por Urariano Mota, em Direto da Redação
Atenção, mortais do Brasil, atenção, cuidado: não sofram acidente, não adoeçam, não padeçam de qualquer mal que passe por uma sala de cirurgia. Além do azar da queda, maior azar vai ser a escolha entre a dor pura do corte em órgãos vitais e a dor da anestesia, no preço. Escolham, digamos, escolham: o corte a cru ou o corte na sobrevivência, caso consigam se levantar do leito. E não pensem por favor que falamos de uma desgraça aonde não chega a classe média. Não. Estamos falando de você, bem posto aí, a julgar que os pobres são os outros. Acorde, porque o seu plano de saúde cobra, mas não cobre anestesia, em mais de um caso, disfarce ou maneira.
À primeira vista, a culpa é da sua “cobertura” de saúde, se o leitor dispensa a ironia. É comum nos planos de saúde Bradescos, Unimeds da vida (nada contra a vida), prometerem uma coisa e realizarem outra. Você entra com os fundos e os planos com os cálculos do atuário. Entenda, atuário não é bem sinônimo de otário, ainda que com ele guarde semelhança e rima. Os cálculos do atuário medem a probabilidade de você morrer ou se fender com base nas estatísticas de mortos e fendidos em geral. Por isso à primeira vista a culpa é dos planos de saúde. Mas quando se pesquisa, aparece um comportamento pouco hipocrático, ou muito hipócrita dos senhores anestesistas. Ou anestesiologistas, como mais dignos preferem ser chamados.
Entendam. Em quase todo o Brasil os especialistas no combate à dor estão organizados em cooperativas. Ótimo, nada contra. Eles, os anestesiologistas, aprovam tabelas pelo custo do serviço. Ótimo, ainda concordamos, meio engasgados. Os planos de saúde, por sua vez, negociam um preço justo pela injeção do anestésico. É natural. Os anestesiologistas não o aceitam, rompem-no, o acordo ou o paciente, sem aviso para você. Explico. Não é bem que antes da cirurgia, se houver tempo, o cirurgião não o informe de que os anestesistas estão fora da cobertura, total ou parcial do seu plano. O cirurgião fala, informa, mas com uma informação cortada pelo meio. Dizem-lhe, por exemplo: “você paga com um cheque para 30 dias, e o seu plano faz o ressarcimento”. Quem assim informa, insinua que o preço cobrado é igual ao preço devolvido. Ah, hora da dor, como não acreditar?
Olhe que você se encontra com a mãe, filho ou esposa já na maca, no momento em que tudo gira em torno de você. Quero dizer, antes que você desmaie, você assina o cheque, paga urgente o cobrado, porque deseja só a saúde do seu afeto. Pois é nesse exato instante que paciente, atuário e otário se confundem em uma só pessoa. Contam-se casos escabrosos, que não atingem o conhecimento do grande público, porque as histórias lembram os papa-defuntos, que todo o mundo sofre, mas sempre como um segredo particular. Por exemplo, uma pessoa, um otário?, que paga dois mil e seiscentos reais com um cheque para 30 dias, e sofre o saque no dia seguinte, com o ressarcimento de mil reais, um mês depois. Fala-se em cobranças abusivas de 4 mil reais por uma anestesia pagos – e quem há de não pagar? -, em total desacordo com qualquer tabela. Ao ser questionada, a direção da cooperativa dos anestesiologistas responde: “O profissional é autônomo, ele não é obrigado a seguir uma tabela”…
O que isso significa? – A entrega do mercado da dor a uma categoria profissional. Pois a vida e a sua fragilidade ficam à mercê da “tutti buona gente” de jaleco. O Ministério Público, em algumas cidades, já questionou as práticas abusivas que desobedecem até a lei da oferta e da procura, ao ser cartelizada a doença. E aqui, as regras da sobrevivência médica jogam em um só camburão os bons e maus anestesiologistas, que acabam por seguir a regra da manada. Entendam, é compreensível, todos precisam viver, se possível sem dor.
Em Pernambuco, estão sem cobertura para a anestesia os pacientes vinculados à Cassi, Caixa Econômica Federal, Golden Cross, entre outros. Até há pouco, faziam parte da lista os trabalhadores ligados à Petrobras, Unibanco e Infraero. Nos estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul a situação se repete, com uma ou outra adaptação de contrato, deixando à margem de cobertura as vítimas. E mais: quem hoje está a salvo, não pense que subiu ao céu e voltou com vida. A qualquer circunstância, os convênios podem ser de modo unilateral rompidos.
Em resumo: os planos de saúde alegam que não podem pagar os preços arbitrados pelos anestesistas. Estes, por sua vez, não levantam a voz, atacam de surpresa os responsáveis pelos pacientes na hora da cirurgia. Nesse cabo de guerra, o grande público é a corda. Ou melhor, os seus órgãos vivos é que são a corda. Puxados pelos anestesiologistas, que têm o domínio do sofrimento. Este é o livre mercado, amigos. O ilustre leitor que escolha: deseja ser operado com ou sem dor?
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