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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O valor sem medida dos afetos e o comum




Um relato singular sobre o valor afetivo das coisas, a maneira que escapa ao controle de qualquer forma de medição e de como isso é a chave para compreender e combater o capitalismo atual

Por Bruno Cava, no Quadrado dos Loucos

Na minha escola, era proibido jogar bola no pátio do recreio. As bolas haviam sido banidas pela direção. Mas a gente dava um jeito. Costumávamos levar o lanchinho em tapauer, já que as lancheiras eram “coisa de menina”. Os recipientes plásticos tinham uma dupla função. Depois de comer, fechávamos a tampa e eles faziam as vezes de bola. Um dia, fui parar na direção por isso. A diretora me fez duas perguntas. “É seu?” E depois: “menino, os pais não te ensinaram a dar valor às coisas?” Perdi a minha bola. Foi o meu primeiro contato explícito com o valor. Mais de uma década depois, fiz faculdade de engenharia. Uma das matérias que me encantava, e a única que acabei me destacando, foi matemática. Cursei obrigatórias e eletivas: cálculo diferencial e integral, álgebra, estatística, cálculo estocástico e econometria. No final, contente de avançar no fluxograma do curso, fiquei surpreso quando um professor me disse: “Agora você pega tudo isso, vai pro mercado financeiro e fica rico.” Por estranho que pareça, tive uma sensação parecida como quando fora repreendido na escola.

Dar e tirar valor

Depois do episódio da tapauer, fui educado que as coisas têm um valor em si mesmas. Um valor objetivo. Esse valor é representado por um número de unidades da moeda. O valor é medido pelo dinheiro. Embora o preço da coisa varie, existe um valor médio. É que as oscilações de oferta e demanda acabam convergindo, ao fim e ao cabo, num valor intrínseco. O dinheiro, por sua vez, se ganha com trabalho. O trabalho da gente também tem um valor. Esse valor igualmente varia, mas no final sucede uma média. Quem define essas médias, o preço das coisas e do trabalho, é o mercado. A nossa economia funciona pela lógica do mercado, de maneira que cada um receba o seu. Cada um possa ter acesso aos valores que faz jus. Para corrigir as distorções, existe o estado. O estado regula o mercado. O mercado em condições saudáveis exprime o equilíbrio da circulação dos valores na sociedade. Regular o mercado significa evitar que os preços desequilibrem o valor intrínseco das coisas e do trabalho, mantendo a ordem econômica. O dinheiro, portanto, permite medir simultaneamente o valor das coisas e o valor do nosso mérito, esforço e qualificação enquanto trabalhadores. A medida do dinheiro ordena tudo.

Mas uma coisa ficou latejando na minha cabeça desde a escola. Estou falando de um detalhe na segunda pergunta da diretora, depois que ela estabeleceu que a propriedade da tapauer era minha (ou dos meus pais). Ela falou em dar valor às coisas. Opa. Se as coisas têm um valor intrínseco, por que ela me exigiria dara elas algo? Por que as coisas afinal precisariam de mim, deste menino desobediente, para ter valor? Tem alguma coisa que não fecha. Talvez o valor não seja tão objetivo assim.

Volto a pensar no meu tapauer-bola, todo riscado das peladas do pátio, quase destruído. Qual era o valor daquilo pra mim? O valor do tapauer era afetivo. Eu estava me lixando pra quantidade de trabalho médio incorporada nele. Nem exprimia pra mim algum dinheiro que eu pudesse obter vendendo ou trocando a coisa. O tapauer não representava uma medida quantitativa. Era pra jogar bola ora! Uma atividade social e lúdica. Reunia os cupinchas no preciosíssimo tempo livre, entre as aulas sonolentas; um entreato de liberdade do tempo confinado e disciplinado pela escola. No tapauer, existia um valor subjetivo, relacional, nem por isso menos real, um valor todavia não reconhecido pelo poder constituído. A diretora não podia aceitar o valor afetivo do tapauer. Esta me educava a dar-lhe um outro tipo de valor. Que não era só valor de troca (comprometido com a deterioração), mas também valor de uso (guardar o alimento, sua função socialmente determinada). Mas os meninos recusávamos os valores de troca e de uso que nos eram cobrados a reconhecer. Nesse processo insurgente, desafiávamos não só a disciplina da escola, mas também a estrutura social íntima de nosso mundo. Contestávamos na práxis a lógica do valor. E éramos mais ricos por isso.

