O tam-nanam-nanam-nanam-nanam-nanam da abertura de Batman funcionava mais que zoada de amolar faca no batente para atrair gato |
Por Miguel Rios
Não é o melhor nem o pior Batman. Nem passa perto do Batman de hoje. É, simplesmente, o inesquecível. Adam West, meu velho, nós te agradecemos.
Agradecemos por aquela saudosa espera mais que ansiosa por um início de episódio. E pela frustração quando acabava.
Era por volta do meio-dia que começava. O tam-nanam-nanam-nanam-nanam-nanam da abertura de Batman funcionava mais que zoada de amolar faca no batente para atrair gato.
Se aluno do turno da manhã, tinha de sair rápido da escola, quando a sineta tocava, vexado a chegar em casa no horário certo. Não tirava nem os sapatos, quanto mais a farda ao chegar em casa. Tempo curto. Bastava jogar a mochila na poltrona, sentar no chão e ligar a TV. Se aluno da tarde, saía do banho e de meias nos pés, de calças, camisa ainda no encosto da cadeira, almoçava de prato na mão e olho na tela. Vestido por inteiro de expectativa.
Respeito nulo pelas refeições à mesa, sem ouvir direito as queixas e perguntas da mãe, que, mesmo acostumada, mesmo sabendo não adiantar, resmungava, repetia a pergunta, e repetia, perdia e tirava a paciência.
Agradecemos por aquela rotina nada enfadonha. Pelo compromisso diário nada enjoativo. Por nos ensinar heroísmo, leseira e prazer. Por nos mostrar que heroísmo, leseira e prazer ampliam a mente, ajudam a diferenciar o sério do sem noção e que os combinar e os separar, nos momentos certos, engrandece tanto.
Nossa bobeira necessária. Revigorante. Que em nada reduz. Acentua a sinceridade, bem melhor que uma maturidade de superfície.
Após cada episódio, a sensação de dever cumprido. Não era assistir por assistir. Era debater. Havia senso crítico. Rasteiro, mas havia e se fazia gigante. Quem precisava de sofisticação e apreciação apurada?
Trocar ideias de como Batman e Robin fugiriam das armadilhas mortais, que colocavam todos de volta no dia seguinte no mesmo batlugar, na mesma bathora, no mesmo batcanal, na mesma batvitrificação, era o importante.
Nem aí para a tosqueira. Nem aí para a falta de praticidade dos vilões que não lhes metiam logo tiros na cara. Eles eram presos a uma esteira rolante indo em direção a uma serra elétrica, eram descidos devagar, pendurados em uma corda, dentro de um tonel de ácido sulfúrico. Era suspense, era com requintes de crueldade, surreal e demais.
Passava longe do atual Batman da megatrilogia de Christopher Nolan e Christian Bale. O ar soturno e problemático, cheio de angústia do complexo Batman, dava lugar ao tom bem comportadinho, cheio de discursos e bons costumes. A hoje Gothan City escura e depressiva, era cor, sol e psicodelia 60’s.
Um Batman restart. Canastrão e desengonçado. As brigas convenciam aos puros de coração. Socos e pontapés ensaiados. Vaso na cabeça, chute no estômago, cadeirada nas costas. Coreografia de quadrilha junina improvisada. Sonoplastia legendada de Pows! Pofs! Craws! Mas ninguém reclamava.
Efeito especial mais requintado era caminhar na fachada de um prédio seguros na batcorda. Aí diziam: “Tão andando em um cenário onde o chão foi disfarçado de parede. Aí depois dão um giro na imagem”. Quem queria explicação técnica? Custava nada botar fé.
Tecnologia era dispensável. Bom mesmo eram os apetrechos do velho cinto de utilidades, que pareciam comprados na Ri Happy, projetados pela Fisher Price. Física e química avançadas para quê?
Primor para quê? Os caras lá imaginavam e viam o que dava para fazer e como fariam. Tipo vídeo caseiro do YouTube com um pouquinho mais de técnica no estúdio. Olhar clínico do telespectador para quê? Os critérios eram outros. Bom era o Batmóvel sair e entrar da Batcaverna tendo uma planta meio seca como portão. Era Bruce e Dick escorregarem da biblioteca da Mansão Wayne até o subterrâneo por dois postes de pole dance, ocultos atrás da estante, e chegarem lá embaixo já vestidos. Era o batfone vermelho dentro de um protetor de bolo.
Bom era Adam West meio barrigudinho, apertado naquele colante cinza, disfarçando os pneuzinhos com um cinto amarelo-canário e o cuecão de couro beirando o umbigo. A máscara com as sobrancelhas delineadas. O preparo físico de papudinho.
Bom era a dublagem para Burt Ward. Robin com voz de criancinha. Um plus que o Brasil forneceu e deu um magnífico diferencial. Bom foi passarem décadas e décadas dizendo que um cara com timbre fininho de fala não poderia ser um lutador de alto nível e hoje ter Anderson Silva sambando na cara dos dogmas sociais.
Bom era a Batgirl e a Mulher-Gato darem a impressão de ter comprado o macacão de periguete na mesma queima total de preços do Gothan Mall. Bom era o Charada, o Coringa, o Pinguim e o Rei Tut não terem a mínima cara, nem disposição física, para vilões, e posarem como tais, quando deveriam estar no Zorra Total. Bom eram os capangas com uniforme temático, de acordo com o chefe-destaque, como que em ala de escola de samba.
Melhor eram as caras e bocas na interpretação. Os momentos de alta reflexão, quando Robin tinha uma dúvida e, entusiasmado, chamava tudo de “santa...” Era quando Batman se aproximava da câmera, e, compenetrado, nos ensinava sobre a decência, tal qual He-Man e suas dicas, com um pouco mais de batdrama.
Bom era gostar dessa mistureba bronca de tolices. Um batpastelão. Em nada diminuiu a imagem do Batman dolorido, cheio de contradições e peso na alma que cresceu, evoluiu e agora temos.
Bom era o velho Adam West. Agradecemos a ele seu empenho, seus micos, nosso passado. Sem brincadeira, valeu mesmo!
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