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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A morte do embaixador dos EUA na Líbia: Pepe Escobar avisou



por Luiz Carlos Azenha

A acreditar na cobertura internacional dos jornalões brasileiros e na opinião de “especialistas” em relações internacionais por eles citados, a Líbia sem Khadafi estava se transformando em uma plácida democracia.

Um argumento necessário quando o objetivo é falar mal da diplomacia brasileira: como o Brasil não aprovou a intervenção militar na Líbia, teria perdido uma grande oportunidade. Teria se distanciado da vontade da rua árabe e pagará caro por isso. Não só na Líbia, mas também na Síria.

É, como sabemos, a turma do alinhamento automático aos Estados Unidos, para a qual alguns árabes devem ser bombardeados à democracia. Digo alguns, já que os que clamam por democracia na Líbia e na Síria, se preciso à força, não defendem o bombardeio da Arábia Saudita, nem do Bahrain.

Os sauditas são os maiores fornecedores de petróleo do mundo; o Bahrain, sede da Quinta Frota Naval dos Estados Unidos.

É óbvio que nossa mídia nunca fala sobre a lei das consequências indesejadas.

Não costuma lembrar que os hoje considerados terroristas do talibã e da al Qaeda surgiram quando os Estados Unidos financiaram a luta contra a invasão soviética do Afeganistão, nos anos 90; ou que o carniceiro Saddam Hussein, do Iraque, recebeu apoio militar — especialmente informações sobre o movimento de tropas — em sua longa guerra contra os aiatolás do Irã. Fui pessoalmente ver os abrigos subterrâneos construídos sob Bagdá: todo o equipamento tinha sido importado da Alemanha. Ou seja, o Ocidente armou e preparou Saddam para a guerra, até que ele se converteu na ameaça regional que era preciso eliminar.

Escrevo isso por causa da trágica morte do embaixador dos Estados Unidos na Líbia, perseguido por um grupo ainda não identificado, numa cena dramaticamente parecida com a caçada final a Muamar Khadafi — e num 11 de setembro. Foi a demonstração mais óbvia de que a Líbia se converteu em terra de milícias, a exigir um desembarque de fuzileiros navais dos Estados Unidos para dar segurança a seus diplomatas.

Um lembrete aos que pretendem embarcar o Brasil na “modelagem” do novo Oriente Médio, patrocinada por Washington com ou sem as bombas da OTAN.

Pepe Escobar, no Asia Times Online, já escreveu vários artigos advertindo sobre a transformação de justas reivindicações locais por democracia e participação em banhos de sangue patrocinados pelo Ocidente em nome da mudança de regime a qualquer custo, mas só onde interessa.

Fiquem com este:

Síria, a nova Líbia

por Pepe Escobar, em 14.02.2012

Um [fuzil] Kalashnikov no Iraque, até recentemente, era vendido por 100 dólares. Agora custa pelo menos mil e mais provavelmente 1.500 dólares (já se foram os dias em que os sunitas que se juntavam à resistência contra os Estados Unidos podiam comprar uma arma falsa feita na Romênia por 20 dólares).

Destino provável do Kalashnikov de 1.500 dólares em 2012: a Síria. Rede: al-Qaeda na Terra dos Dois Rios, também conhecida como AQI. Receptores: jihadistas infiltrados operando lado-a-lado com o Exército Livre da Síria.

Também viajando entre a Síria e o Iraque estão os carros bomba e os suicida-bomba, como nos recentes ataques nos subúrbios de Damasco e no ataque suicida da última sexta-feira em Aleppo.

Quem teria imaginado que o que a Casa de Saud [governo da Arábia Saudita] quer na Síria — um regime islâmico — é exatamente o que a al-Qaeda quer na Síria?

Ayman “O Cirurgião” al-Zawahiri, o número um da al-Qaeda, num vídeo de oito minutos intitulado “Adiante, leões da Síria”, acaba de pedir apoio dos muçulmanos do Iraque, Jordânia, Líbano e Turquia para derrubar o “regime canceroso e pernicioso” de Bashar al-Assad. Já tinha havido resposta, antes mesmo que O Cirurgião tivesse surgido em cena. Não apenas estes, mas especialmente os “guerreiros da liberdade” transplantados da Líbia, antes conhecidos como “rebeldes”.

Quem teria imaginado que a OTANCCG (Organização do Tratado do Atlântico Norte-Conselho de Cooperação do Golfo) quer para a Síria exatamente o mesmo que a al-Qaeda quer para a Síria?

[O Conselho de Cooperação do Golfo é formado pelas monarquias do Golfo Pérsico: Omã, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrain, Kuwait e quem realmente manda, a Arábia Saudita].

Quando o regime de Assad, com todas as suas ofensivas militares medonhas que essencialmente vitimizam civis pegos no fogo cruzado diz que está lutando contra “terroristas”, não está exatamente distorcendo a verdade. Mesmo aquela entidade ubíqua e proverbial, a “autoridade dos Estados Unidos que preferiu não se identificar”, está culpando a AQI por recentes atentados. O mesmo diz o subsecretário do Interior do Iraque, Adnan al-Assadi; “temos informações de inteligência de que um número de jihadistas iraquianos foi para a Síria”.