Fetiches e afetos

Quem sabe, o raciocínio valha pra todas as coisas. Todas com uma dimensão afetiva. As relações que crio com os outros pegam nas coisas. Sabe disso quem manuseia roupas de entes queridos falecidos, tão impregnadas de subjetividade. Tudo isso que nos faz sentir de tantos modos diferentes. Vale inclusive para as relações que crio comigo mesmo (o que não deixa de ser um outro). O valor medido por dinheiro não apreende a singularidade do que está em jogo. Aquela tapauer embutia um mundo inacessível para a métrica padrão. O valor afetivo se compõe de uma miríade de afetos que compartilhamos ao longo da vida. Com isso, na verdade, as coisas se abrem. Tornam-se peças de um quebra-cabeças maior, sem objetividade intrínseca. Os objetos se interconectam aos sujeitos na experiência. Assim, só pode haver objetos essencialmente parciais, que anseiam ontologicamente pelo preenchimento afetivo; bem como sujeitos parciais, que afetam porque não se bastam dentro de si.

No Capital, Marx fala do fetiche da mercadoria. No século 19, a antropologia inventou o conceito de fetiche para comprovar, agora com vezo científico, a inferioridade dos outros povos. Eram primitivos porque não conseguiam separar os objetos dos sujeitos. Viam entidades, potências míticas e qualidades sensíveis entranhadas em todo lugar. Eram incapazes de enxergar a coisa como coisa, o seu valor interno enquanto objeto separado do restante. Estavam presos a um mundo fetichizado. Marx vai dizer que os brancos ocidentais também vivem o seu fetiche. Conferem às coisas uma qualidade incorpórea que jamais esteve lá “objetivamente”, e a partir do que se relacionam e organizam a sociedade. Precisamente, o valor. Tal credo se arraigou tanto nessa tribo que a maioria o toma por inquestionável. Como se, de fato, as coisas tivessem um valor objetivo, e a economia não passasse da movimentação mais ou menos espontânea, mais ou menos organizada, dos inumeráveis valores sociais. Como se o dinheiro pudesse representar o lugar, o tempo e o direito de cada qual, segundo a ordem cósmica da economia capitalista. Como se o mercado fosse dotado do atributo demiúrgico de atribuir a medida a todas as coisas. O ápice da naturalização do valor se dá com a propriedade. Isto fica claro quando a propriedade é de alguma forma problematizada, ao que se seguem o terror, o pânico, a ira dos proprietários, como se a própria harmonia universal tivesse sido ameaçada.

O leite que bebo no café da manhã passou por um longo percurso, da fazenda à fábrica de processamento, à embalagem e controle de qualidade, ao sistema de distribuição e varejo. Não posso ver o circuito produtivo por trás do leite que chega prontinho na prateleira. Quando passeio pelo shopping, tampouco posso saber de onde vêm as roupas na vitrine. Se foram confeccionadas por bolivianas em regime de trabalho semiescravo na Zona Norte de São Paulo, por adolescentes púberes em sweatshops na Mauritânia, ou made in China. Não fui educado pra me preocupar com isso. O que deve importar é a etiqueta, com que posso avaliar se o produto vale o preço. Mil e uma operações de trabalho foram abstraídas, e junto dessa abstração uma montanha de relações entre patrão e empregado, exploratórias, racistas, sexistas, insalubres, violentas, toda a organização do trabalho. O problema do valor não está só em quantificar o essencialmente inquantificável, mas também apagar uma relação social desigual. Apagá-la convenientemente.

