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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Apontamentos filosóficos - I


Nietzsche e Freud: críticos da cultura?!


 Sim, ambos os filósofos se inserem numa perspectiva de críticos da cultura, pelo menos, a da fração ocidental da raça humana. Cumpre, de imediato, definir de que cultura estamos falando, ou melhor, nossos dois filósofos estão crticando. Palavra polissêmica, cultura remete a pelo menos três sentidos e significados. A partir de uma ótica filológica, cultura tem raiz na noção de cultivo, de produzir da terra a partir de uma tarefa organizada – desmatar, arar a terra, semear e colher os resultados, seriam etapas desta organização. Cultura se oporia, deste modo, à noção de natureza, e seria exatamente sua antípoda, ainda mais se associarmos a natureza como algo que é obtido sem a intervenção do homem. Um segundo sentido de cultura está fortemente associado á idéia de civilização. Cultura e civilização são tomadas, neste caso, como sinônimas. Freud mesmo chega a declarar, na sua Ilusão que não está preocupado em distinguir entre uma e outra. De fato, sua crítica, nos parece, não está voltada para uma possível caracterização da cultura como civilização. Antes, ele se interroga sobre o futuro de uma ilusão, qual seja a das saídas vislumbradas pela idéia de religião diante do fato de que há um mal-estar acometendo aos homens em geral, precisamente pelo fato de estarem vivendo em comum num conjunto de regras e dispositivos que regulam esta convivência.


“Civilização”, neste caso, parece referir-se a um estado de coisas que para muita gente parece indispensável, e que, pelas conquistas atribuíveis à humanidade, faz vir à tona certo sentimento de orgulho. Basta pensarmos nas vitórias perante os constantes desafios da natureza, entre os quais escalaríamos, sem dúvida, a vitória contra os micróbios, a adaptação a ambientes físicos de ampla variabilidade como savanas, desertos e florestas que tornam o animal homem o único em condições de viver em grande diversidade de locais e condições. Ou ainda, a melhoria das condições de vida cotidiana com o sem número de invenções e artefatos que dotam de conforto e comodidade as tarefas do dia-a-dia; a melhoria da proteção contra doenças às nossas crianças; a melhoria das condições de enfrentamento de um grande número de situações hostis ou indesejáveis decerto faz brotar um sentimento de satisfação por fazermos parte desta cultura e do modus vivendi que ela propicia.

No entanto, cultura também pertence ao léxico de uma classe média á européia: boas maneiras, finésse, gosto refinado. Boas maneiras, no entanto, são muito mais do que mero refinamento pessoal. Afinal, se pode aprender refinamento e boas maneiras à mesa; mas ninguém é refinado sozinho, e, por isso, cultura também carrega o sentido de um comportamento social aceito e validado como normal, isto é, também é, precisamente, certo modo de ser de uma sociedade num certo tempo; cultura é o espírito geral de uma época, perceptível no fato de que não aceitamos a escravidão, reagimos contra as formas de violência, ou ainda o fato de adotarmos preceitos política e ecologicamente corretos tão em voga hoje em dia, por exemplo. Cultura é compartilhamento de valores, ideologia, preceitos morais e comportamentos aceitáveis.

Cultura é, enfim, uma referência ético-política, uma moral vigente. Parece-nos que ambos, Freud e Nietzsche, estão mais próximos, em suas críticas, deste último sentido atribuível à cultura, qual seja a do estado de coisas e de organização social em que vivemos, e que varia de época para época. É, pois, deste modo que localizamos a crítica de Freud em O Mal-estar da civilização, e a feita por Nietzsche na Genealogia da Moral.


Trata-se de críticos à moral vigente, ou seja, ao conjunto de regras de comportamento e de valores de uma época, constituindo, cada um à sua maneira, uma espécie de desmitologização do senso comum reinante. Não se trata de críticos do desenvolvimento científico de suas épocas, ou de pensadores que vêem com reservas aspectos do comportamento cotidiano à mesa e ao leito. Sendo essa a natureza da crítica que reúne nossos dois pensadores, também, em boa medida, é a que os diferencia.


Ao tema, voltaremos oportunamente!

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