E, assim, se a Síria não pode ser uma nova Líbia no sentido de ter uma autorização das Nações Unidas para bombardeio humanitário da OTAN — vetada pela Rússia e China — a Síria é a nova Líbia no sentido de ligações repugnantes entre “rebeldes” e jihadistas-salafistas de linha dura.

[Nota do Viomundo: Por enquanto, é a eles que se atribui o ataque ao embaixador dos Estados Unidos na Líbia]

E como o Ocidente ama absolutamente uma situação vencer-vencer, não importa quanto tenha sido pré-fabricada, isso também poderia se tornar o perfeito casus belli para o Pentágono intervir — como em “livrar a Síria de uma al-Qaeda” que não estava lá para começar. Lembrem-se que apesar de toda a publicidade sobre o Pentágono/governo Obama trocar [a ênfase de sua política externa] do Oriente Médio para o Leste da Ásia, a guerra global ao terror, rebatizada por Obama como “operações de contingência no estrangeiro” está bem viva.

Libertem-me para que eu mate à vontade

No ano passado o Asia Times Online descreveu extensivamente como a Líbia “liberada” — “liberada” pelos assim chamados rebeldes da OTAN — mergulharia num inferno das milícias. É exatamente o que está acontecendo; pelos menos 250 milícias diferentes operam apenas em Misurata, de acordo com a Human Rights Watch, agindo os milicianos como policiais, juízes e exterminadores, tudo num só pacote. Não existe o assim chamado Ministério da Justiça na Líbia “liberada”. Se você vai para a prisão, acaba morto; se for um africano sub-sahariano [negro], ganha o bônus de extensiva tortura antes de ter o mesmo destino.

Como na Líbia, por uma questão de estratégia, o eixo Casa de Saud/sunitas do Qatar eliminou na Síria qualquer possibilidade de diálogo real entre a insurreição (armada) e o regime de Assad. Afinal, o objetivo-chave é troca de regime. E assim a propaganda crua — numa mídia árabe controlada largamente por sauditas ou qataris — governa.

[Nota do Viomundo: A rede Al Jazeera, baseada no Qatar, é financiada pela monarquia local]

Exemplo: o muito aplaudido Observatório Sírio dos Direitos Humanos, baseado no Reino Unido, que vomita sem fim estatísticas sem base sobre “massacres” governamentais — e mesmo “genocídio” — recebe financiamento de uma entidade de Dubai apoiada por obscuros doadores do Ocidente e do Conselho de Cooperação do Golfo.

Como bônus, a “oposição” síria guia com alvo-laser a cobertura da mídia corporativa do Ocidente. A CNN atribuiu a bomba em Aleppo na sexta-feira passada a “terroristas” — entre aspas; imaginem a histeria se a Zona Verde dos Estados Unidos no Iraque [onde fica a Embaixada dos Estados Unidos em Bagdá] fosse bombardeada pela resistência sunita na metade dos anos 2000. A BBC realmente acreditou na versão da Irmandade Muçulmana Síria, segundo a qual o governo da Síria se bombardeou; seria o mesmo que o Pentágono jogasse uma bomba na Zona Verde. Quanto à mídia árabe — controlada pelos sauditas e qataris –, ignorou totalmente a conexão com a AQI.

A Liga do Conselho de Cooperação do Golfo — ex-Liga Árabe — depois de detonar seu próprio relatório sobre a Síria por não se encaixar na narrativa pré-fabricada de um regime “diabólico” que ataca unilateralmente seu povo, está agora advogando um plano B supostamente humanitário; uma missão conjunta de paz árabe/Nações Unidas para “supervisionar a execução do cessar-fogo”. Mas ninguém deveria se enganar; a agenda continua sendo a da troca de regime.

O príncipe Saud al-Faisal, ministro de relações Exteriores da Arábia Saudita, faz todos os barulhos certos, descartando uma intervenção humanitária. Ao mesmo tempo, é refrescante ouvir a tão progressista Casa de Saud chorando sobre a “falta de compromisso do governo sírio” e pontificando que “o que a Síria está testemunhando não é uma guerra de guerrilha racista e sectária, mas um expurgo massivo sem considerações humanitárias”.

Imaginem as “considerações humanitárias” da Casa de Saud se um movimento pró-democracia emergisse na província de maioria xiita do leste da Arábia Saudita (aconteceu; foi brutalmente reprimido).

[Nota do Viomundo: Uma das características das monarquias pró-americanas do Golfo Pérsico é a repressão brutal às minorias xiitas]

Melhor ainda; vejam quanto “humanitário” os sauditas foram em sua invasão do Bahrain.

[Nota do Viomundo: A Arábia Saudita mandou tropas ao vizinho Bahrain para reprimir o movimento local pró-democratização]

A agenda da OTANCCG na Síria continua a mesma; torca de regime por quaisquer meios possíveis. Mesmo o Guerreiro-Em-Chefe dos Estados Unidos, o presidente Barack Obama, disse isso. Os lacaios do CCG vão alegremente obedecer. Assim, esperem uma inflação de Kalashnikovs cruzando as fronteiras, mais carros bomba, mais suicídios bomba, mais civis pegos no fogo cruzado e a lenta, imensamente trágica fragmentação da Síria.

*Pepe Escobar is the author of Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War (Nimble Books, 2007) and Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge. His new book, just out, is Obama does Globalistan (Nimble Books, 2009). He may be reached at pepeusa@mac.com

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