BAÚ DO CELSÃO: "A CRIMINALIDADE É INTRÍNSECA AO CAPITALISMO"
Este artigo, que tem muitos pontos de contato com O caos da Ordem, foi lançado em 01/02/2008, como um resumo da minha intervenção na mesa-redonda "Metamorfoses sócio-econômicas, segregação sócio-espacial
No final da década de 1960, entretanto, esse modelo chegou ao esgotamento. O próprio capitalismo demandava uma desestruturação da antiga sociedade, para erguer uma nova sobre seus escombros. Os jovens, entretanto, tentaram ir mais longe: em vez da substituição de uma forma de dominação por outra, sonharam com o fim de todas as dominações.
Com o fracasso das tentativas revolucionárias do período (da Primavera de Paris à de Praga, passando pela contestação nos EUA e pelos movimentos revolucionários no 3º mundo) implantou-se a sociedade de massas, em que tudo e todos devem estar permanentemente disponíveis para o consumo.
No Brasil, isto se deu em meio à paz dos cemitérios, na terrível década de 1970.
Os órgãos de comunicação, assumindo plenamente as características de uma indústria cultural, deixaram de lado a missão de formar (expoentes da elite) para o exercício do pensamento crítico, restringindo-se a apenas informar (a elite e a classe média) fragmentariamente e a repisar os valores capitalistas.
Ou seja, a formação de cidadãos cedeu lugar à capacitação de profissionais, os apertadores de parafusos do sistema.
O trabalho perdeu qualquer atrativo que ainda tivesse como concretização do potencial criativo do ser humano. Tornou-se uma corrida de ratos atrás do dinheiro, sem ética nem o mínimo respeito pelo interesse coletivo.
O ingresso em massa da mulher no mercado de trabalho aviltou remunerações e subjugou toda a família à engrenagem de produção e consumo, transformando o lar em mero dormitório.
A família foi desvalorizada pela influência atordoante da comunicação de massas. Pais e mães cansados não conseguem competir com o brilho da telinha que hipnotiza as crianças, impingindo-lhes os valores consumistas.
Este artigo, que tem muitos pontos de contato com O caos da Ordem, foi lançado em 01/02/2008, como um resumo da minha intervenção na mesa-redonda "Metamorfoses sócio-econômicas, segregação sócio-espacial
e o fenômeno da violência na Grande Vitória", durante o II seminário Internacional de Desenvolvimento
Local, realizado no mês de dezembro de 2007 em Vitória, ES.
O problema da escalada da criminalidade no Brasil vai muito além da ótica simplista e repressiva da nossa mídia. Tem a ver com o estilhaçamento da família e da sociedade sob o capitalismo globalizado.
Ambas ainda se mantinham razoavelmente estruturadas no chamado capitalismo industrial, apesar de todos os defeitos que tão bem conhecemos: desigualdades econômicas e sociais, elitismo, autoritarismo, etc.No final da década de 1960, entretanto, esse modelo chegou ao esgotamento. O próprio capitalismo demandava uma desestruturação da antiga sociedade, para erguer uma nova sobre seus escombros. Os jovens, entretanto, tentaram ir mais longe: em vez da substituição de uma forma de dominação por outra, sonharam com o fim de todas as dominações.
Com o fracasso das tentativas revolucionárias do período (da Primavera de Paris à de Praga, passando pela contestação nos EUA e pelos movimentos revolucionários no 3º mundo) implantou-se a sociedade de massas, em que tudo e todos devem estar permanentemente disponíveis para o consumo.
No Brasil, isto se deu em meio à paz dos cemitérios, na terrível década de 1970.
Os órgãos de comunicação, assumindo plenamente as características de uma indústria cultural, deixaram de lado a missão de formar (expoentes da elite) para o exercício do pensamento crítico, restringindo-se a apenas informar (a elite e a classe média) fragmentariamente e a repisar os valores capitalistas.
Ou seja, a formação de cidadãos cedeu lugar à capacitação de profissionais, os apertadores de parafusos do sistema.
O trabalho perdeu qualquer atrativo que ainda tivesse como concretização do potencial criativo do ser humano. Tornou-se uma corrida de ratos atrás do dinheiro, sem ética nem o mínimo respeito pelo interesse coletivo.
O ingresso em massa da mulher no mercado de trabalho aviltou remunerações e subjugou toda a família à engrenagem de produção e consumo, transformando o lar em mero dormitório.
A família foi desvalorizada pela influência atordoante da comunicação de massas. Pais e mães cansados não conseguem competir com o brilho da telinha que hipnotiza as crianças, impingindo-lhes os valores consumistas.
