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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

As lições que vêm do lixo!




Guardem este nome: Solonei Rocha da Silva.
É o ganhador da 48ª medalha de ouro para o Brasil nos Jogos Pan-Americanos encerrados ontem em Guadalajara, México. O que mais importa é que Solonei é, ou foi, gari. Conhecidos como catadores de lixo, foi a eles que Solonei agradeceu pela conquista da medalha.
Vem do lixo, portanto, nossa primeira lição destes dias.

Também nos ensinaram muito os colegas dos três garis atropelados há alguns dias pelo condutor embriagado de uma Toyota Hilux, que voltava de uma balada. Apesar de alguns chutes na porta - talvez manifestação de raiva ou indignação dos mais exaltados, pela tentativa de fuga do atropelador, foram logo contidos pelos seus companheiros. Nenhum deles tentou linchar ou espancar o mal-feitor, e o contiveram até a chegada da polícia.
Veio deles a segunda lição que vem do lixo.

São episódios que trazem à luz a manifestação preconceituosa - embora seguida de pedidos de desculpas formais e rápidas como notas de rodapé - feita pelo apresentador Boris Casoy, quando comentava a notícia dos garis desejando feliz ano novo aos telespectadores, "do alto de suas vassouras" como pronunciou em 'off' naquele canal de televisão.

Por estes três momentos, podemos aprender muito com o lixo, ou melhor, com seus humildes trabalhadores. Como homens tão dignos e honestos estão a anos-luz de distância de nossas elites, que só conseguem vomitar arrogância, desprezo e ranço contra a gente diferenciada que, todos os dias, levanta e trabalha com firmeza, garra e integridade, sem se importar com os "cultos" e "modernos" que, mais e mais, aumentam a distância das vassouras e só diminuem de tamanho.
Agem assim, todos os colonistas do PIG (feliz expressão de Paulo Henrique Amorim) que deitaram falação moral e reacionária sobre o câncer que acometeu Lula, exprimindo não só ódio como ignorância, pois foram além do que a medicina prescreve como relação entre tabaco, álcool e câncer de laringe, preocupados que estão em detratar a figura do maior líder carismático do país nos últimos cinquenta anos. E se arrastam para baixo da mais gasta vassoura que encontraram. A vassoura da mentira, do engodo e da distorção!

Deviam aprender mais com as lições de humildade e dignidade que têm dado, gratuitamente, os catadores de lixo deste país, aqui e lá fora.
Lições que vêm do lixo!


Contra os pestilentos costumes que ignoram nosso folclore.



Não se trata de abraçar aqui nenhuma causa 'nacionalista', assim entre aspas para remeter àqueles que usam este termo para rotular como antiquados e anti-modernos os que tentam defender o espaço, a cultura e a identidade nacional das invasões bárbaras. Não há aqui, nenhuma xenofobia, nenhum sentimento anti-estrangeiro. Mas, é inegável que se pode identificar e questionar o abuso corrente que, junto com a difusão do ensino do inglês, vem sendo perpetrado contra nossos mitos e ritos folclóricos.

Folclore, que como o nome sugere e diz, trata de uma fração das manifestações de um povo transmitidas, principalmente, de forma oral, pelo jeito de contar histórias e lendas, com crianças reunidas em torno de um adulto: papel este ocupado outrora por nossos avós, e atualmente por nossas babás. Não há espaço no universo mental destes personagens, portanto, para as histórias de bruxas e outros monstrengos. Estes são seres habitantes de um universo histórico que remonta às crenças e superstições dos valores e ritos anglo-saxões.

A nós, brasileiros, sincretizou-se um conjunto de histórias e lendas que reúne a longa tradição moura da Península Ibérica, dos escravos trazidos da África e dos habitantes naturais da Terra Brasilis, ao tempo que foi encontrada pelos navegantes portugueses. Aqui há lugar para Sacis, Iaras, Mães d"Água, e também Mouras Tortas, ao lado de lendas sobre deuses brincalhões e outros personagens como o famoso conto do Negrinho do Pastoreio.
Quem quiser consultar este universo terá um bom exemplo na obra de Monteiro Lobato e seu Sítio do Picapau Amarelo. 

Por isso, devemos lamentar e reagir contra esta profusão de festas de Halloween, que nada tem a ver com a ancestralidade de nossos jovens, nem com nossa história.

Contra Halloween, apoio o encantamanto do Saci Pererê. Contra "diabruras ou gostosuras" e fantasias que não tem nada a ver conosco, proponho o encantamento de contar histórias em noites enluaradas a beira de um bom fogão de lenha, deixando a imaginação da criançada correr solta nas labaredas e sombras que lá estão.
Halloween?! Aqui não dá!



domingo, 30 de outubro de 2011

O Enem, o procurador, os colégios particulares e os cursinhos

O Enem, sua metodologia e os vazamentos

Os itens que compõem a prova do ENEM são todos testados previamente. A metodologia da Teoria de Resposta ao Item se baseia num pré-teste, a fim de estabelecer parâmetros sobre cada item, como por exemplo dificuldade, interdisciplinaridade, capacidade de discriminar.

Um item com boa capacidade de discriminação o é porque a maior parte dos estudantes que vão bem no teste (nota agregada) o respondem corretamente, e a maior parte dos estudantes que vão mal o respondem incorretamente.

Calibrar uma prova, levando em conta os parâmetros citados, e outros mais, só é possível através de simulados de ENEM aplicados ao longo do ano em colégios do país afora. Admira que isto ainda seja surpresa, mas é impossível aplicar a metodologia da TRI e também o sigilo absoluto dos itens.

Contraponto 1: não estava previsto que professores pudessem fotocopiar cadernos de questões dos simulados. Tem que fiscalizar quem menos se desconfia.

Contraponto 2: na escolha de questões para a prova, é recomendável uma distribuição geográfica uniforme dos itens que a comporão. Com todas as letras, se há um erro do INEP, foi o de tirar 14 itens de um simulado aplicado em uma escola. Espera-se que, abolido o sigilo absoluto, não seja dado a conhecer a um grupo de potenciais candidatos, por pequeno que seja, o conhecimento sobre parte significativa da prova.

Se algum leitor aqui achou difícil estas explicações, fica fácil entender porque ainda não li em nenhum jornal sobre a impossibidade do sigilo absoluto no ENEM.

O que querem o procurador cearense e seus aliados do sul? Querem a continuação do vestibular como etapa da educação, porque não há escândalo... Mas escândalos podem ser fabricados. A ameaça maior do ENEM foram as palavras do ministro Haddad: em 10 anos, acaba o vestibular no Brasil. O que farão os colégios particulares, os cursinhos e as próprias divisões de concursos dentro das universidades?

Túlio Carvalho

Brasil, o país do futuro chegou?


Economia brasileira pode superar todos os europeus até 2020
Brasil deve ser neste ano a 6ª maior economia mundial
Consultorias e FMI estimam que país vai ultrapassar o PIB do Reino Unido


SÍMBOLO DA EXPANSÃO: Vista de Suape
Daniel Marenco - Folhapress


Economia brasileira pode superar todos os europeus até 2020; crise nos desenvolvidos justifica o novo ranking

ÉRICA FRAGA – FOLHA SP


A crise dos países desenvolvidos ajudará o Brasil a ganhar posições com mais rapidez no ranking de maiores economias do mundo. Em 2011, o Produto Interno Bruto brasileiro medido em dólares deverá ultrapassar o do Reino Unido, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional e das consultorias EIU (Economist Intelligence Unit) e BMI (Business Monitor International).

A estimativa mais recente, da EIU, prevê que o PIB do Brasil alcance US$ 2,44 trilhões, ante US$ 2,41 trilhões do PIB britânico. Com isso, o Brasil passará a ocupar a posição de sexta maior economia do mundo. Em 2010, ao deixar a Itália para trás, o país já havia alcançado o sétimo lugar.

Como a economia brasileira cresce em ritmo menor que a de outros emergentes asiáticos, em 2013, o país deverá perder a sexta posição para a Índia. Mas voltará a recuperá-la em 2014, ano da Copa do Mundo, ao ultrapassar a França, segundo a EIU.

Até o fim da década, o PIB brasileiro se tornará maior do que o de qualquer país europeu, de acordo com projeções da EIU. Depois de passar Reino Unido e França, a economia brasileira deverá deixar a alemã para trás em 2020.

“O fato de que a economia brasileira ultrapassa as de países desenvolvidos reflete os efeitos da entrada de grandes segmentos pobres da população na classe média”, afirma Robert Wood, analista sênior da EIU. Segundo Wood, isso ajuda a impulsionar o consumo doméstico.

