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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Nascituro: um problema de saúde sem pai nem mãe!

por Conceição Lemes

Na última quinta-feira, 26, a presidenta Dilma Rousseff, ao ser questionada sobre a Medida Provisória 557 que instituiu o Sistema Nacional de Cadastro da Gestante, afirmou: “ Erramos, vamos retirar a MP”.

Foi durante uma reunião com os movimentos sociais no Fórum Mundial Social, em Porto Alegre. A notícia nos chegou, primeiro, via farmacêutica Clair Castilhos, secretaria-executiva da Rede Feminista de Saúde, de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos que, em e-mail a várias entidades e pessoas, comemorou, mas com cautela: “Vamos aguardar a confirmação”.

Logo depois, Cintia Barenho, do Centro de Estudos Ambientais de Rio/Pelotas, que estava na reunião, confirmou pelo twitter:


Dilma foi aplaudida de pé pelas pessoas presentes, especialmente pelo movimento feminista, quando admitiu o equívoco em relação à MP 557 e informou a decisão de retirá-la da pauta do Executivo, relata a Articulação de Mulheres Brasileiras.

Nessa sexta-feira, a presidenta Dilma fez apenas uma correção na Medida Provisória 557. Retirou do texto o termo nascituro.

A MP 557 , entre outros equívocos apontados por vários movimentos sociais e entidades que a repudiaram, misturou Estado e religião, mais precisamente com algumas visões religiosas. O que num Estado laico, como o brasileiro, é inconcebível.

– Misturou Estado e religião?! Como?! Onde?!… – muitos já devem ter aparteado.

Ao incluir o nascituro como sujeito autônomo.

– Mas o que é nascituro?

Essa é a pergunta que mais me fazem nos últimos dias, pois muita gente ainda não entendeu o que realmente significa o termo.

Até 26 de dezembro de 2011, quando a presidenta Dilma baixou a MP 557, nascituro, para mim, era apenas uma palavra inusual, pouco sonora.

Era, porque isso mudou.

Antes de explicar por que, gostaria de voltar à última eleição presidencial.

14 de setembro de 2010, terça-feira, Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, RJ. A duas semanas do primeiro turno, Monica Serra, acompanhada de Índio da Costa (na época, DEM, hoje PSD), vice do seu marido, José Serra (PSDB), dá a senha para um dos lances mais sórdidos da campanha passada, além de ter protagonizado o mais hipócrita de todos.

A um eleitor evangélico, que citava Jesus Cristo como o “único homem que prestou no mundo” e declarou voto em Dilma, Monica disse que a petista era a favor do aborto. Ao vendedor ambulante Edgar da Silva, de 73 anos, assegurou: “Ela [Dilma] é a favor de matar as criancinhas”.

Em entrevista de 2009, Dilma afirmara ser favorável à descriminalização do aborto, procedimento médico permitido no Brasil em casos de estupro e risco à vida da mãe, desde o Código Penal de 1940.

Em maio de 2010, a ainda pré-candidata do PT à Presidência da República declarou: “Um governo não tem de ser a favor ou contra o aborto. Tem que ser a favor de uma política pública. Aborto não é questão de foro íntimo meu, seu, da Igreja, de quem quer que seja; é uma questão de saúde pública”.

Aí, numa manobra de má-fé dos seus adversários, o aborto virou o foco principal da campanha de 2010, e a religião passou a ser, inescrupulosamente, manipulada.

Para manter os dedos, Dilma teve de dar os anéis. Após se reunir com segmentos religiosos, divulgou, em 15 de outubro de 2010, a chamada Mensagem de Dilma. Tinha seis itens, dois deles, o segundo e o terceiro, referiam-se explicitamente ao aborto:


26 de dezembro de 2011, segunda-feira, Brasília, DF. A presidenta Dilma Rousseff baixa a MP 557. Assinam-na também os ministros da Saúde (Alexandre Padilha), Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento).

Uma palavra me soou estranha naquele contexto: nascituro. Estava lá bem no final da MP, no artigo 19 J, como quem não quer nada. Embora eu seja repórter especializada em saúde há 30 anos, eu ainda não a tinha visto em documentos do Ministério da Saúde sobre saúde da mulher, saúde materna e mortalidade materna.