A proposta socialista

Nesse contexto, uma proposta que se vê por aí consiste em racionalizar a lógica do valor. É medir criteriosamente o quanto vale cada coisa, seu justo preço. Esse valor pode ser calculado pelo tempo de trabalho incorporado na coisa, o tempo socialmente necessário para a sua produção. Segundo essa lógica, o valor do trabalho também pode ser medido segundo critérios racionais. É preciso desenvolver essa ciência, que calcule cuidadosamente a equivalência entre as coisas e o trabalho. Cada ofício numa escala de valorização, um coeficiente xisque você multiplica pelo tempo ípsilon efetivamente trabalhado, tendo como resultado o seu salário. O preço do leite passa a embutir os custos envolvidos no conjunto de operações produtivas, da vaca até a mesa. As roupas igualmente são dotadas de um valor que faça jus ao trabalho dos envolvidos, sem margem para o sobrepreço. Remuneram-se, com justiça, os trabalhadores envolvidos, pagam-se as cotas devidas e cientificamente justificadas, sem gerar lucro para ninguém. A lógica do valor passa a ser aplicada por uma razão superior, com critérios científicos, regulando o mercado de modo que não sucedam desequilíbrios e injustiças. Essa é, grosso modo, a proposta socialista. Instaurar uma razão planificadora da produção, um estado-plano, que decida o que produzir, como, onde, quanto e para quê. Foi tentado algo parecido, em alguns momentos, no socialismo real do Leste Europeu e URSS. Atribuíam-se metas, cotas, tabelas, padrões, fórmulas, toda uma matematização para que a economia funcionasse ordenadamente, com base nos valores de uso. Sem assim concentrar lucro, renda, propriedade, os males capitalistas, mediante uma cadeia de equivalências estritamente racional e metódica.

Fico pensando, nessa sociedade, se poderíamos jogar bola com o tapauer na escola. É bem provável que eu teria sido repreendido da mesma maneira. Talvez a diretora alterasse a primeira pergunta. Em vez do “É seu?”, diria, em tom moral, “Você sabe que foi o Povo quem fez isso?”. Ou, mais sinistra: “Você sabe que isso é do Estado?”. A segunda pergunta permaneceria igual, sugerindo que não dei o mesmo valor que o Povo ou o Estado dão. Tenho a suspeita que o socialismo real fracassou não pela falta de concorrência ou motivação produtiva, essas bobajadas que contam pra gente, como se no mundo capitalista os peixes grandes não colaborassem promiscuamente entre si, forjando o ideal de competividade apenas para a base, para que as pessoas passassem a digladiar-se tolamente umas contras as outras, na arena de trabalho, em vez de se aliarem todas contra os patrões e o sistema injusto. É possível ponderar que o socialismo real tenha fracassado por continuar considerando o valor como objetivo, no que não difere muito do velho capitalismo. Ainda que esse valor objetivo seja chamado “valor de uso”. Busca-se erigir uma sociedade unitária, disciplinada, harmônica, comportada. Porém, fechada a novos usos, aos atributos sensíveis, às dinâmicas afetivas e às potências míticas, a tudo isso que a vida é mais, além das tabelas e fórmulas matemáticas, além da lógica do valor. Esses socialistas seguiram Marx ao pé da letra. Mas ao combater o fetiche negativo da mercadoria, mataram o fetiche positivo. Alienaram-se da magia da vida. Perderam de vista o excesso de desejo e imaginação que faz as pessoas plenamente livres. Numa palavra, o imensurável. O que não tem nem pode ter medida.

O capitalismo afetivo

O próprio capitalismo se adaptou para captar o valor afetivo. Os capitalistas não fizeram isso porque sejam bonzinhos, mas porque é mais eficiente e lucrativo fazê-lo. Não consigo afastar a ideia que foi assim que o capitalismo real superou o socialismo real. A sociedade socialista proibia múltiplos usos e liberdades. Retificava todos conforme a reta razão da ciência e do estado. Aplicava uma moral de bom cidadão socialista, uma moral pouco permeável em qualquer lugar que se olhasse. Já a sociedade capitalista, mais maleável e transigente, integrava os excedentes e desvios em sua própria dinâmica. Se uma se preocupava em negar o desejo e proibir o excesso, a outra preferia governá-los.