A tendência de ascensão dos emergentes já era esperada por especialistas há anos, mas tem ganhado velocidade devido à crise global. Quando o banco Goldman Sachs inventou o acrônimo Brics (que se refere a Brasil, Rússia, Índia e China) em 2003, previa que a economia brasileira ultrapassaria a italiana por volta de 2025 e deixaria os PIBs francês e britânico para trás a partir de 2035.

Desde então, não só a expansão da economia brasileira ganhou fôlego – em grande medida, a reboque do apetite chinês por commodities – como também o crescimento de nações desenvolvidas afundou desde 2008.

Embora a EIU tenha reduzido recentemente as projeções de crescimento do Brasil para 3% e 3,5%, respectivamente, em 2011 e 2012, sua expectativa de expansão do Reino Unido é de apenas 0,7% em ambos os anos.

Segundo especialistas, a principal consequência para o Brasil de galgar lugares no ranking das maiores economias é consolidar uma posição de maior relevância no cenário político mundial.

“O Brasil tende a ganhar maior voz em fóruns internacionais, e é importante que se prepare de forma adequada para assumir esse papel”, afirma o economista Rogério Sobreira, da Ebape/FGV.



Vozes do mundo: Louisy Joseph



Comentário do Senhor C.:

 - Apresentamos Louisy, que também é Joseph. Típica voz feminina que encanta nossos ouvidos e nos convida a sonhar...cantando insones!

Encontro Mundial de Blogueiros

Carta de Foz do Iguaçu


O 1º Encontro Mundial de Blogueiros, realizado em Foz do Iguaçu (Paraná, Brasil), nos dias 27, 28 e 29 de outubro, confirmou a força crescente das chamadas novas mídias, com seus sítios, blogs e redes sociais. Com a presença de 468 ativistas digitais, jornalistas, acadêmicos e estudantes, de 23 países e 17 estados brasileiros, o evento serviu como uma rica troca de experiências e evidenciou que as novas mídias podem ser um instrumento essencial para o fortalecimento e aperfeiçoamento da democracia.

Como principais consensos do encontro – que buscou pontos de unidade, mas preservando e valorizando a diversidade –, os participantes reafirmaram como prioridades:

- A luta pela liberdade de expressão, que não se confunde com a liberdade propalada pelos monopólios midiáticos, que castram a pluralidade informativa. O direito humano à comunicação é hoje uma questão estratégica;

- A luta contra qualquer tipo de censura ou perseguição política dos poderes públicos e das corporações do setor. Neste sentido, os participantes condenam o processo de judicialização da censura e se solidarizam com os atingidos. Na atualidade, o WikiLeaks é um caso exemplar da perseguição imposta pelo governo dos EUA e pelas corporações financeiras e empresariais;

- A luta por novos marcos regulatórios da comunicação, que incentivem os meios públicos e comunitários; impulsionem a diversidade e os veículos alternativos; coíbam os monopólios, a propriedade cruzada e o uso indevido de concessões públicas; e garantam o acesso da sociedade à comunicação democrática e plural. Com estes mesmos objetivos, os Estados nacionais devem ter o papel indutor com suas políticas públicas.

- A luta pelo acesso universal à banda larga de qualidade. A internet é estratégica para o desenvolvimento econômico, para enfrentar os problemas sociais e para a democratização da informação. O Estado deve garantir a universalização deste direito. A internet não pode ficar ao sabor dos monopólios privados.

- A luta contra qualquer tentativa de cerceamento e censura na internet. Pela neutralidade na rede e pelo incentivo aos telecentros e outras mecanismos de inclusão digital. Pelo desenvolvimento independente de tecnologias de informação e incentivo ao software livre. Contra qualquer restrição no acesso à internet, como os impostos hoje pelos EUA no seu processo de bloqueio à Cuba.

Com o objetivo de aprofundar estas reflexões, reforçar o intercâmbio de experiências e fortalecer as novas mídias sociais, os participantes também aprovaram a realização do II Encontro Mundial de Blogueiros, em novembro de 2012, na cidade de Foz do Iguaçu. Para isso, foi constituída uma comissão internacional para enraizar ainda mais este movimento, preservando sua diversidade, e para organizar o próximo encontro.


O Brasil sem LULA?!

do Blog do Luis Nassif

Agora que as notícias dão conta da boa perspectiva de restabelecimento do Lula, é curioso debruçar nas análises apressadas sobre uma era pós-Lula.

Aliás, chocante a maneira como algumas comentaristas celebraram a doença de Lula. Até nos ambientes mais selvagens – das guerras, por exemplo – há a ética do guerreiro, de embainhar as armas quando vê o inimigo caído, por doença, tragédia ou mesmo na derrota. Por aqui, não: é selvageria em estado puro.

A analista-torcedora supos que, com a doença de Lula, haveria uma mudança radical no quadro político. Sem voz, Lula seria como um Sansão sem cabelos. Sem Lula, não haveria Fernando Haddad. Sem contar os diagnósticos médico-políticos-morais, de que Lula foi castigado por sua vida desregrada. Zerado o jogo político, concluiu triunfante.

Num de seus discursos mais conhecidos, Lula bradava para a multidão: “Se cortarem um braço meu, vocês serão meu braço; se calarem a minha voz, vocês serão minha voz…”.

Qualquer tragédia com Lula o alçaria à condição de semideus, como foi com Vargas. O suicídio de Vargas pavimentou por dez anos as eleições de seus seguidores. É só imaginar o que seriam os comícios com a reprodução dos discursos de Lula. Haveria comoção geral.

A falta de Lula seria visível em outra ponta: é ele quem segura a peteca da radicalização. Quem seguraria suas hostes, em caso da sua falta? Seu grande feito político foi promover um pacto que envolveu os mais diversos setores do país, dos movimentos sociais e sindicais aos grandes grupos empresariais. E em nenhum momento ter cedido a esbirros autoritários, a represálias contra seus adversários – a não ser no campo do voto -, mesmo sofrendo ataques implacáveis.

Ouvindo os analistas radicais, lembrando-se da campanha passada, como seria o país caso Serra tivesse sido eleito? É um bom exercício. Não sobraria inteiro um adversário. Na fase Lula, há dois poderes se contrapondo: o do Estado e o da mídia e um presidente que nunca exorbitou de suas funções. No caso de Serra, haveria a junção desses dois poderes, em mãos absolutamente raivosas, vingativas.

Ao fechar todos os canais de participação, Serra sentaria em cima de uma panela de pressão. Sem canais de expressão, muitos dos adversários ganhariam as ruas. Sem a mediação de Lula, não haveria como não resultar em confrontos. Seria uma longa noite de São Bartolomeu.

Essa teria sido a grande tragédia nacional, que provavelmente comprometeria 27 anos de luta pela consolidação democrática.

sábado, 29 de outubro de 2011

A depravação dos Estados Unidos

A cultura dos Estados Unidos foi inundada por um tsunami de mentiras. O marketing se tornou a atividade predominante da cultura. É uma coisa seguida por pessoas de negócios, políticos e pela mídia. O dinheiro é tudo o que importa. Foi-se o tempo em que a ética protestante definia o caráter dos EUA. Ela foi usada pelos sociólogos como fator responsável pelo sucesso do capitalismo na Europa do Norte e nos EUA, mas a ética protestante e o capitalismo se tornaram incompatíveis. A "América" está se tornando uma região de depravação raramente superada pelas piores nações da história. O artigo é de John Kozy.

John Kozy - Global Research

Foi-se o tempo em que a ética protestante definia o caráter dos Estados Unidos. Ela foi usada como fator responsável pelo sucesso do capitalismo na Europa do Norte e na América, pelos sociólogos, mas a ética protestante e o capitalismo são incompatíveis, e o capitalismo, em última análise, faz com que a ética protestante seja abandonada.

Há um novo ethos que emergiu, e as elites governamentais não o entendem. Trata-se do etos da “grande oportunidade”, do “prêmio”, da “próxima grande ideia”. A marcha lenta e deliberada em direção ao sucesso é hoje uma condenação do destino. Junto à próxima grande ideia comercial está o novo modelo do "sonho americano". Tudo o que importa é o dinheiro. Dada essa atitude, poucos na América expressam preocupações morais. A riqueza é só o que se tem em vista; vale inclusive nos destruir para alcançá-la. E se não chegamos lá ainda, certamente em breve chegaremos.

Eu suspeito que a maior parte das pessoas gostaria de acreditar que sociedades, não importa as bases de suas origens, tornam-se melhores com o tempo. Infelizmente a história desmente essa noção; frequentemente as sociedades se tornam piores com o tempo. Os Estados Unidos da América não é exceção. O país não foi benigno em sua origem e agora declina, tornando-se uma região de depravação raramente superada pelas piores nações da história.

Embora seja impossível encontrar números que provem que a moralidade na América declinou, evidências cotidianas estão onde quer que se veja. Quase todo mundo pode citar situações nas quais o bem estar das pessoas foi sacrificado pelo bem das instituições públicas ou privadas, mas parece impossível citar um só exemplo de instituição pública ou privada que tenha sido sacrificada em nome do povo.