Porém, feministas históricas, como Fátima Oliveira, Beatriz Galli, Maria José Rosado e Sônia Correa, mataram a charada, de primeira, e alertaram: o nascituro estava ali de contrabando.


“A garantia de direitos ao nascituro vai flagrantemente contra a Constituição de 1988, é inconstitucional. A MP 557, ao igualar os direitos da mulher gestante aos do nascituro reduz ou dilui os direitos da mãe, como o direito à liberdade, já que ela terá a sua gravidez registrada e supervisionada ou vigiada para cumprir os dispositivos da Medida Provisória”.

“Pela MP 557, a rigor a mulher terá a ‘obrigação’ legalmente imposta de ter todos os filhos gerados já que estaria sendo monitorada pelo Estado para tal finalidade. Viola-se, assim, o direito à igualdade previsto na Constituição Federal, pois somente as mulheres engravidam e podem gerar filhos”.


“A inserção do nascituro, admitindo direitos de cidadania a uma expectativa de cidadão, é uma anomalia e inconstitucionalidade. E a cidadã real e existente torna-se refém do serviço de saúde e/ou da polícia”.


“Ao introduzir a figura do nascituro, que não existe fora do corpo da gestante, como portador de direitos, a MP 557/2011 abre precedente, principalmente, para influência de algumas correntes religiosas e de setores conservadores”.

Desde os primeiros dias após a edição dessa Medida Provisória, a médica e feminista Fátima Oliveira bate nesta tecla: “O objetivo da MP 557 é o nascituro, foi feita para reconhecê-lo”.

Seria mesmo essa a intenção?

Ao assinar a MP, a presidenta Dilma saberia de todas as implicações do termo nascituro?

O ministro da Saúde também?

Padilha teria alertado a presidenta sobre a conexão nascituro-Igreja Católica- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)?

Ou o nascituro seria “obra” de algum assessor esperto na calada da noite e o ministro a desconheceria até a publicação da MP?


Essas e outras dúvidas ferviam na minha cabeça quando da entrevista que o doutor Fausto Pereira dos Santos, assessor de ministro Padilha, concedeu ao Viomundo, publicada em 10 de janeiro. Tanto que abordei a questão do nascituro em dois momentos.

Um deles foi no meio da entrevista:


O segundo, no final da entrevista:


A partir dessa entrevista, não tive dúvidas: a MP foi gestada no Ministério da Saúde e o nascituro é seu “filho”, ainda que possa ter “padrinhos” e/ou “madrinhas” no Palácio do Planalto.

A assessoria de imprensa do Ministério da Saúde acompanhou toda a entrevista que esta repórter fez com o assessor do ministro Padilha. Depois, monitorou todos os e-mails que trocamos.



– Mas o que tem a ver a campanha presidencial de 2010 com MP 557? – alguns devem estar cobrando. – E com o nascituro?

Calma. Antes, gostaria de compartilhar com vocês outras dúvidas que me ocorreram imediatamente após a entrevista com o doutor Fausto e a reação do ministro à pergunta que fiz sobre a sua religião, a pedido de vários leitores do Viomundo em comentários nas matérias sobre a MP 557.

Se a intenção era dizer uma coisa e a MP acabou dizendo outra, por que o Ministério da Saúde não poderia corrigir o erro e editar uma nova Medida Provisória, retirando o nascituro?

Repito. Na entrevista como assessor do ministro Padilha publicada em 10 de janeiro pelo Viomundo, eu perguntei se em função da polêmica gerada pela inclusão do nascituro, o Ministério da Saúde ia manter ou cogitava tirá-lo da MP 557. Ele respondeu: “A medida provisória já está tramitando no Congresso Nacional, local onde pode haver essa discussão”.

Por que o assessor do Ministério da Saúde disse ao Viomundo que a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas Especiais para Mulheres, tinha visto a minuta da MP, quando, na verdade, ela nos assegurou que não participou de nada?

Por que até hoje o Ministério da Saúde não desmentiu a ministra Iriny Lopes?

