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domingo, 30 de setembro de 2012

Uma acusação infamante movida pelo preconceito


J. Carlos de Assis*
Carta Maior

Desde a infame condenação do capitão Dreyfus pela Justiça Militar francesa no início do século XX sabe-se que a opinião pública, sensível a preconceitos e desorientada pela imprensa, nem sempre é a melhor conselheira de julgamentos que envolvem aspectos políticos apaixonados. Guardadas as distâncias de época e de tema, estamos diante de nosso caso Dreyfus no julgamento de alguns dos réus do chamado mensalão. Entre os principais deles, José Dirceu e José Genoíno.

Refiro-me especificamente à imputação do crime de formação de quadrilha a esses dois dirigentes. No caso de Dirceu, então Chefe da Casa Civil, é necessário um enorme contorcionismo jurídico para deduzir o crime de formação de quadrilha de um ou de outro encontro formal ou informal com dirigentes de bancos, na medida em que receber pessoas, empresários ou não, estava entre suas atribuições funcionais. Sem o crime de quadrilha, porém, não haveria base para o crime de corrupção ativa, a outra imputação dele derivada. Daí o contorcionismo.

Na verdade, há algo de podre no reino desse julgamento. Misturaram-se crimes reais com crimes fictícios, e crimes reais com irregularidades eleitorais que não estão capituladas como crimes (caixa dois de campanha). O que está sendo apresentado como comportamento exemplar da Justiça no fundo não passa de exemplo da tendenciosidade do Judiciário. É importante, pois, reconstituir os fatos passo a passo para tentar obter uma visão imparcial do conjunto.

Tudo começa com a “denúncia espetacular” de Roberto Jefferson, não motivada por sentimentos de justiça mas como vingança por causa da exposição do esquema de corrupção do PTB, sob sua presidência, apanhado em plena tentativa de achaque ao PT. Da denúncia “bombástica”, por si mesma um meio de suscitar paixões na opinião pública acrítica, surgiu o inquérito pela Polícia Federal, que identificou outros beneficiários de esquemas de caixa dois de partidos aliados para cobrir supostas despesas eleitorais. Foi esse inquérito que resultou na denúncia formal de uma “quadrilha” chefiada por José Dirceu por parte do então Procurador Geral da República, Antônio Fernando de Souza.

Passado algum tempo, o novo Procurador, Roberto Gurgel, vice do anterior, seguiu a mesma linha, repetindo a denúncia infamante de “quadrilha”. Carregar na denúncia é, aliás, quase um vício de ofício de qualquer promotor. Mas o ministro relator do STF, Joaquim Barbosa, não quis parecer frouxo: acolheu no seu voto o mesmo epíteto infamante. Não é preciso ser um especialista em reações de opinião pública para concluir que esses três movimentos se reforçaram na relação com ela. O procurador Antônio quis apresentar uma denúncia espetacular; Gurgel, seu vice anterior, não poderia ficar por menos. Nessa altura, excitada pelos dois procuradores, grande parte da opinião pública queria ver sangue. Barbosa lhe deu!

No fundo, estamos diante de um espetáculo de demagogia por parte de funcionários públicos que, não dependendo de votos, deveriam ser guardiães imparciais da Justiça mas na verdade agem partidariamente. Alguns dizem que Dirceu é arrogante. Nas poucas vezes em que tratei com ele, não percebi nenhuma arrogância. Entretanto, se este for o caso, é preciso, desde logo, capitular arrogância no Código Penal que está sendo reformado tendo em vista a única jurisprudência nova que este julgamento está produzindo, ao lado da formação de quadrilha num conluio invisível “entre quatro paredes”.

Há em tudo isso um preconceito contra a democracia por parte dos que jamais aceitaram o fato de o PT ter ganhado duas vezes pelo voto a Presidência da República. Esclareço que não sou do PT, nunca fui e não pretendo ser. Mas, longe de ter o talento de Zola, move-me aquele sentimento de justiça que o levou a escrever “J’acuse”, em relação ao processo injusto contra, principalmente, José Dirceu. Se ele chefiou uma quadrilha, todos os partidos políticos do Brasil são quadrilhas. Se ele não chefiou, e vier a ser condenado, este Supremo mergulhará em indignidade. E teremos de esperar uma outra composição dele para que, no futuro, como aconteceu com Dreyfus, a Justiça brasileira venha a se desculpar perante Dirceu e Genoíno.

* Economista e professor da UEPB, presidente do Intersul, autor junto com o matemático Francisco Antonio Doria do recém-lançado “O Universo Neoliberal em Desencanto”, Ed. Civilização Brasileira. Esta coluna sai às terças também no site Rumos do Brasil e no jornal carioca Monitor Mercantil.

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