Se a moralidade tem a ver com o modo como as pessoas são tratadas, pode-se perguntar legitimamente onde a moralidade desempenha um papel no que está se passando nos EUA? A resposta parece ser: “Em lugar nenhum!” Então, o que tem aconteceu nos EUA para se ter a atual epidemia de afirmações de que a moralidade na América colapsou?

Bem, a cultura mudou drasticamente nos últimos cinquenta anos. Foi isso o que aconteceu. Houve um tempo em que a "América", o "caráter americano", era definido em termos do que se chamava de Ética Protestante. O sociólogo Max Weber atribuiu o sucesso do capitalismo a isso. Infelizmente, Max foi negligente; ele estava errado, completamente errado. O capitalismo e a ética protestante são inconsistentes entre si. Nenhum dos dois pode ser responsável pelo outro.

A ética protestante (ou puritana) está baseada na noção de que o trabalho duro e a ascese são duas consequências importantes para ser eleito pela graça da cristandade. Se uma pessoa trabalha duro e é frugal, ele ou ela é considerado como digno de ser salvo. Esses atributos benéficos, acreditava-se, fizeram dos estadunidenses o povo mais trabalhador do que os de quaisquer outras sociedades (mesmo que as sociedades protestantes europeias fossem consideradas parecidas e as católicas do sul da Europa fossem consideradas preguiçosas).

Alguns de nós afirmam agora que estamos testemunhando o declínio e a queda da ética protestante nas sociedades ocidentais. Como a ética protestante tem uma raiz religiosa, o declínio é frequentemente atribuído a um crescimento do secularismo. Mas isto seria mais facilmente verificável na Europa do que na América, onde o fundamentalismo protestante ainda tem muitos seguidores. Então deve haver alguma outra explicação para o declínio. Mesmo que o crescimento do secularismo tenha levado muita gente a dizer que ele destruiu os valores religiosos juntamente aos valores morais que a religião ensina, há uma outra explicação.

No século XVII, a economia colonial da América era agrária. Trabalho duro e ascese combinam perfeitamente com essa economia. Mas a América não é mais agrária. A economia dos EUA hoje é definida como capitalismo industrial. Economias agrárias raramente produzem mais do que é consumido, mas economias industriais o fazem diariamente. Assim, para se manter a economia industrial funcionando, o consumo deve não apenas ser contínuo, como continuamente crescente.

Eu duvido que haja um leitor que não tenha escutado que 70% da economia dos EUA resulta do consumo. Mas 70% de um é 0,7, ou de dois é 1,4, de três, 2,1, etc. À medida que economia cresce de um a dois pontos do PIB, o consumo deve crescer de 0,7 para 1,4 pontos. Mas o aumento crescente do consumo não é compatível com a ascese. Uma economia industrial requer gente para gastar e gastar, enquanto a ascese requer gente para economizar e economizar. A economia americana destruiu a ética protestante e as perspectivas religiosas nas quais foi fundada. O consumo conspícuo substituiu o trabalho duro e a poupança.

No seu A Riqueza das Nações, Adam Smith afirma que o capitalismo beneficia a todos, desde que cada um aja em benefício dos outros. Agora estão nos dizendo que “economizar mais e cortar gastos pode ser um bom plano para lidar com a recessão. Mas se todo mundo proceder assim isso só vai tornar as coisas piores....aquilo de que a economia mais precisa é de consumidores gastando livremente”. A grande recessão atingiu Adam Smith na sua cabeça, mas o economista admitiria isso. “Um ambiente em que todos e cada um quer economizar não pode levar ao crescimento. A produção necessita ser vendida e para isso você precisa de consumidores”.

Poupar é (presumivelmente) bom para indivíduos, mas ruim para a economia, a qual requer gasto contínuo crescente. Se um economista tivesse dito isso na minha frente, eu teria lhe dito que isso significa claramente que há algo fundamentalmente errado com a natureza da economia, que isso significa que a economia não existe para prover as necessidades das pessoas, mas que as pessoas existem apenas para satisfazer as necessidades da economia. Embora não pareça isso, uma economia assim escraviza o povo a quem diz servir. Então, de fato, o capitalismo industrial perpetrou a escravidão; ele tem reescravizado aqueles que um dia emancipou.

Quando o consumo substituiu a poupança na psique americana, o resto de moralidade afundou junto na depravação. A necessidade de vender requer marketing, o que nada mais é que a mentira das mentiras. Afinal de contas, toda empresa é fundada no que disse o livro de Edward L. Bernays, de 1928: Propaganda. A cultura americana tem sido inundada por um tsunami de mentiras. O marketing se tornou a atividade predominante da cultura. Ninguém pode se isolar disso. É uma coisa seguida por pessoas de negócios, políticos e pela mídia. Ninguém pode ter certeza de estarem lhe contando a verdade a respeito de alguém. Nenhum código moral pode sobreviver numa cultura de desonestidade, e de resto, ninguém pode!

Tendo subvertido a ética protestante, a economia destruiu toda ética que a América um dia promoveu. O país tornou-se uma sociedade sem um etos, uma sociedade sem propósito humano. Os americanos se tornaram cordeiros sacrificáveis para o bem das máquinas. Então, um novo etos emergiu do caos, um etos que a elite governamental desconhece completamente.

Diz-se frequentemente que Washington perdeu o contato com as pessoas que governa, que não entende mais seu próprio povo ou como sua cultura comum funciona. Washington e a elite do país não entendem isso, mas a cultura não valoriza mais o certo sobre o errado ou o trabalho duro e a ascese sobre a preguiça e a extravagância. Hoje os americanos estão buscando a “grande oportunidade”, o “prêmio”, a “próxima grande ideia”. O Sonho Americano foi hoje reduzido ao “acertar em cheio!”. A longa e deliberada estrada para o sucesso é uma condenação. Vejam American Idol, The X-Factor e America’s Got Talent e testemunhe a horda que se apresenta para os auditórios. Essas pessoas, em sua maior parte, não trabalharam duro em nada na vida. Contem o número de pessoas que regularmente apostam na loteria. Esse tipo de aposta não requer trabalho algum. Tudo o que essas pessoas querem é acertar em cheio. E quem é nosso homem de negócios mais exaltado? O empreendedor!

Empreendedores são, na sua maior parte, fogo de palha, mesmo que haja exceções notáveis. O problema com o empreendedorismo, no entanto, é a alta conta em que passou a ser tomado. Mas o único valor ligado a ele é a quantidade de dinheiro que os empreendedores têm feito. Raramente ouvimos alguma coisa a respeito do modo nefasto como esse dinheiro foi feito. Bill Gates e Mark Zuckerberg, por exemplo, dificilmente representam imagens de pessoas com moralidade exemplar, mas na economia sem escrúpulos morais, ninguém se importa; tudo o que importa é o dinheiro.

Dada essa atitude, por que alguém, nessa sociedade, expressaria preocupações morais? Poucos na América o fazem. Assim, enquanto a elite americana fala na necessidade de produzir força de trabalho sustentável para as necessidades de sua indústria, as pessoas não querem nada disso.

A elite frequentemente lastima a falência do sistema educacional americano e tem tentado melhorá-lo sem sucesso, por várias décadas. Mas se alguém presta atenção no atual estado de coisas na América, vê que a maior parte dos empreendedores de sucesso são pessoas que abandonaram faculdades. Como se pode convencer a juventude de que a educação universitária é um empreendimento que vale a pena? Assim como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg mostraram, aprender a desenhar um software não requer graduação universitária. Nem ganhar na loteria ou vencer o American Idol. Fazer parte da Liga Nacional de Futebol pode requerer algum tempo na universidade, mas não a graduação. Todo o empreendedorismo requer uma nova ideia mercantil.

Entretenimento e esportes, loterias e programas de jogos e disputas, produtos de consumo de que as pessoas não tiveram necessidade por milhões de anos são agora as coisas que formam a cultura americana. Mas não são coisas, são lixo; não podem formar a base de uma sociedade humana estável e próspera. Esta é uma cultura governada meramente por um atributo: a riqueza, bem ou mal havida!

A capacidade humana de autoengano é sem limites. Os estadunidenses vêm se enganando com a crença de que a riqueza agregada, a soma total de riquezas, em vez de como ela é distribuída, dá certo. Não importa como foi obtida ou o que foi feito para se obter tal riqueza. A riqueza agregada é a única coisa que se tem em vista; é algo pelo que vale à pena destruir a nós mesmos. E mesmo que não o tenhamos alcançado ainda, em breve certamente o conseguiremos.