Por que nenhuma entidade dos movimentos de mulheres foi convidada para discutir a elaboração da MP, embora tenha circulado nas redes sociais a informação enganosa de que a Rede Feminista de Saúde teria participado das negociações e dado o seu aval?

Seria por que as entidades feministas e a ministra Iriny Lopes descobririam no ato o contrabando embutido e chiariam?

Por que o ministro Padilha não levou a MP para ser debatida na reunião do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 14 e 15 de dezembro, já que ele é seu presidente, lá estão representados todos os segmentos da sociedade e o assunto é tão importante?

Curiosidade: o item 2 da pauta do dia 14 do CNS era o “Balanço do mês na saúde: Saúde Integral da Mulher”, apresentado pela doutora Maria Esther de Albuquerque Vilela, coordenadora Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde.

– Mas, afinal, o que tem a ver a campanha presidencial de 2010 com a MP 557? – vários devem ter voltado à carga. — E com o nascituro?

Ontem, 27 de janeiro, fez um mês que a MP 557 foi publicada. Ironicamente, ontem também saiu uma correção da MP, retirando o nascituro.

– Besteira…Questão de semântica — alguns leitores devem ter contestado, enquanto outros menosprezam-no – Apenas um termo mais forte…

Não e não. O uso do termo não foi um cochilo na redação, mas algo intencional, estrategicamente bem pensado. E a intenção da MP 557 era o nascituro.

Até porque a MP 557 “não resolve o problema da mortalidade materna; tudo o que ela cria ou normatiza já existe no Ministério da Saúde”, observa o kit anti-MP 557, elaborado por Gilda Cabral, do Cfemea, e entregue ao ministro, na reunião dessa quarta-feira, 25 de janeiro, do Conselho Nacional de Saúde, em Brasília. “Ela é totalmente desnecessária”.

Exceto por um detalhe: o nascituro.

Diante desse quadro, uma das possibilidades para a inserção do nascituro como sujeito autônomo na MP talvez tenha a ver com acordos políticos com os setores religiosos mais conservadores durante a campanha presidencial de 2010.

Alguém teve a “brilhante” ideia de colocar no papel, agora já com a assinatura da presidenta Dilma, o que a então candidata havia prometido na eleição: não descriminalizar o aborto no Brasil. E já que estava com a mão na massa, aproveitou para ir um pouco mais longe, abrindo caminho para impedir o aborto nos casos de anencefalia, que está para ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), e talvez, mais no futuro, até a proibição de todo tipo de aborto no Brasil.

– Como? Qual a mágica?

Enfiando, de contrabando, o nascituro em documento oficial da Presidência da República. Sem mexer diretamente na legislação referente ao aborto, sacramentaria o nascituro, o que serviria de combustível para a sua proibição em casos de anencefalia e, quem sabe mais adiante, ensejar campanha para sua proibição, mesmo nos casos em que a lei brasileira já autoriza desde 1940.

Nascituro a rigor seria o que está prestes a nascer, logo um feto. Todavia os chamados grupos “pro-life”, consideram nascituro embriões e fetos. Nos Estados Unidos, o Dia do Nascituro foi instituído, em 2004, pelo então presidente George W. Bush. Lá e em alguns outros países, como Argentina, Chile, Peru, Costa Rica, Guatemala e Nicarágua, é comemorado em 25 de março, Dia da Anunciação de Maria.


“foi escolhido porque nele é celebrado (sic) a Anunciação: a notícia, levada pelo Arcanjo Gabriel a Maria, de que Deus a havia escolhido para ser mãe do Redentor. O que leva consigo a proteção do nascituro desde o momento da concepção”.

Em 1999, o então deputado federal Severino Cavalcanti (PP/PE) apresentou o projeto de lei nº 947/1999, instituindo o “Dia do Nascituro, a ser festejado no dia 25 de março de cada ano”. O projeto, atualmente tramitando na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), já recebeu um parecer favorável, mas ainda não foi oficializado.

Porém, a 43ª Assembleia Geral da CNBB, realizada em Itaici, de 9 a 17 de agosto de 2005, definiu o dia 8 de outubro como o dia do Nascituro.