Então, nada existe de estranho no fato de que as pessoas sem aptidões para competir dentro do sistema busquem atalhos para conseguir aqueles bens dia e noite propagandeados como objetos de desejo.
Perplexos, muitos cidadãos gostariam de ver aplicadas aqui as punições drásticas dos países muçulmanos: que se cortassem as mãos dos ladrões, o pênis dos estupradores e a vida dos assassinos. Olho por olho, dente por dente.
Outros pedem mais policiais nas ruas, de preferência atirando primeiro e perguntando depois... nos bairros pobres ou quando os suspeitos são negros, pardos ou malvestidos, é claro.
E há os que defendem a maioridade penal a partir dos 14 ou 16 anos, o que somente fará os bandidos diminuírem proporcionalmente a idade do recrutamento de seus serviçais, até que tenhamos crianças empunhando fuzis e metralhadoras. O velho chavão moralista mudará de “hoje mocinho, amanhã bandido” para “hoje bandido, amanhã defunto”.
No fundo, tudo isso são paliativos. Inexiste forma ideal de se lidar com aqueles que já se tornaram bestas-feras, nocivos para si próprios e para a sociedade. Pode-se, quanto muito, controlá-los – e a um custo dos mais elevados para um país de tantas e tão dramáticas carências.
Exterminá-los, jamais! Isso levaria a violência a patamares apocalípticos, pois os bandidos não teriam mais nada a perder. Nós, sim, perderíamos, ao abrirmos mão da civilização arduamente edificada nos milênios que nos separam da horda primitiva, voltando à estaca zero.
O VERDADEIRO VILÃO
O xis do problema, no entanto, nunca é discutido: o fato de que a criminalidade é intrínseca ao capitalismo e subsistirá enquanto não substituirmos o primado da ganância e da competição pelo da solidariedade e da cooperação.
Perplexos, muitos cidadãos gostariam de ver aplicadas aqui as punições drásticas dos países muçulmanos: que se cortassem as mãos dos ladrões, o pênis dos estupradores e a vida dos assassinos. Olho por olho, dente por dente.
Outros pedem mais policiais nas ruas, de preferência atirando primeiro e perguntando depois... nos bairros pobres ou quando os suspeitos são negros, pardos ou malvestidos, é claro.
E há os que defendem a maioridade penal a partir dos 14 ou 16 anos, o que somente fará os bandidos diminuírem proporcionalmente a idade do recrutamento de seus serviçais, até que tenhamos crianças empunhando fuzis e metralhadoras. O velho chavão moralista mudará de “hoje mocinho, amanhã bandido” para “hoje bandido, amanhã defunto”.
No fundo, tudo isso são paliativos. Inexiste forma ideal de se lidar com aqueles que já se tornaram bestas-feras, nocivos para si próprios e para a sociedade. Pode-se, quanto muito, controlá-los – e a um custo dos mais elevados para um país de tantas e tão dramáticas carências.
Exterminá-los, jamais! Isso levaria a violência a patamares apocalípticos, pois os bandidos não teriam mais nada a perder. Nós, sim, perderíamos, ao abrirmos mão da civilização arduamente edificada nos milênios que nos separam da horda primitiva, voltando à estaca zero.
O VERDADEIRO VILÃO
O xis do problema, no entanto, nunca é discutido: o fato de que a criminalidade é intrínseca ao capitalismo e subsistirá enquanto não substituirmos o primado da ganância e da competição pelo da solidariedade e da cooperação.
Vivemos numa sociedade que:
desperdiça o potencial já existente para se proporcionar uma existência digna a cada habitante do planeta;
faz as pessoas trabalharem muito mais do que o suficiente para a produção do necessário e útil;
condena parcela substancial da população economicamente ativa ao desemprego, à informalidade e à mendicância;
estimula ao máximo a compulsão consumista sem dar à maioria a condição de adquirir seus objetos de desejo;
retirou do trabalho qualquer atrativo como realização individual, tornando-o apenas um meio para obtenção do vil metal (ou seja, uma nova forma de escravidão).
Então, os que ainda têm emprego e os empreendedores continuarão irrealizados, esforçando-se demais para nunca obterem as gratificações almejadas, pois a lógica do capitalismo é perpetuar a insatisfação e mitigá-la com o consumo (a cenoura colocada à frente do asno para que ele continue puxando a carroça). Um círculo vicioso perverso que faz a fortuna dos analistas, dos farsantes religiosos e dos picaretas da auto-ajuda.