A história descreve muitas nações que se tornaram depravadas. Nenhuma delas jamais se reformou. Nenhum garoto bonito pode ser convocado para desfazer a catástrofe do Toque de Midas. O dinheiro, afinal de contas, não é uma coisa de que os humanos precisem para sobreviver, e se o dinheiro não é usado para produzir e distribuir as coisas necessárias, a sobrevivência humana é impossível, não importa o quanto de riqueza seja agregada ou acumulada.

(*) John Kozy é professor aposentado de filosofia e lógica que escreve sobre assuntos econômicos, sociais e políticos. Depois de ter servido na Guerra da Coréia, passou 20 anos como professor universitário e outros 20 trabalhando como escritor. Publicou um livro de lógica formal, artigo acadêmicos. Sua página pessoal é http://www.jkozy.com onde pode ser contatado.

Tradução: Katarina Peixoto

Força, LULA

Lula é diagnosticado com tumor de laringe


(Reuters) - O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva foi diagnosticado neste sábado com um tumor localizado de laringe, segundo informou o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Após exames realizados neste sábado no hospital, foi definido tratamento inicial com quimioterapia.

"O paciente encontra-se bem e deverá realizar o tratamento em caráter ambulatorial", afirmou o hospital.

Segundo a assessoria de imprensa, Lula deverá deixar o hospital ainda neste sábado.
O ex-presidente deverá retornar na semana que vem ao Sírio-Libanês para iniciar o tratamento.

Lula, que governou o Brasil de 2003 a 2010, completou 66 anos na última quinta-feira.
O ex-presidente deixou o governo com o país apresentando forte crescimento econômico. Seu governo também foi marcado por amplos programas sociais e pela melhoria de vida de milhões de brasileiros.

A equipe médica que assiste o ex-presidente é coordenada pelos médicos Roberto Kalil Filho, Paulo Hoff, Artur Katz, Luiz Paulo Kowalski, Gilberto Castro e Rubens V. de Brito Neto.

(Por Juliana Schincariol e José de Castro)



Milorde, olha o seu rabo e deixa o do vizinho





A revista (conservadorissíma), The Economist, inglesa, publica hoje uma matéria digna da hipocrisia da “corte” econômica londrina.
Ela diz que a reputação do Banco Central do Brasil “está sendo manchada” pela redução da taxa de juros interna. E uma redução que foi de menos de um décimo, de 12,5% para 11,5%.

Acusa nossa autoridade monetária de “estar focada no crescimento econômico” em lugar de zelar de sua missão de guardião da moeda.
Que cinismo!

Dizem isso porque o crescimento – e, com ele, o emprego, a renda, o consumo, e a atividade econômica – é no Brasil. Quando se trata deles próprios, a história é completamente diferente.
Querem ver? O banco central inglês, desde 2009, mantém sua taxa de juros em 0,5% ao ano, o menor nível da história, vinte vezes menor do que a brasileira, em valores percentuais.

E a inflação na Corte de Sua Majestade, por acaso é comportadinha como uma “lady”?
Coisa nenhuma. Fechou setembro acumulando uma alta de 5,2%, mais do que o dobro da meta de 2% fixada pelo Banco Central inglês. Vejam bem, seria a mesma coisa que temos aqui, uma inflação de quasse 12% ao ano! O dobro, quase, da que vamos ter.

O juro real na Inglaterra, com essa inflação, é negativo em 4,5% ao ano enquanto os nossos são positivos, e de mais de 5%, no mesmo prazo.

E não aparece ninguém no jornalismo econômico brasileiro que tenha a coragem de lhes apontar o dedo e dizer o quanto há de cinismo nessa crítica pretensiosa e desonesta.
Porque não é incompetência, por trata-se de uma das mais importantes publicações do setor no mundo. É arrogância, mesmo.

Que vergonha!

Vivem, ao contrário, bajulando o que receita esta “nobreza”. Fica a dúvida se é por ignorância ou por pusilanimidade.
Se de um lado existem as “cabeças coroadas”, com seu ar empertigado, é porque, de outro, existem as “cabeças colonizadas”, sempre abaixadas pela submissão.
by Tijolaço.com


Resgatando MARX

Kluge enxerga um Marx esquecido




Filme de cineasta alemão debate O Capital inspirado por Eisenstein, e sugere, em 8 horas, roteiros para repensar marxismo

Por Arlindenor Pedro

Separei este último final de semana para assistir em DVD a obra de Alexander Kluge (foto), que no Brasil tomou o nome de Noticias da Antiguidade Ideológica: Marx, Eisenstein e o Capital. Em mais de oito horas de duração, distribuídos em 3 DVDs , esta obra do genial diretor alemão, realizada em 2008, no auge da crise financeira mundial, nos faz mergulhar no universo criativo do diretor russo Serguei Eisenstein, do Encouraçado Potemkin, e nas ideias de um dos mais importantes pensadores da humanidade: Karl Marx, articulando-as com a realidade do mundo contemporâneo. Uma bela iniciativa da distribuidora Versátil, em parceria com o Instituto de Tecnologia Social (ITS), o Goethe-Institut São Paulo e o SESC. Obra original, um documentário com expressivas inovações estéticas, que merece ser vista e comentada.

Tudo parte de uma ideia de Eisenstein. Após terminar as filmagens de “Outubro”, ele quis lançar-se à aventura de filmar a maior obra de Marx: O Capital. Desenvolveu um projeto original e ambicioso, nascido da leitura que fizera de Ulisses, de James Joyce, e de suas observações sobre quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Inspirado no personagem de Joyce, queria mostrar em apenas um dia todos os meandros do sistema capitalista – sua engrenagem avassaladora. Uma das suas notas, encontradas após a sua morte, dá a dimensão da tarefa a que se propôs: “A decisão está tomada: irei filmar O Capital, segundo roteiro de K.Marx. Esta é a única saída possível”.

Como se sabe, Eisenstein nunca realizou seu plano. O filme de Alexandre Kluge parte desta ausência. Ele convoca uma grupo de conhecedores de Eisenstein, Joyce e Marx – pensadores, poetas, escritores, atores, maestros – para um exercício. Pede que imaginem como seria o filme do cineasta russo.

Aparece-nos, então, um Marx diferente do que é usualmente mostrado, sem os conceitos reducionistas do marxismo positivista que imperou durante todo o século passado. Ele surge como um pensador que abre caminho para o entendimento do capitalismo em sua mais completa forma existencial, que hoje podemos enxergar mais claramente. Por meio do relato e do debate com convidados, o filme quer revelar o mundo da mercadoria: o que é; como o modo de produção capitalista abriu-lhe o grande teatro da existência; como ela se transformou, ao longo do tempo. Surgem novos elementos para compreender a sociedade contemporânea e o império do fetiche, que nos encanta num mundo desencantado.

Pela estética peculiar do filme desfila o pensamento de gente como o filosofo Peter Sloterdijk, o escritor Hans Magnus Enzensberger, o poeta Durs Grubein, o cineasta Tom Tykwer e muitos outros intelectuais e artistas. Em alguns momentos, parece que estamos dentro de um outro filme, pequenos curtas, entrelaçados no mesmo objetivo: as ideias contidas na obra de Marx.

Muito bem documentado e com imagens impressionantes, o filme não se limita ao debate – necessariamente árido – da obra de Marx. Relata fatos curiosos. Permite-nos saber, por exemplo, que o túmulo de Marx no cemitério de Highgate (Londres), visitado por tantos, é na verdade é um monumento erguido pelos soviéticos em homenagem ao grande escritor alemão. Seu corpo foi depositado na parte judia do cemitério, em um lugar modesto, abandonado e mal cuidado-longe do público. Ou que, em pleno débacle financeiro do mundo capitalista em 1929, o Comitê Central da União Soviética tomou a decisão de “comprar ativos” do mundo ocidental, mobilizando para tanto obras de arte e riquezas do antigo império tzarista. Emprestava dinheiro aos capitalistas aterrorizados, imaginando fazê-los devedores do poder soviético, numa estratégia similar à da China nos dias atuais. Tal empreitada não foi adiante devido à carência de quadros comunistas que dominassem a arte da negociação financeira nas grandes praças capitalistas.

O filme – inclusive nos “extras”, verdadeiros filmes dentro do filme, como a entrevista com o cineasta francês Jean-Luc Godard – navega nos mesmos mares dos marxistas que se desviaram dos cânones do stalinismo e do marxismo oficial, imperante a partir da 3ª Internacional. Pensamentos e citações de filósofos ligados a Escola de Frankfurt, como Walter Benjamin, Adorno e Horkheimer (com A Dialética do Esclarecimento), jogam importante papel na leitura de um Marx que abre caminhos para entender a sociedade da mercadoria em que vivemos. Ao polemizar com o próprio Marx a respeito de uma frase célebre (“A revolução é a locomotiva da história”), Benjamim diz que, ao contrário, “a revolução é o freio de emergência que serve para travar o trem que caminha para a desgraça”. Isto é: ela serve para fazer retornar os acontecimentos à historia. No caso da Revolução Francesa, e mesmo das guerras napoleônicas, seus lideres tiveram a visão de que o avanço do capitalismo, com mudanças no modo de produção, exigia um novo olhar sobre a sociedade, do qual os lideres da aristocracia eram incapazes. Desta forma, retomaram o rumo da historia; põem abaixo a sociedade feudal, instaurando um novo regime. Um freio no trem caminhava para o abismo, para crise.