“porque muitos nem terão direito a conviver com sua mãe, por pouco que seja, vítimas que serão de experimentos dito “científicos” de clonagem, ou serão “congelados”, alguns até destruídos, enquanto ficam à espera de que sua mãe aceite recebe-los (sic) em sua barriga”.

No artigo “Pena de Morte para o Nascituro”, publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, em 1997 e republicado em vários sites católicos, o jurista Ives Gandra da Silva Martins, conhecido por suas posições ultraconservadoras, afirma:

“Todos os seres humanos são seres humanos desde a concepção. Nesse momento, todos os seus componentes biológicos e psicológicos estão formados, tendo os defensores do aborto, desde a concepção, seu perfil atual delineado”.

“Dessa forma, o denominado aborto legal – que desde 1988 não é mais legal – nada mais é do que uma pena de morte imposta ao ser humano quando ainda vive no ventre materno”.

– Afinal, então o que é o nascituro?

É um feto, mas os chamados “pró-vida” consideram como nascituro desde o instante em que o espermatozóide fecunda o óvulo. Ou seja, quem defende os direitos do nascituro é contra, por exemplo, as pesquisas com células tronco-embrionárias, que representam a esperança para a cura de várias doenças ainda incuráveis, como mal de Parkinson, diabetes, doenças neuromusculares e seção da medula espinhal por acidentes e armas de fogo

– Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) já aprovou as pesquisas com células tronco-embrionárias no Brasil!!!

Aprovou, sim, numa votação histórica em maio de 2008, mas contra a vontade dos setores fundamentalistas da Igreja Católica. Aliás, quem defendeu a posição da igreja no STF foi justamente Ives Gandra Martins, que é da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, que, por sua vez, integra o Human Life Internacional — Pro-Life Missionaires to the World.

É só fazer uma pesquisa no Google, irá descobrir isso.

“O nascituro aparece normalmente em sites e textos relacionados à Igreja Católica”, alertou-me NaMaria, do blog NaMariaNews. “Veja como em 2011 dom Luiz Bergonzini e a CNBB comemoraram o dia do Nascituro!



Dom Luiz Bergonzini foi bispo de Guarulhos, em São Paulo, até semana passada. Bergonzini é aquele que, durante a campanha presidencial de 2010, produziu textos contra Dilma e o PT por conta do aborto.

Bergonzini, assim como a CNBB, defende o projeto de lei 478/07, que cria o Estatuto do Nascituro, já aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados.

O estatuto defende o nascituro como portador de direitos desde a “concepção”, ou seja, desde que o espermatozóide fecunda o óvulo. Essa definição, além de dificultar futura legalização do aborto por decisão da mulher, acaba a possibilidade de ele ser feito legalmente, inclusive na rede pública de saúde, nos casos de estupro ou quando a gravidez coloca em risco a vida da mãe.

Em bom português: não importa que a gestante morra ou que seja estuprada para que a criança nasça. Mais valem as novas “ovelhinhas do rebanho”, que se lixem as mulheres, sua saúde, sua vida.

– Ah, mas quem estava falando em mexer na legislação atual sobre o aborto? O projeto do Ministério da Saúde não propunha isso!

Ok. Não propunha, mesmo. Mas o fato de ele constar num documento assinado pela presidenta da República e pelo ministro da Saúde seria sinal de reconhecimento da autonomia e personalidade civil do nascituro. E já que eles a legitimavam por que, num primeiro momento, não aprovar a MP no Congresso com o nascituro? Depois, num segundo, lutar para aprovação do Estatuto do Nascituro e, daí, proibir totalmente o aborto no Brasil? Ou, pelo menos, impedir que o aborto seja feito no Brasil nos casos de anencefalia?

– Mas a MP do Ministério da Saúde não propunha nada disso! – alguns vão refutar – Isso é exercício de futurologia!

Realmente, a MP não propunha isso. Só que, enquanto estamos indo com a farinha, a Igreja já voltou com o mingau pronto — e frio. Pensa adiante, a longo prazo.

