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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Periferia em estado de sítio?

A locomotiva paulista calça coturnos e usa farda como política social?

Guilherme Boulos e Guilherme Simões*

Nas últimas semanas, a Polícia Militar tem sitiado vários bairros periféricos da Região Metropolitana de São Paulo. Numa suposta reação a ataques do crime organizado, policiais tomam comunidades, fecham ruas e abordam de forma indiscriminada e frequentemente agressiva os moradores. Como costuma ocorrer em casos como este, a “reação” é inteiramente desproporcional à ação. Além de desorientada.

Desde o início de junho, quando a ROTA protagonizou uma brutal chacina na Zona Leste, executando 6 pessoas que estariam em uma “reunião do PCC”, o clima de terror alastrou-se pelas periferias. Segundo a própria PM, cerca de 100 mil pessoas foram abordadas entre os dias 24 e 30 de junho. Neste mesmo período, cerca de 400 pessoas foram presas. Mas estes números são apenas a face pública da situação.

Momentos como este, em que a polícia – estimulada pela maior parte da imprensa e pelo sentimento fascista de um setor da classe média – coloca-se como vítima, que precisa reagir em nome da lei e do Estado de Direito, são extremamente perigosos. Abre-se então a temporada de caça aos “criminosos”, identificados sem muita restrição aos pobres, moradores da periferia, negros e, preferencialmente, jovens. Julgamentos sumários, extermínios e acertos de contas são feitos em nome da lei e da ordem.

Há seis anos o mesmo estado de São Paulo vivenciou uma situação análoga. O resultado foi a maior chacina, ainda que descentralizada, de que se tem notícia nas últimas décadas no Brasil. Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, 493 pessoas, em sua maioria jovens da periferia, foram mortos pela PM. À época, associou-se tais mortes a uma reação da PM aos ataques e os mortos a criminosos do PCC. Os relatos daquele maio sangrento foram recuperados e podem ser acessados por todos através do Movimento das Mães de Maio, organização de mulheres que perderam seus filhos na suposta reação ao crime organizado.

Esta Cruzada contra o “crime” de 2006, naturalmente não reduziu os índices de criminalidade no estado. Não era esse seu objetivo. É mais do que sabido que o combate ao crime organizado passa, antes de tudo, por enfrentar suas profundas ramificações dentro do próprio Estado e, em particular, da polícia. O que a chacina de 2006 representou foi uma oportunidade privilegiada de criminalização da pobreza, de extermínio sádico e de mostrar aos trabalhadores mais pobres qual deve ser o seu lugar nesta sociedade.

As últimas semanas nos fizeram reviver este pesadelo. Toques de recolher, prisões e mortes obscuras estão novamente sendo naturalizados pelo governo e imprensa sob o argumento do combate ao crime. Não nos parece natural que a PM imponha toques de recolher no Capão Redondo, Jardim São Luiz e Grajaú ou em regiões de Guarulhos, como ocorreu dias atrás.

No Capão Redondo, depois da morte de um policial que estava de folga, pelo menos 8 pessoas foram executadas por um grupo encapuzado. Após um destes extermínios, o do copeiroEleandro Cavalcante de Abreu, de 21 anos, um ônibus foi incendiado em protesto. Entre 17 e 28 de junho já foram 21 assassinatos no bairro. Moradores do bairro Jd. São Bento Novo afirmam que a polícia baleou três jovens que não tinham sequer passagem pela polícia. No Jardim São Luiz, 6 jovens foram executados em situação semelhante.

O hospital do M’Boi Mirim, na mesma região, atendia cerca de 6 feridos por bala nos dias que seguiram os ataques. A média desse tipo de atendimento era de 2 por semana, segundo funcionários do hospital.

No Grajaú, também na zona sul, após ataque a uma base da PM, a quinta feira dia 27 foi de bastante temor para os moradores. Helicópteros e ostensiva presença da Força Tática impunham toque de recolher como forma de retaliação. Moradores do bairro dos Pimentas, em Guarulhos, afirmam que além do toque de recolher, cerca de 13 pessoas foram executadas nos últimos dias. No último dia 2 de julho, a Rota executou dois jovens em Sapopemba, zona leste da capital. Apenas entre os dias 17 e 28 de junho, 127 pessoas foram assassinadas, o que é 53% mais do que o mesmo período do ano passado.

Estas são apenas algumas das denúncias que conseguimos levantar. O próprio jornal Folha de S. Paulo publicou, no dia 5 de junho, que os homicídios cometidos por policiais da ROTA aumentaram 45% nos cinco primeiros meses deste ano em relação a 2001 e 104% em relação a 2010. Ou seja, antes mesmo dos ataques a bases da PM, que teriam provocado a “reação”, a polícia já estava num ataque crescente.

Todos sabem que a imensa maioria da população que vive na periferia não faz parte do crime organizado. Muito diferente disso, somos trabalhadores formais, informais, desempregados e quase sempre super-explorados. Em troca, direitos básicos nos são negados cotidianamente. Nossa pobreza é tratada como crime a ser punido e reprimido. A única face do Estado de Direito que se apresenta nas periferias é a polícia.

O governador Geraldo Alckimin foi à imprensa para dizer que quem enfrentar o Estado vai perder. Sua Secretária de justiça, Sra. Eloísa Arruda, já havia dito na ocasião do massacre do Pinheirinho que, para ela, a legalidade está acima dos direitos humanos. A senha foi dada. Enquanto isso, a chacina continua a céu aberto...

*Membros da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos


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