O marxismo dito oficial sempre teve uma visão linear da história, com os modos de produção sucedendo-se em direção ao progresso. Seus defensores enxergavam o comunismo como o final dos tempos, assim como os milenaristas do 5º Império de Portugal.

É caso de perguntar: os movimentos socialistas do século passado não teriam sido avalizadores da mundo contemporâneo, dando uma face mais “humana” ao capitalismo selvagem dos primeiros tempos, em que a exploração era levada aos limites da vida? Limitados por sua visão “progressista”, concentrados em assegurar o domínio sobre os bens de produção, não teriam substituído os capitães do capitalismo pelos capitães industriais do socialismo? Isso não significou esquecer o elemento central da crítica de Marx: a própria mercadoria?

Se a resposta for positiva, deveríamos voltar a Marx e pensar uma nova sociedade capaz de superar a lógica do “valor de troca”, que leva a dar a qualquer bem uma equivalência monetário e obriga os seres humanos, em consequência, a comprar a vida segundo o poder aquisitivo de cada um. A obra de Kluge nos condvida a retomar tal utopia, o principal legado de Marx.



sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Hora do samba-exaltação: Língua de Trapo



Comentário do Senhor C.:

- Sensacional! Numa sexta-feira quase tão letárgica de tanto calor é um bálsamo poder ouvir esta canção: um samba exaltação de nossas melhores tradições!

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O que é terrorismo?

Mentes doentes e não religiões produzem terrorismo. Um economista político paquistanês debate o conceito de terrorismo.



Desde 11 de Setembro de 2001, terrorismo é uma palavra que não sai dos noticiários. O conceito não era novo, mas ganhou popularidade após a catástrofe das Torres Gêmeas. Hoje, com os olhos voltados para o Oriente Médio – em virtude dos últimos acontecimentos relacionados à Primavera Árabe e à questão conflituosa entre Israel e Palestina – a mídia ocidental se mostra acostumada a relacionar o tema a esta parte do mundo (e ao Sul da Ásia) e suas populações islâmicas.

Mas, afinal, o que define terrorismo? Em um texto de Niaz Murtaza, publicado no periódico paquistanês Dawn, o economista político da Universidade de Berkeley (Califórnia) tece importantes comentários e faz algumas perguntas, que permanecem sem respostas.

Ainda que não exista consenso na comunidade internacional sobre uma definição legal apropriada, pode-se, no entanto, afirmar que terrorismo significa, literalmente, usar o terror como estratégia. Mas, Murtaza sustenta que a definição é muito ampla para ser útil. Sustenta, ainda, a existência de sub-tipos de terrorismo, entre os quais o mais controverso seria o terrorismo político.

O economista entende que, apesar da controvérsia, o terrorismo político teria uma essência inequívoca: “deliberadamente atacar fisicamente não-combatentes ao perseguir objetivos políticos, mesmo que estes objetivos sejam justos”.

Sendo assim, Murtaza questiona e analisa:

1 – Quem luta pela liberdade não pode ser considerado terrorista?

Lutadores pela liberdade encarando fortes exércitos geralmente começam a alvejar não-combatentes e justificam seus meios repugnantes, argumentando a justiça de seus objetivos. Se considerados terroristas, isso significa que os fins não justificam os meios e muitos movimentos de resistência global, por exemplo, no Afeganistão, na Índia, no Paquistão e Colômbia estão engajados em terrorismo.

2 – Estados cometem terrorismo?

Estados que, inadvertidamente, matam não-combatentes durante combate, não cometem terrorismo, mas podem ser responsabilizados por crimes de guerra (ofensa igualmente séria, se eles não seguirem as lei internacionais de proteção a não-combatentes durante guerras).

O terrorismo de Estado somente se configuraria quando oficiais de alta-patente dessem apoio material a terroristas ou soldados para deliberadamente alvejar não-combatentes. Assim, teoricamente, as perdas civis causadas inadvertidamente pelos americanos no Iraque durante combate não podem ser consideradas terrorismo, apesar de algumas delas poderem consituir crimes de guerra. Entretanto, a tortura de prisioneiros, devidamente aprovada pelos oficiais da era-Bush, certamente configura terrorismo de Estado, bem como o ataque à bomba em Hiroshima, provavelmente o mais destrutivo ataque terrorista de todos os tempos.

3 – Quem é o responsável pelas milhares de pessoas mortas em atentados terroristas no Paquistão?

Alguma pessoas culpam os governos paquistanês e americano, argumentando que suas políticas provocaram militantes ao terrorismo. ‘Provocação’ é um termo jurídico que pode ser usado para mitigar alguns crimes. Mulheres britânicas que matam maridos altamente abusivos enquanto em estado de trauma, podem alegar provocação em suas defesas, mas meramente para requerer uma sentença mais leve. Além disso, não lhes é dado direito de matar qualquer um em retaliação, nem seus parentes podem invocar ‘provocação’ para matar seus maridos. Devido a esses severos requerimentos, pode alguém do FATA (Áreas Tribais Administradas pela Federação), mesmo que ele ou ela infelizmente perca um familiar não-combatente para a ação militar dos Estados Unidos ou do Paquistão justificadamente invocar ‘provocação’ se ele ou ela viajar até Islamabad ou Karachi (cidades paquistanesas) para se vingar exatamente em não-combatentes, ao invés de se decidir pela curta jornada aos perpetradores ou aos tribunais?

Ao olhar a situação sob o ponto de vista da responsabilidade política, é verdade que ambos os governos tem contribuído indiretamente para o terrorismo na região; No entanto, essa culpabilidade política não pode diminuir a culpabilidade jurídica de terroristas. Existem outras maneiras mais razoáveis de protestar contra más políticas de governo, tais como protestos pacíficos e ações em tribunais. Existem respostas apropriadas para atos inapropriados. Aqueles que agem inapropriadamente em resposta merecem apropriada punição tais quais aqueles que praticaram o ato inapropriado original.

4 – Por fim, o terrorismo está ligado a alguma religião em particular?

Analistas tendenciosos alegam que, apesar de não todos os muçulmanos serem terroristas, quase todos os terroristas seriam muçulmanos. Fatos facilmente desmentem essa distorção. Enquanto a Al Qaeda tem atraído a maior atenção desde que atacou o Ocidente, terrorismo altamente clamoroso tem sido cometido mais frequentemente por outros, na História recente. Alguns mesmo cometidos em nome da religião, por exemplo, o Exército de Resistência do Senhor, na África, rotineiramente ataca vilarejos, decepando membros de homens, matando milhares, estuprando mulheres na frente de suas famílias e as tomando como amante (escravas sexuais). Outros foram cometidos em nome de nacionalismo e ideologia, por exemplo, os massacres civis na Ruanda, na ex-Iugoslávia, no Camboja. Porém, esses barbarismos não refletem as lições originais dessas religiões ou ideologias, assim como o barbarismo da Al Qaeda não reflete os ensinamentos islâmicos. No Islã, quem quer que mate uma pessoa inocente é como se tivesse matado toda a humanidade. Mentes doentes e não religiões produzem terrorismo.

Assim, uma análise objetiva do terrorismo demanda uma definição clara, a qual pode não agradar a poderes maiores (durante o governo Bush, a definição americana de terrorista degenerou em “qualquer pessoa que nós consideremos um”), e precisa ser baseada em fatos imparciais. Por fim, demanda diferenciação entre causas imediatas e indiretas. Até agora, esses requerimentos simples tem desconcertado governos do mundo inteiro.


Steve Jobs mudou o mundo?!




Steve Jobs teria “mudado o mundo”? Ensaio sobre os hábitos de consumo e condições de trabalho que sua empresa reforçou

Por Tadeu Breda
@tadeubreda

Quando Steve Jobs morreu de câncer pancreático no último dia 5 de outubro, o presidente dos Estados Unidos lamentou a perda recordando os atributos pessoais e profissionais daquele que, disse, foi um dos maiores inovadores americanos. “Era valente o suficiente para pensar diferente, audacioso o suficiente para acreditar que poderia mudar o mundo e talentoso o suficiente para fazer isso.” Barack Obama lembrou ainda que Steve Jobs “transformou nossas vidas, redefiniu indústrias inteiras e alcançou uma das mais raras façanhas da história humana: mudou a forma como cada um de nós enxerga o mundo”.

