o trabalho de pessoas da comunidade… Tudo isso que possibilita ter um olhar mais amplo sobre o que é esta comunidade, está fora das páginas da mídia hegemônica. E não só do Jardim São Remo, mas de Paraisópolis, Heliópolis, Cidade Tiradentes, Capão Redondo e todas as periferias afora.

Esta é a importância do jornalismo comunitário, popular, alternativo, contra-hegemônico. É nestes momentos que se verifica o olhar ideológico da mídia hegemônica cujos analistas depois não conseguem explicar porque a população, na hora de votar, pouca importância dá para a agenda que esta mídia constrói. Aí vem o comentário daquela famosa colunista de um grande jornal dizer: “O povo está contra a opinião pública!”


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