Está no site da CNBB, na matéria Semana da Vida e dia do Nascituro, postada em 4 de outubro de 2011, às 10h39:

“A Semana Nacional da Vida, celebrada de 1 a 7 de outubro oferece um tema em sintonia com a Campanha da Fraternidade deste ano: “vida, ecologia humana e meio ambiente”. A Comissão Episcopal para a Vida e a Família e a equipe da Pastoral Familiar da CNBB prepararam um subsídio distribuído nas comunidades em todo o Brasil fornecendo um memorial das semanas anteriores, além de sugerir encontros de reflexão sobre o tema e uma celebração que pode ser usada na preparação para o dia do nascituro, o domingo 8 de outubro”.

“Padre Rafael Fornasier, assessor nacional da Comissão, considera que o tema da Semana, de algum modo, prepara os cristãos para o iminente debate que deverá surgir no país com a retomada da discussão e votação que serão realizadas no Supremo Tribunal Federal sobre o aborto de crianças anencéfalas. “Há uma expectativa a respeito da análise do STF que vai fazer e que pode ser uma abertura para a legalização do aborto no Brasil”, adverte Padre Rafael. Segundo ele, poderá voltar o costumeiro embate entre a o conflito de direitos. “Não se nega o direito da mulher, mas que não seja em detrimento do direito da vida nascente”, lembra.

Curiosamente, nessa mesma época em 2011, a MP 557 estava sendo gestada no Ministério da Saúde e em outras instâncias do governo federal.

Foi próprio assessor do ministro Padilha que revelou isso na entrevista ao Viomundo: “Esse processo da Medida Provisória está tramitando entre o Ministério da Saúde, a Casa Civil e outros ministérios envolvidos desde setembro de 2011″.

Coincidência ou não, soa estranho o fato de a MP ter começado a tramitar no governo nas proximidades do Dia do Nascituro.

Soa mais estranho ainda porque:

1) nascituro é um termo usado principalmente pelos católicos mais conservadores;

2) do ponto de vista médico, técnico e de prevenção à mortalidade materna não há NADA signifique a inclusão do nascituro como sujeito autônomo;

3) até o momento o Ministério da Saúde não deu nenhuma explicação razoável para ter enfiado o nascituro na MP;

4) as reações em manada, raivosas, destemperadas, aos textos e reportagens publicados pelo Viomundo, denunciando os absurdos da 557. Foram muito bem orquestradas. Um revival da campanha presidencial de 2010, bem ao estilo usado pelos asseclas de José Serra, dom Luiz Bergonzini & cia.

Em entrevista ao Viomundo, Fátima Oliveira disse com todas as letras:

“Nós não estamos falando em legalização do aborto. A Dilma já disse que não vai mexer com isso. Então não vamos perder o nosso tempo. Mas nós queremos o que conquistamos nessa área. A aplicação da norma técnica de atenção humanizada aos casos de aborto previstos em lei, o que não vem acontecendo”.

Como os adversários de Dilma na eleição, os religiosos fundamentalistas passaram a dizer que as feministas estavam contra a MP 557 porque queriam legalizar o aborto. Não adiantava dizer que elas não haviam dito isso em relação à MP. Assim como, em 2010, eles jogaram espertamente o aborto na mesa para tentar esconder a real intenção.

Só que, bateram tão forte e recorreram a tantas mentiras e tantos sofismas, que acabaram flagrados com o nascituro nas mãos. Não dá mais para esconder: a 557 era a MP do Nascituro, sim, até porque as demais medidas embutidas na MP já estão ou podem ser resolvidas perfeitamente por portarias do Ministério da Saúde.

A propósito 1: na abertura da entrevista que fiz com a doutora Fátima Oliveira, publicada peloViomundo em 5 de janeiro, eu disse:

Elegemos Dilma como presidenta de uma República laica, mas parece que quem dá as cartas na saúde das mulheres brasileiras é o ideário fundamentalista do tucano José Serra nas eleições de 2010, assessorado pelo bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini.

Que bom que a presidenta reconheceu que foi um erro a inclusão do nascituro na MP.

A propósito 2: no dia seguinte à entrevista que fiz com Fátima Oliveira, dom Luiz Bergonzini, postou na aba “aborto” do seu blog: Medida Provisória n. 557 cria sistema de cadastro e prevenção de mortes das gestantes.