Querem ouvir rock´n roll e dançar moonwalk? ótimo, venderemos todo o tipo de música. Querem agitar a vida sexual? ótimo, eis uma cultura pornô, sex shops, michês e prostitutas de luxo. Querem conhecer a natureza selvagem, entrar em contato com o cosmos, defender o verde da floresta contra as forças malignas do progresso? Ecoturismo, esoterismo, ecologismo! Querem a revolução? venderemos camisetas de Che Guevara… Pouco importa o quê, it´s business stupid.

Lá pelos anos 1960 e 1970, o capitalismo sofreu uma grande transformação. O novo espírito do capitalismo funciona a partir do valor afetivo. Sua métrica muda completamente. Opera a partir do imensurável. Os cabeças do novo capitalismo reconhecem não existir razão intrínseca nas coisas ou no trabalho, do que se poderia atribuir um valor objetivo. O valor não tem mais como ser medido, por exemplo, pelo tempo de trabalho incorporado nele, por qualquer outra aritmética meramente quantificadora. O valor afetivo rigorosamente não tem preço, não pode ser submetido à velha lógica dos valores de troca e de uso. Nesse cenário, não seria irracional uma propaganda televisiva mostrar meninos saudáveis e alegres jogando futebol com tapauers no pátio da escola. Claro, nessa hipótese, seriam tapauers diferenciados, recipientes adaptados ao multiuso, com um design especial para famílias descoladas. E é esse componente afetivo que predominará na definição do preço, e não admiraria se esses tapauers modernos custarem bem mais caro. A atribuição de valor a um tênis pouco tem a ver com o circuito produtivo de confecção e distribuição. Tem muito mais a ver com a marca, a eficácia da publicidade, as imagens e os afetos que os publicitários consigam coalhar como parte integrante do produto. Minha escola estava mesmo desatualizada. O próprio capitalismo já aprendeu a dar valor afetivo às coisas.

Isto não significa que o valor desapareça como fetiche hoje. Mas perde qualquer ambição de representar objetivamente as coisas e o trabalho. A medida perde a fixidez, se torna um limiar. A economia política clássica e a neoclássica entram em crise. É o canto do cisne das pretensões liberais clássicas, a aparição do neoliberalismo. O neoliberalismo exprime o tipo de governo de quando o capitalismo desiste da lógica quantitativa do valor. Esse novo modo de governar se regula pelas finanças. Não que as finanças sejam algo novo no capitalismo. Na realidade, a relação de débito e crédito vem desde o neolítico precedendo a própria existência da moeda, e o sistema bancário existe pelo menos desde os cavaleiros templários, no século 12. No entanto, agora, o sistema financeiro se reveste de absoluta primazia. É ele quem passa a mediar o valor. Menos como uma cúpula superpoderosa nalgum lugar específico, do que como uma mediação interna a todas as operações econômicas. O crédito, o investimento e os juros compõem inextricavelmente o funcionamento econômico. A vida é financeirizada.

Comunismo da desmedida

As finanças são o único modo de conviver com a ruptura da medida. As bolsas de valores flutuam junto com as incertezas, as nebulosas, as ondas de choque e as vertigens da nova economia. Bilhões se criam aparentemente do nada, outros bilhões evaporam, fábulas mudam de mãos a altíssimas velocidades. O valor se dissolve como fluxo. E flui sem parar sobre as fronteiras nacionais e regionais. Nesse modo de governar, não se pretende mais gerenciar a equivalência para manter o equilíbrio do todo econômico. Agora, o desafio é governar a não-equivalência, assumindo a turbulência inerente do mundo da produção. Porque não tem mais receita. Não tem outro jeito de continuar sustentando a desigualdade e a injustiça. Então é caso de governar a instabilidade mesma, garantir o valor em condições de vazamentos alucinados de produtividade. E assim desconjurar a turbulência e controlar o seu assanhamento político: o tumulto. A governabilidade depende da capacidade de administrar uma crise tornada permanente. O neoliberalismo vem junto do hard power contra a disseminação global do tumulto. Por outro lado, as pretensões racionais e racionalizantes do socialismo e das esquerdas se mostram nostálgicas, obsoletas. Hoje, as forças produtivas se acham muito mais sofisticadas, e não existe marcha ré na história. Em vez do plano homogêneo que o dinheiro pode medir e o mercado organizar, como nos sonhos fordistas do pós-guerra; sucedem inúmeros planos entrecruzados, heterogêneos, incompossíveis. Muitas esquerdas sonham com um futuro passado.

