Pesquisar este blog

domingo, 22 de janeiro de 2012

Os tambores da guerra


Por Márcio Sampaio de Castro
CartaCapital


Duas situações complementares têm caracterizado a cultura norte-americana ao longo dos últimos dois séculos. A primeira é a possibilidade sempre presente de resolver as diferenças à bala, um direito nacional inalienável previsto logo na segunda emenda da constituição daquele país, que garante a posse e o uso de armas de fogo a qualquer cidadão. A segunda é a política do cowboy, por meio da qual cabe ao outro sacar a pistola primeiro. Tudo o que ocorrer depois estará amplamente justificado e creditado na conta do agressor inicial.

Nesse curto período histórico, os exemplos não faltam. Os índios foram trucidados e confinados em reservas porque atacavam os colonos brancos. Na guerra hispano-americana, tornou-se célebre o caso do proprietário de jornais William Hearst, que forjou alguns factóides, distorceu acontecimentos e exagerou na descrição de outros, imputando aos espanhóis pavorosos arbítrios contra o povo cubano e também a misteriosa explosão do navio de guerra USS Maine no porto de Havana, eventos que não deixaram alternativa ao governo dos Estados Unidos senão intervir na ilha caribenha para libertá-la. Hearst seria o autor da infame frase endereçada a um de seus repórteres: “Você me fornece as imagens e eu fornecerei a guerra”.


Nas duas grandes guerras mundiais, novamente o ônus da ultrajante agressão gratuita caberia sequencialmente a alemães e japoneses, enquanto no Vietnã, o obscuro torpedeamento do USS Maddox, em 1964, pelos norte-vietnamitas no Golfo de Tonkin serviria para que, em linguagem bíblica, a América rasgasse suas vestes, despejando naquele país do sudeste asiático milhares de homens, toneladas de bombas e bilhões de dólares por mais de uma década.


Em todos esses casos é interessante observar que Hearst fez escola e, portanto, nunca esteve sozinho na prática de trombetear as ações ultrajantes dos “inimigos da liberdade”. Não estão em questão aqui a truculência de um império colonial decadente ou as pretensões expansionistas de regimes totalitários, e sim as ações do dândi, que veste sua melhor roupa de domingo e vai passear no valhacouto dos bandidos e, uma vez agredido, ganha a simpatia dos jornais da cidade, que exigem das autoridades locais medidas enérgicas contra os celerados.


O porta-aviões USS John C. Stennis, ao cruzar o estreito de Ormuz, no Golfo Pérsico, no penúltimo dia de 2011, evocou mais uma vez essa figura. Em um misto de demonstração de força e provocação, o navio norte-americano passou sob o nariz dos aiatolás, em pleno exercício militar naval iraniano, e fez o mundo inteiro prender a respiração por um momento.


Mas a escalada que leva aos conflitos, como bem ensina a leitura atenta da história contemporânea, se dá antes de tudo na mídia, que, ao escamotear, distorcer, exagerar ou deliberadamente ignorar versões, contribui de forma decisiva para sancionar a violência coletiva chamada guerra, cuja primeira vítima, como ensina a sabedoria jornalística, é a verdade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.