Sem mencionar o nascituro, que já havia saudado em outro post (AQUI), Bergonzini (grifos em negrito são dele mesmo) diz:

“Em nosso blog, na aba Aborto, provamos que as mortes maternas são decorrentes do precário atendimento médico às gestantes e que os números de abortos apresentados pelos abortistas são inverídicos”.

“Números inverídicos de abortos são utilizados pelos abortistas. Os abortistas utilizam os números dos abortos espontâneos para dizer que as mulheres querem praticar aborto. Os abortos espontâneos atingem até 40% das gestações”.

“Os abortistas são nazistas, stalinistas, preconceituosos e discriminadores, pois querem higienizar a raça humana do Brasil, matando as crianças das mulheres pobres ou negras”.

“Como dissemos em outro post, o aborto não é uma questão discutível, por se tratar de uma vida humana que deve ser preservada e do direito de nascer de cada ser humano gerado, o primeiro de todos os direitos”.

“Esperamos que, de agora em diante, números verdadeiros sejam registrados e que o objetivo de, sem nenhuma discriminação, garantir às mulheres brasileiras o direito à maternidade e ao atendimento médico qualificado seja atingido, para não mais acontecerem mortes evitáveis”.

A propósito 3: Dom Bergonzini não é voz isolada. Seu pensamento representa os setores religiosos mais conservadores, inclusive a CNBB.

A propósito 4: O nascituro, portanto, não caiu do céu. Quem incluiu o nascituro na MP sabe bem por que o fez.

A propósito 5: Na quarta-feira, 25 de janeiro, aconteceu em Brasília a reunião do Conselho Nacional de Saúde. Jurema Werneck, que é vice-presidente do CNS e integrante da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras e estava presente, postou no twitter:


Mesmo o governo federal tendo retirado o nascituro da nova versão da MP 557, eu acrescento outras perguntas:

*O nascituro foi colocado por alguém do próprio Ministério da Saúde ou do Palácio do Planalto?

* Se foi no Ministério da Saúde, como o ministro leva um documento para a presidenta assinar sem ler e, ainda por cima, com uma inconstitucionalidade?

*Se foi alguém no Palácio do Planalto, por que Padilha não alertou Dilma para o fato e os riscos envolvidos, inclusive de trazer de volta o debate que tanto mal causou à campanha de 2010?

A exemplo da malfadada parceria com a rede McDonald’s, o nascituro se transformou no outro “filho feio” sem pai nem mãe do Ministério da Saúde.

De qualquer forma, a quem quer que tenha inserido o nascituro, eu pergunto: em nome da religião, terá valido a pena usar uma das tragédias de saúde pública brasileira, que é a mortalidade materna? Compensou ter induzido a presidenta a um erro grosseiro, colocando-a numa situação desconfortável?

Nenhum ministério pode se prestar ao papel de misturar Estado com religião. Muito menos, o Ministério da Saúde. É um equívoco crasso.

A propósito 6: A bem da verdade, o nascituro não é o único absurdo da MP 557. Movimentos sociais e entidades de peso da sociedade civil já se posicionam contra a MP e pediram a sua retirada.

A lista é imensa. Marcha Mundial de Mulheres, Articulação de Mulheres Brasileiras, Rede Feminista de Saúde, Central Única dos Trabalhadores (CUT-Nacional), Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde), Abrasco (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva), entre muitos.

Por isso, seria excelente se a presidenta se dispusesse a dialogar com essas entidades e movimentos. Eles podem – e muito! – contribuir com o seu governo no tema morte materna. Por que ignorá-los como fez o Ministério da Saúde na construção da MP 557?

A propósito 7: Na reunião do Conselho Nacional de Saúde (CNS) da última quarta-feira, por pouco não foi colocado em votação o pedido para o governo retirar a MP. Sob pressão, o ministro Padilha fez um acordo com o CNS para criação de um grupo técnico que teria 15 dias para propor sugestões à MP.

Só que, no dia seguinte, atropelando o combinado com o próprio CNS, o ministro reeditou a MP, conforme a sua visão de que o maior problema era a palavra nascituro. Essa alteração não corresponde ao teor completo das reivindicações. O acordo com o CNS foi foi rompido? O que está valendo agora?

Que a MP 557, a MP do Nascituro, sirva de lição a todos nós.


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