No rodamoinho financeiro e suas bolhas, se torna indispensável uma outra matemática. Outra natureza da medida, outras premissas e outras variáveis, que levem em conta a imensurabilidade, a irreversibilidade, a heterogênese, a homeorrese. A história da matemática marcha ombro a ombro com o desenvolvimento financeiro. A econometria se esforça para compreender mercados multidimensionais, lógicas não-lineares, fractais, movimentos brownianos, processos de Wiener, teoria do caos, cadeias de Markov, cálculo estocástico. Não é por acaso. E também não foi por acaso que meu professor (curiosamente, ele se chamava Milioni) disse que eu poderia ficar rico com a econometria. Eu costumava estudar matemática pra entender coisas como o conjunto de Mandelbrot ou o paradoxo das paralelas, não me ocorrera que poderia servir para trabalhar para o sistema financeiro. Deja vu. Era novamente o menino fazendo um uso inútil, desperdiçando as coisas com seus amiguinhos não-enquadrados. Comecei a pensar, então, se não era possível resistir do mesmo modo clandestino e subversivo quando éramos crianças. Organizar com os cupinchas, na alegria e desobediência, uma práxis. Quer dizer, jogar futebol matematicamente, além da imposição do valor pelo sistema financeiro e o neoliberalismo. Nem tanto renegar o poder de abstração e o efeito de liquefação das finanças, mas roubar-lhe o fogo, numa ação coletiva dentro e contra o próprio sistema.

Hoje vejo como essa pergunta não se orienta por algo a fazer. A revolução e o comunismo não são algo ainda a ser feito. Projetá-los num futuro bloqueado é tão impotente quanto identificá-los num passado frustrado. É que essa desmedida já está sendo realizada coletivamente por muitos grupos, dispersos, imanentes, com maior ou menor grau de ânimo rebelde. Organizam-se produtivamente a partir do valor afetivo: maximizam afetos ativos e bons encontros, minimizam os passivos e ruins. Resistem quando necessário. Reexistem sempre. Do menos fazem o mais: na favela, no devir índio, na internet bárbara. Recusam a imposição do valor, noutras palavras, o puro mando da forma de governo contemporânea. Pautam-se mais pelo compartilhamento que pelas trocas, pela cooperação do que concorrência, pela paridade e camaradagem em vez da verticalização. Reafirmam-se no singular. Conceitualmente, podem ser a multidão de que fala Negri, as máquinas nômades de Deleuze e Guattari, o povo antropófago por vir, a classe selvagem sem nome. Essas experiências reafirmam o propósito de viver além do valor. Anseiam por um viver bem. Propugnam por uma espécie de comunismo pós-moderno e heterodoxo. Vivem na pele, com o que se relacionam ao infinito, uma insuficiência intensiva e qualitativa.

Mas aqui não cabe, esquematicamente, opor o quantitativo ao qualitativo, o produto ao processo, o extensivo ao intensivo, a normalidade vazia à superabundância de uma vida vivida com coragem e generosidade. Queremos o pátio para nós e não aceitaremos mais as injunções da diretora. Queremos a matemática avançada, o cálculo estocástico, o sistema financeiro como um todo, todos seus recursos e artimanhas. É reapropriar tanto a riqueza social, quanto o poder líquido de mobilizá-la em suas infinitas escalas e níveis. Queremos autonomia para produzir sem valor. Queremos tudo, porque é tudo nosso. Quero a bola de volta.

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* Devo doses cavalares deste ensaio ao livro O casaco de Marx (Peter Stallybrass, trad. Tomaz Tadeu, Autêntica), além dos 3 livros do Capital e dosGrundrisse, de Marx, e toda a crítica à teoria do valor elaborada por Antonio Negri e os autonomistas operaístas, como Christian Marazzi, Carlo Vercellone, Andrea Fumagalli, Giuseppe Cocco e Gigi Roggero.
** Agradeço ainda à diretora da escola e ao professor de econometria.


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