Com diferentes matizes, declarações semelhantes reproduziram-se pelo mundo conforme a notícia sobre o falecimento do fundador da Apple ganhava audiência. Personalidades e anônimos da imprensa, da tecnologia e do design homenagearam o gênio criativo de Steve Jobs com os elogios de revolucionário, inovador, visionário — e daí pra cima. As revistas de maior circulação e prestígio estamparam capas com Steve e dedicaram longas reportagens ao seu legado. Pontes, ruas e estradas foram batizadas com seu nome. Fui ao hospital logo depois da tragédia e, pelos corredores, o corpo médico não falava em outra coisa.

Nas Apple Stores, lojas exclusivas da empresa, fãs colocaram flores, bilhetinhos e maçãs para demonstrar seu carinho ao inventor do iPod, iPhone e iPad. Bordões digitais, como Thank You Steve (Obrigado, Steve), RIP Steve (Descanse em Paz, Steve) e iSad (Eu, Triste), percorreram Twitter e Facebook. O saite da Apple, claro, rendeu as devidas homenagens a seu mentor. E, para coroar as celebrações internéticas, um grupo de admiradores criou, no 14 de outubro, o Steve Jobs Day, um dia inteiramente dedicado a celebrar sua vida e obra — e agradecê-lo pelo que fez. Na página, fotos de gente dos quatro cantos do mundo imitando as poses históricas do empresário.

Como a imensa maioria da população mundial, nunca tive nenhum produto da Apple — o que, para mim, não é motivo nem de vergonha nem de orgulho. Talvez por isso tive dificuldades para entender o porquê de tantas e tão sentimentais homenagens. Idolatria barata? Falta do que fazer? Afetação? Reconhecimento merecido? Existia alguma coisa aí cuja compreensão me escapava. Então, resolvi amolar pessoas próximas que possuem pelo menos uma das pequenas maravilhas tecnológicas da Apple e bombardeá-las de perguntas.

É gente comum, que usa os inventos de Steve Jobs no dia a dia para trabalhar, divertir-se ou realizar algumas tarefas corriqueiras que, antes, realizavam de outra maneira — ou, simplesmente, não realizavam. Fazer a contabilidade pessoal, por exemplo, ou bater papo com os amigos. Quis saber se renderiam homenagens póstumas a Steve; que relação mantinham com seu aparato; por que o sujeito foi endeusado pelos consumidores de seus produtos etc. O método não é nada científico ou representativo da realidade, mas me ajudou a entender algumas coisas — e pode ser que também te ajude, se você, como eu, está por fora da Applemania.

“Steve Jobs fez as pessoas sentirem que suas vidas poderiam ser melhores”, me diz um amigo. Estávamos conversando pelo telefone quando introduzi o assunto que me intrigava havia já alguns dias. Afinal, era só um empresário, não? — perguntei. “Não, cara”, prosseguiu. “Steve Jobs era o melhor vendedor do mundo. Era um líder. E um líder, dentro do capitalismo, dá sentido à vida das pessoas através do consumo.”

Ok, é um ponto de vista. Não soube o que dizer, e por isso fiquei em silêncio, esperando os argumentos seguintes. Então meu amigo emendou: “Possuir um produto da Apple dá a sensação de fazer parte de algo importante, relevante, estiloso e refinado, que está gerando um impacto tremendo em todo o mundo.” Isso já é mais fácil de entender — mais do que encontrar o sentido da vida num aparelhinho multifuncional com a tela sensível ao toque. Pode a existência de alguém completar-se totalmente com a mera posse de um iPhone?

Ninguém duvida que o iPod, em 2001, e o iTunes, em 2003, reinventaram o negócio da música, que estava numa sinuca de bico com a “ameaça” da internet. O iPhone, lançado em 2007, mudou a maneira como as pessoas se relacionam com a telefonia celular, com a fotografia, os vídeos e as redes sociais — como cansaram de dizer por aí, Steve Jobs colocou a internet em nosso bolso. O iPhone mudou também a maneira como seus proprietários se relacionam entre si. Depois veio o iPad, em 2010, e decretou como deveria ser a nova geração de tablets que ganhariam o mercado.

Cada novo lançamento da Apple — estrelado por Steve Jobs em calça jeans, tênis e camisa preta de gola rolê — era um acontecimento repercutido pela imprensa comercial em todo o mundo. Saíam na TV, nos jornais, na internet. Especialistas da informática os interpretavam como o mais novo passo na caminhada tecnológica do ser humano, o padrão a ser imitado por todas as outras empresas que querem continuar vivas e vendendo. O frison era geral na opinião pública.

Não é difícil entender porque as pessoas sentem impulso por fazer parte de algo que parece ser tão importante. E o caminho para que um reles mortal integre o movimento internacional pela alta tecnologia de bolso é um só — rápido, prazeroso e divisível em suaves prestações: basta comprá-lo e você está dentro. Pode ser que um aparelho da Apple transforme o consumidor em partícipe de uma causa: a alabada “revolução” causada por Steve Jobs.

“Jobs sacou uma coisa: as pessoas não sabem o que querem. Logo, começou a fazer produtos que elas iriam não apenas querer, mas desejar”, agora quem diz é uma amiga. “Vamos transformar os produtos em bens de consumo, mais que isso, sonhos de consumo! Num mundo capitalista, ele se deu muito bem.” Gênio do marketing, pois. Não há dúvidas. Steve Jobs criou uma aura de adoração ao redor de seus aparatos. Pra muita gente, não são meros produtos: são arte. Na Apple, Steve diariamente inculcava em seus funcionários a certeza de que eram artistas. Basta lembrar que o pioneiro Macintosh — criado em 1983 e lançado em 1984 como primeiro computador pessoal a congregar interface gráfica e mouse, algo hoje corriqueiro — faz parte do acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

“Steve Jobs vendeu sonhos, criou coisas sedutoras e fez com que o mundo quisesse uma maçã mordida. É tão intuitivo, é tão fácil manusear um produto da Apple, tão simplificado que todas as outras coisas se tornam feias e complexas demais.” Nisso muita gente coincide. “Os produtos da Apple são bons”, explica outra amiga. “É o que há de melhor no mercado. São tão bons que as pessoas não se importam em pagar um pouco mais, porque sabem que suas expectativas serão plenamente satisfeitas.”

É bem provável que os fãs que se deram o trabalho de caminhar até uma Apple Store e depositar uma flor para Steve Jobs nunca tenham visto seu Mac dar um pau violento, como acontece com o Windows. O mesmo com os milhares de admiradores que inundaram a internet com manifestações de apreço ao criador das mais novas pequenas maravilhas do mundo. Provavelmente, nunca perderam horas de trabalho por causa de uma falha geral do sistema. Senão, qual o sentido de tantas declarações de amor e gratidão?

“A Apple está diretamente atrelada ao nome do Jobs”, continua meu amigo, aquele primeiro. “As pessoas confundem as duas coisas, personificam. Como gostam muito dos dispositivos, é uma maneira de agradecer quem os fez possível. É como se Jobs fosse o grande responsável pela dádiva que me foi concedida de ter um produto da Apple.”

A associação entre criador e criatura se faz ainda mais automática se lembramos que Steve Jobs possuía mais de 300 patentes em seu nome — 317, para ser mais exato. O New York Times publicou todas elas. Vão desde computadores de mesa, laptops, monitores, mouse e teclados até fontes de energia, escadas, sistemas operacionais, telefones celulares e alguns aparelhos que jamais foram lançados. Praticamente tudo que a Apple fez tem, senão o dedo, pelo menos o nome de Steve Jobs.

Podemos recapitular e resumir seu legado utilizando as palavras de Michael Calore, da revista Wired. “Jobs não foi apenas um empresário experiente, mas um visionário que tomou para si a missão de humanizar a computação pessoal, reescrevendo as regras do design para usuários, para softwares e hardwares. Suas ações repercutiram em toda a indústria: ele abalou o negócio da música, arrastou as operadoras de telefonia móvel para o ringue de boxe, mudou a forma de vender informática e alterou para sempre a linguagem das interfaces de computador. Ao longo do caminho, fez da Apple uma das corporações mais valiosas do mundo.”

Certo, eu entendo tudo isso. E me somo ao coro não dos fãs, mas dos que reconhecem a importância de Steve Jobs na formatação da rotina que levamos hoje em dia nas grandes e médias cidades. Afinal, estou escrevendo este texto num computador, que não é Macintosh, mas cuja estrutura de funcionamento deve muito às apostas comerciais feitas pela Apple nos anos 1980. Porém, tudo o que meus amigos me falaram — e o que li na imprensa comum e especializada — não parece suficiente para sustentar a afirmação de que Steve Jobs é o cara.

