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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Força das Vadias



Por Carolina Branco

“Cerca de 500 pessoas reunidas na Praça do Ciclista na Av. Paulista numa tarde de sábado fria em São Paulo. Dentre elas, jovens mulheres uma ao lado da outra, em silêncio, comiam maçãs. Algumas as comiam, outras as mantinham na boca, como se as calassem. No entorno, “mulheres com pouca roupa” e homens seguravam cartazes que traziam frases de repúdio a violência de gênero, estupro e ao machismo em geral: “Respeito é sexy, machismo broxa”.

Em janeiro de 2011, a Universidade de Toronto registrou muitos casos de abuso sexual em mulheres no Campus. Depois dos acontecimentos, um policial orientou como medida de segurança que “mulheres evitassem se vestirem como putas para não serem vítimas”. Depois disso, 3.000 pessoas foram às ruas no Canadá protestar contra a culpabilização de mulheres envolvidas em episódios de violência sexual. Assim, nasceu o movimento internacional Slut Walk (em português, Marcha das Vadias), que rapidamente se espalhou por dezenas de cidades no mundo.
A breve descrição acima chama atenção para a primeira versão brasileira da Marcha das Vadias, que aconteceu em julho deste ano em São Paulo. No Brasil, assim como no âmbito internacional, essa iniciativa repetiu-se em várias cidades como Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília, Belo Horizonte, dentre outras.
Nas diversas versões destes protestos contra a violência de gênero, o termo “vadia”, foi deslocado e (re) apropriado de maneira criativa ao borrar os limites normativos que constroem a figura da “mulher estuprável”. Ao saírem às ruas, mulheres e homens ao invés de dizerem: “Cuidado para não ser estuprada”, disseram: “Não estupre!”.
Nas variantes do movimento no Brasil, além da (re) apropriação de noções rejeitadas moralmente para designar o feminino e práticas sexuais femininas, houve a incorporação de elementos populares originários de grupos muitas vezes desqualificados do ponto de vista de suas produções culturais. Nas manifestações brasileiras víamos cartazes com trechos de hinos funks como: “A buceta é minha e eu dou para quem eu quiser”.
A denúncia criativa e humorada sobre relações diferenciais de poder que geram violências de gênero da Marcha das Vadias apontam, se não para uma política feminista no sentido estrito do termo, para modalidades de participação política bem próximas ao feminismo.
Historicamente o debate feminista tem sido marcado por controvérsias de diversas naturezas e pela heterogeneidade de posições teóricas, políticas e de atores sociais. Justamente por essa razão, esse campo deve ser considerado um dos mais frutíferos no que diz respeito a questionamentos de ordem teórica, práticas políticas e processos naturalizadores de desigualdades sociais, sejam elas de gênero, raça/cor da pele/etnia, classe social, etária e etc.
Nesse sentido, eu arriscaria afirmar que o Movimento das Vadias ao mesmo tempo em que pauta uma prioridade política praticamente unânime dentro do feminismo, qual seja, a denuncia e o combate à violência de gênero, cria novas possibilidades de produção discursiva, práticas políticas e articulações dentro e fora do campo feminista.
A marcha das vadias alavanca tanto no meio acadêmico, político e no senso comum possíveis destituições de feminismos, práticas e opiniões conservadoras. Esse processo é da maior relevância se considerarmos que ele deixa aberturas, primeiro, para a novos modos de instituir relacionalmente noções menos essencializadoras de masculino e feminino, violências e práticas sexuais.
Segundo, essa manifestação política surge articulada a outras como a descriminilização da maconha, marcha da liberdade (sem contar as relações que podemos fazer aos recentes questionamentos radicais à democracia na Europa) em meio a um contexto nacional de atualização contemporânea de idéias reacionárias que recriam um facismo pra lá de ultrapassado. Aqui, eu me refiro às nada humoradas afirmações de Rafinha Bastos relacionados a mulheres estupradas, às infelizes observações do filósofo Luiz Felipe Pondé sobre o que querem as mulheres e às pregações missionárias da ex-atriz Miriam Rios sobre a homossexualidade.
Porque a luta dos feminismos também são biolutas!!

*Carolina Branco atua no Grupo Biolutas São Paulo

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