Alguns excluídos continuarão vivendo das esmolas dos programas oficiais e vão ajudar a eleger aqueles a quem convém mantê-los em eterna dependência.
Outros tentarão obter pela força aquilo que jamais alcançarão pela competência. E servirão de espantalho para intimidar as classes superiores, fazendo-as crer que uma sociedade policial seria a solução.
É paradoxal que, em nossa época, formidáveis avanços científicos e tecnológicos coexistam com uma regressão ao ambiente medieval, com os nobres entrincheirados em condomínios de alto padrão, circulando em veículos brindados e só podendo levar vida social em shopping centers, sem ousarem expor-se fora de suas fortalezas. No exterior desses espaços fortificados e vigiados, os bárbaros estão sempre à espreita, prontos para desferir seus golpes.
Uma constatação terrível de Friedrich Engels, um dos pais do marxismo: quando uma sociedade consegue aniquilar as forças progressistas que poderiam levá-la a um estágio superior de civilização, acaba sendo destruída pela barbárie. O paralelo é com Roma, que venceu os gladiadores de Spartacus mas sucumbiu aos povos atrasados, condenando o mundo a séculos de trevas.
E o papel de carrasco da sociedade putrefata não será necessariamente cumprido pelos excluídos do progresso desequilibrado e insano: não só as crises cíclicas do capitalismo continuarão convulsionando a economia com recessões que, mais dia, menos dia, evoluirão para uma depressão tão terrível como a da década de 1930; como já estamos sentindo chegarem as décadas de devastações com que o meio ambiente pagará, na mesma moeda, àqueles poucos que gananciosamente o devastaram e àqueles muitos que bovinamente consentiram na devastação.
faz as pessoas trabalharem muito mais do que o suficiente para a produção do necessário e útil;
condena parcela substancial da população economicamente ativa ao desemprego, à informalidade e à mendicância;
estimula ao máximo a compulsão consumista sem dar à maioria a condição de adquirir seus objetos de desejo;
retirou do trabalho qualquer atrativo como realização individual, tornando-o apenas um meio para obtenção do vil metal (ou seja, uma nova forma de escravidão).
Então, os que ainda têm emprego e os empreendedores continuarão irrealizados, esforçando-se demais para nunca obterem as gratificações almejadas, pois a lógica do capitalismo é perpetuar a insatisfação e mitigá-la com o consumo (a cenoura colocada à frente do asno para que ele continue puxando a carroça). Um círculo vicioso perverso que faz a fortuna dos analistas, dos farsantes religiosos e dos picaretas da auto-ajuda.
Alguns excluídos continuarão vivendo das esmolas dos programas oficiais e vão ajudar a eleger aqueles a quem convém mantê-los em eterna dependência.
Outros tentarão obter pela força aquilo que jamais alcançarão pela competência. E servirão de espantalho para intimidar as classes superiores, fazendo-as crer que uma sociedade policial seria a solução.
É paradoxal que, em nossa época, formidáveis avanços científicos e tecnológicos coexistam com uma regressão ao ambiente medieval, com os nobres entrincheirados em condomínios de alto padrão, circulando em veículos brindados e só podendo levar vida social em shopping centers, sem ousarem expor-se fora de suas fortalezas. No exterior desses espaços fortificados e vigiados, os bárbaros estão sempre à espreita, prontos para desferir seus golpes.
Uma constatação terrível de Friedrich Engels, um dos pais do marxismo: quando uma sociedade consegue aniquilar as forças progressistas que poderiam levá-la a um estágio superior de civilização, acaba sendo destruída pela barbárie. O paralelo é com Roma, que venceu os gladiadores de Spartacus mas sucumbiu aos povos atrasados, condenando o mundo a séculos de trevas.
E o papel de carrasco da sociedade putrefata não será necessariamente cumprido pelos excluídos do progresso desequilibrado e insano: não só as crises cíclicas do capitalismo continuarão convulsionando a economia com recessões que, mais dia, menos dia, evoluirão para uma depressão tão terrível como a da década de 1930; como já estamos sentindo chegarem as décadas de devastações com que o meio ambiente pagará, na mesma moeda, àqueles poucos que gananciosamente o devastaram e àqueles muitos que bovinamente consentiram na devastação.
O que resta saber é se os homens conseguirão unir-se na adversidade, assumindo uma responsabilidade coletiva pela perpetuação da espécie humana.
Pois, prevalecendo a mentalidade do salve-se quem puder, a humanidade dificilmente sobreviverá ao capitalismo.
Pois, prevalecendo a mentalidade do salve-se quem puder, a humanidade dificilmente sobreviverá ao capitalismo.
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