“Mas você esperava o quê? Que ele tirasse as crianças da rua?”, me perguntam. Claro que não, apesar de achar que mudar o mundo é isso. Mas eu esperava, pelo menos, que as pessoas não saíssem por aí chamando um empresário de revolucionário quando, longe da sofisticação dos produtos da Apple, existe uma cadeia de produção que é exatamente a mesma que existe há séculos — e que causa exploração nas linhas de montagem terceiromundistas para disponibilizar conforto e bem-estar nas prateleiras das butiques tecnológicas ao redor do mundo.

Chamar Steve Jobs de gênio do marketing, do design, da informática e da tecnologia, tudo bem. Mas chamá-lo de gênio, simplesmente, ou revolucionário, visionário etc. me parece um exagero, um equívoco e uma falta de sensibilidade. Pior é dizer, como Barack Obama, que Steve mudou o mundo. Ora, mas que mundo? De que mundo estamos falando, afinal?

Certamente não é do mundo dos trabalhadores que fabricam os produtos da Apple nos galpões da Foxconn instalados nas cidades chinesas de Shenzen e Chengdu. Ali, cumprem jornadas excessivas, de pelo menos 10 horas diárias, que se transformam facilmente em 15 ou 16 devido às horas-extras que acabam cumprindo. Um repórter do jornal chinês Southern Weekend infiltrou-se na fábrica da Foxconn para relatar o dia a dia dos funcionários. Disse que o salário médio é de 130 dólares mensais. E que, graças à baixa remuneração, as horas-extras são uma espécie de obrigação autoimposta aos trabalhadores. Os chefes não obrigam, mas tampouco pagam suficientemente bem para que os funcionários tenham autonomia para decidir não trabalhar a mais. “Sem horas-extras, você dificilmente consegue viver”, disse.

Por isso, cumprem expedientes de 60 a 80 horas por semana. Quando a Foxconn deve responder aos exíguos prazos impostos pelo departamento comercial da Apple, as jornadas se estendem — compulsoriamente, se for preciso. “A demanda pelo primeiro iPad foi tão intensa que os trabalhadores afirmam que tiveram que trabalhar 7 dias por semana durante o pico de produção”, publicou o jornal britânico The Guardian.

Uma reportagem da Bloomberg Bussiness Week informa que nas linhas de montagem da Foxconn é proibido conversar. Os funcionários têm direito a uma pausa de 10 minutos para ir ao banheiro a cada duas horas de trabalho. Quando estão apertados, devem levantar a mão e esperar que um supervisor lhes dê a ordem para sair. Deixar as instalações da empresa também não é tão simples. Os empregados da Foxconn em Shenzen moram na fábrica. De acordo com o Guardian, a companhia disponibiliza dormitórios coletivos para até 24 pessoas. São quartos decentes, mas com rígidas regras de convivência. Muitos funcionários visitam a família apenas uma vez por ano.

O jornalista Joel Jonhson foi enviado pela revista Wired para ver com os próprios olhos a situação dos trabalhadores na fábrica da Foxconn em Shenzen, onde trabalham, comem e dormem 500 mil pessoas. A reportagem que produziu é, de longe, o melhor e mais completo relato jornalístico produzido sobre a gigante tecnológica — que é, sozinha, a maior empregadora privada da China, com 1 milhão de funcionários em todas as suas filiais.

“O trabalho em si não é desumano”, escreveu. “A não ser que você considere desumano um lugar de trabalho repetitivo, exaustivo e alienante, sobre o qual o funcionário não tem nenhuma influência ou autoridade.”


Alguns dados podem ajudar o leitor a pensar. Quando chegou à fábrica da Foxconn, a primeira coisa que chamou a atenção do jornalista foram as redes. Isso mesmo, redes, como aquelas que, no circo, protegem os trapezistas de qualquer queda inesperada sobre o picadeiro. Na empresa, porém, as quedas — ou melhor, os saltos — são esperados. E não, não há ninguém trabalhando do lado de fora dos edifícios, pendurados por cordas. Alguns funcionários da Foxconn se jogam pela janela.

Entre 2007 e 2010, foram 17 suicídios, trabalhadores que simplesmente se lançaram no vazio e esboracharam no chão. Daí as redes. Agora, quem não aguenta a rotina de trabalho e resolve acabar com a própria vida tem grandes chances de não morrer. Assim, evitam dores de cabeça nos executivos da Foxconn e da Apple.

Além das redes, a direção da companhia tomou outras medidas para reduzir a taxa de suicídio entre seus funcionários. Segundo o Guardian, contrataram um monge para exorcizar os espíritos malditos da linha de montagem. Depois, começaram a sugerir que os jovens se mataram para que suas famílias recebessem as compensações financeiras que a empresa teria que desembolsar. Então, decidiram evitar tamanho oportunismo obrigando os trabalhadores a assinar um termo contratual em que se comprometem a não cometer suicídio. Caso acabem se jogando do prédio, um dispositivo legal garante que a família não peça indenizações maiores que o valor mínimo estabelecido pela lei.

Outra empresa que faz parte da cadeia de fornecedores da Apple (Wintek, com sede em Suzhou) também se viu às voltas com problemas trabalhistas. Dessa vez, não foi suicídio, mas contaminação por produtos químicos. Especificamente, uma substância chamada n-hexano, utilizada para limpar as telas sensíveis ao toque do iPhone e a maçãzinha que simboliza seu criador.

De acordo com a BBC, pelo menos 137 empregados da Wintek foram envenenadospelo n-hexano em 2010 — e, desde que entraram em contato com a substância, passaram a colecionar uma série de sintomas. “O uso prolongado do n-hexano pode causar danos extensivos ao sistema nervoso periférico e, em casos extremos, à medula espinhal, levando à fraqueza muscular, atrofia e até paralisia”, explicouPaul Whitehead, toxicologista da Real Sociedade Britânica de Química, ao Guardian.

O especialista afirma que o n-hexano também afeta a fertilidade masculina, e lembra que o organismo leva pelo menos um ano para recuperar-se dos malefícios causados pela exposição à substância. Whitehead revela ainda que seus efeitos nocivos são bem conhecidos pela indústria há muito tempo. Mesmo assim, a Wintek resolveu empregá-lo na produção do iPhone, em substituição ao álcool, porque seu secamento é mais rápido. Assim, agilizaria a entrega dos aparelhos tão desejados pela sociedade.

Os fornecedores da Apple também empregam mão de obra infantil. O Telegraph noticiou que, em 2009, pelo menos 11 garotos de 15 anos foram descobertos na linha de montagem dos produtos de Steve Jobs. A companhia manteve sigilo sobre a localização dessas ocorências. Suspeita-se que, a exemplo das demais denúncias, os abusos tenham ocorrido na China.

Por fim, uma explosão nas instalações da Foxconn, em Chengdu, matou ao menos 3 trabalhadores e feriu outros 15 em maio de 2011. De acordo com o jornal Los Angeles Times, a ONG Students & Scholars Against Corporate Misbehavior, com sede em Hong Kong, denunciou que o complexo industrial da Foxconn em Chengdu foi inaugurado prematuramente. A empresa começou a produzir apenas 76 dias após o início das obras. Parte da estrutura ainda estava em construção.

O Guardian teve acesso a uma auditoria realizada pela própria Apple sobre sua cadeia produtiva. No documento, a empresa admite uma série de problemas detectados junto a seus fornecedores. Diz a empresa que, em 2010, 54% de seus prestadores de serviço fizeram seus funcionários trabalharem mais de 60 horas semanais — ou 10 horas por dia; 39% não cumpriram os requisitos mínimos de prevenção de acidentes; 17% não tomaram as devidas precauções contra a exposição de seus funcionários a produtos químicos; 35% não cumpriram metas salariais — 24 das 102 fornecedoras da Apple pagam menos que o mínimo aceitável; e 3 fábricas foram flagradas empregando trabalho infantil.

São apenas números, frios, mas não podemos perder de vista que, detrás deles, estão trabalhadores de carne e osso. E que, apesar de tudo, apenas um contrato foi rompido pela Apple no período: não porque a empresa em questão abusou dos funcionários, mas porque falsificou dados.

“A Foxconn não é uma fábrica de exploração”, protestou Steve Jobs, em 2010, durante o All Things Digital, uma conferência de executivos da mídia e da tecnologia realizada na Califórnia. “Você vai até lá e, sim, é uma fábrica, mas, meu Deus, eles têm restaurantes e cinemas e hospitais e piscinas. Para uma fábrica, até que é bem legal.”

Os executivos da Foxconn concordam. A revista Wired explica que os diretores da companhia gostam de comparar suas instalações a um campus universitário, com áreas de descanso, alojamentos e a maior cozinha industrial da Ásia. “Por mais problemas que a Foxconn possa ter” — escreveu o jornalista Joel Johnson após conversar com muita gente dentro e fora da empresa — “é um dos melhores lugares para se trabalhar em Shenzen.”

Apenas no primeiro trimestre de 2011, a Apple, longe de todas as mazelas trabalhistas chinesas, teve um lucro de 6 bilhões de dólares. Tanto dinheiro veio da venda de 4,13 milhões de Macintoshs, 16,24 milhões de iPhones, 19,45 milhões de iPods e 7,33 milhões de iPads — a grande maioria deles produzidos na China, pela Foxconn e demais fornecedores.

O dono da Apple trouxe soluções para “problemas” criados pelo surgimento das novas tecnologias. Ocupou um nicho de mercado — que talvez ele mesmo tenha criado — e enriqueceu com sua astúcia empresarial. Algumas pessoas dizem que foi um revolucionário. No entanto, se deixamos um pouco de lado os edifícios reluzentes do Vale do Silício e desviamos nosso olhar para as fábricas onde são montadas as pequenas maravilhas da Apple, veremos que Steve Jobs, longe de ter contribuído para alguma mudança, reforçou padrões de exploração trabalhista que baratearam o custo do iPhone e incrementaram sua fortuna pessoal — estimada em 8,3 bilhões de dólares.

Steve Jobs não mudou o mundo. No limite, talvez o tenha deixado mais bonito para alguns — os compradores — enquanto mantinha a feiúra da rotina dos trabalhadores, especialmente na China. Foi apenas mais um bilionário que soube surfar nas ondas do sistema como ninguém, mas que, como muitos, não se incomodou em prestar atenção às vítimas que causou pelo caminho. Assim, conseguiu ganhar dinheiro até com as viagens de LSD que teve na juventude.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Eles sabem o que fazem

Vladimir Safatle
Falha de S. Paulo

Um dos mantras preferidos daqueles que chegam aos 40 anos é: os jovens de hoje não têm grandes ideais, eles não sabem o que fazem.

Há algo cômico em comentários dessa natureza, pois os que tinham 18 anos no início dos anos 90 sabem muito bem como nossas maiores preocupações eram: encontrar uma boa rave em Maresias (SP), aprender a comer sushi e empregar-se em uma agência de publicidade. Ou seja, esses que falam dos jovens atuais foram, na maioria das vezes, jovens que não tiveram muito o que colocar na balança.

Por isso, devemos olhar com admiração o que jovens de todo o mundo fizeram em 2011.

Em Túnis, Cairo, Tel Aviv, Santiago, Madri, Roma, Atenas, Londres e, agora, Nova York, eles foram às ruas levantar pautas extremamente precisas e conscientes: o esgotamento da democracia parlamentar e a necessidade de criar uma democracia real, a deterioração dos serviços públicos e a exigência de um Estado com forte poder de luta contra a fratura social, a submissão do sistema financeiro a um profundo controle capaz de nos tirar desse nosso "capitalismo de espoliação".

Mas, mesmo assim, boa parte da imprensa mundial gosta de transformá-los em caricaturas, em sonhadores vazios sem a dimensão concreta dos problemas. Como se esses arautos da ordem tivessem alguma ideia realmente sensata de como sair da crise atual.

Na verdade, eles nem sequer têm ideia de quais são os verdadeiros problemas, já que preferem, por exemplo, nos levar a crer que a crise grega não seria o resultado da desregulamentação do sistema financeiro e de seus ataques especulativos, mas da corrupção e da "gastança" pública.

Nesse sentido, nada mais inteligente do que uma das pautas-chave do movimento "Ocupe Wall Street". Ao serem questionado sobre o que querem, muito jovens respondem: "Queremos discutir".
Pois trata-se de dizer que, após décadas da repetição compulsiva de esquemas liberais de análise socioeconômica, não sabemos mais pensar e usar a radicalidade do pensamento para questionar pressupostos, reconstruir problemas, recolocar hipóteses na mesa. O que esses jovens entenderam é: para encontrar uma verdadeira saída, devemos primeiro destruir as pseudocertezas que limitam a produtividade do pensamento. Quem não pensa contra si nunca ultrapassará os problemas nos quais se enredou.

Isso é o que alguns realmente temem: que os jovens aprendam a força da crítica. Quando perguntam "Afinal, o que vocês querem?", é só para dizer, após ouvir a resposta: "Mas vocês estão loucos".
Porém toda grande ideia apareceu, aos que temem o futuro, como loucura. Por isso, deixemos os jovens pensarem. Eles sabem o que fazem.


A respeito da "civilização" ocidental

Artigo do professor Cláudio Lembo, ex-vice-governador de São Paulo, cuja filiação ao DEM o deixa insuspeito de qualquer conotação esquerdista ou anti-ocidental.


Sobre este, escreveu o Tiholaço:

"Reproduzo, porque é escrito não apenas com as lições da História, mas com a alma de um ser humano que, à parte de ideologias, não tem prazer em ver a profanação de cadáveres. E que, lucidamente, não a atribui aos árabes, mas aquilo a que os levamos – das Cruzadas até hoje – em nome dos interesses econômicos e políticos que usam a democracia como o cristianismo foi usado, há muitos séculos, como bandeira de sua hipocrisia".

Leiam o texto. É muito bom, em meio a isso, ler as palavras de um ser humano civilizado.



“Morreu Kadafi. Os meios de comunicação ocidentais comemoram. Algumas personalidades internacionais demonstram satisfação. Todos proclamam a importância do fim de mais uma ditadura.

Restam, no entanto, perguntas não respondidas. A História da Líbia é de conflitos permanentes. Desde a antiguidade, a área geográfica, onde se situa o país, foi invadida por inúmeros povos: fenícios, gregos, romanos, vândalos e bizantinos.

Em tempos mais recentes, italianos, alemães, ingleses e franceses estiveram ocupando os desertos que se estendem, a partir do Mediterrâneo, no norte da África.

Beberes e árabes formam a população líbia que, a partir do governo de Mohamede ben Ali – em 1840 – adotou o islamismo como religião, a partir de uma seita que se tornou altamente popular.

Aqui a primeira pergunta sem resposta. A queda violenta de um governante, ainda que ditador, não gerará um clima de humilhação e revolta em grande parcela da população?

Esta é muçulmana. Durante os últimos séculos, foram vítimas do colonialismo e do imperialismo que, sem escrúpulos, utilizou as riquezas naturais dos povos dominados.

Até há pouco, os governantes europeus cortejavam Kadafi e o utilizavam para negócios exuberantes. De repente, o dirigente morto caiu em desgraça.

Para derrubá-lo, somaram-se as maiores e mais poderosas forças armadas. Estados Unidos aliados à OTAN – Organização do Tratado do Atlântico – bombardearam sem piedade populações civis.

Quando se realizam operações militares contra alvos indiscriminados restam traços de rancor e desamor nas coletividades agredidas. Até hoje, apesar das aparências em contrário, as populações das cidades alemãs bombardeadas na última Grande Guerra – particularmente Dresden, Frankfurt e Berlim – guardam a dor pela perda de seus antepassados.

O Ocidente, em sua ânsia de dominação, vai semeando ódio e desencanto por toda a parte onde se encontram presentes os muçulmanos. Ontem, foi o Iraque e o Afeganistão. Hoje, a Líbia.

Esta macabra escalada precisa conhecer paradeiro. Ser finalizada. Irá tornar a falsa primavera árabe em rigoroso inverno, nas relações entre os povos.

Os dias de hoje recordam o dramático e brutal episódio das cruzadas. Agrediram populações que as receberam calorosamente. Saquearam. Mataram. Violentaram. Em nome de valores religiosos, praticaram atrocidades inomináveis.

Repetir a História é tolo. O Ocidente sempre a repete se fundamentado em princípios intrinsecamente valiosos. Fala em democracia. Omite que esta, para ser implantada, exige condicionantes culturais e sociais.

Na verdade, o que se constata é o interesse econômico nas áreas integrantes da chamada falsamente Primavera Árabe. Está se gerando, na verdade, uma grande reação dos povos que adotam o Islam como religião.

O futuro demonstrará que, apesar das intervenções econômicas que virão, um substrato de animosidade restará presente. Quem é agredido, mais cedo ou mais tarde revida.

É lamentável que os países europeus e os Estados Unidos conheçam apenas as armas como diplomacia. Seria oportuno adotarem o diálogo como forma de resolver conflitos.

Chegou-se ao Século XXI com os mesmos vícios da antiguidade. Não se busca a paz. Deseja-se a guerra. Violam-se princípios. Aplaude-se a morte de pessoas indefesas.

Não é assim que se educa para a democracia. O devido processo legal e o direito de defesa são sustentáculo de valores perenes. O espetáculo selvagem visto nos últimos dias empobrece a humanidade. Envergonha seus autores.

A Primavera Árabe transformou-se no inverno dos mais elevados valores concebidos no decorrer do tempo. Continuam selvagens, como sempre.”