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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Notas de leituras do Senhor C.

A crítica de Merleau-Ponty às teorias reflexológicas do comportamento.




1) CRÍTICA AO MECANICISMO DAS TEORIAS DO REFLEXO:
Basicamente, a teoria mecanicista se sustentaria no argumento da relação causa-efeito simples como explicativa para as respostas orgânicas. O corpo se comportaria como o elemento passivo, reagindo a todo estímulo externo como se estes fossem a causa, no sentido empirista de serem um antecedente constante e incondicionado. O corpo seria uma máquina, cujo mecanismo relacional, por excelência, consituir-se-ia numa estrutura padrão de resposta à estímulos externos.
Um dos argumentos da crítica a esta teoria, é dada pela própria superação que a fisiologia moderna alcança na explicação de fenômenos relacionais do organismo humano e que extrapolam o mero mecanicismo presente na explicação estímulo-resposta, dependende de uma localização espacial precisa – o estímulo age num local determinado – e este lugar decide a reação obtida. O autor mencionas vários estudos, levados a cabo por fisiologistas, em que as reações estímulo-resposta fogem a esta explicação, ora apresentando possibilidades de respostas variáveis para um mesmo estímulo – o que é um contrasenso, à luz da teoria – ora apresentando a mesma resposta, mesmo na ausência ou dano físico à estrutura anatômica.

2) CRÍTICA AO ATOMISMO OU O ELEMENTARISMO DAS TEORIAS DO REFLEXO
Esta teoria supõe como necessário que cada receptor esteja ligado por conexões pre-estabelecidas a todos os dispositivos motores cujo exercício pode comandar. A própria observação fisiológica já mostra, contudo, que a mesma resposta motora pode ser desencadeada em diferentes pontos do organismo; além disso, verifica existirem muito mais vias aferentes do que eferentes. Ou seja, fica difícil não interrogar os limites de um elementarismo que supõe existirem vias privadas, isto é, cada resposta seria referida a um conjunto específico de estímulo e estrutura reflexa. Por esta teoria, reações mais complexas observadas somente seriam aceitas por esta teoria como paradoxais ou estranhas, ou simplesmente refutadas como inexplicáveis.
Ademais, explicar o comportamento por esta teoria significaria a necessidade de decomposição das ações complexas em seus elementos simples. Deste modo, um aparente simples ato de “abanar as orelhas” deveria ser decomposto em tantos círculos nervosos de ações simples até a obtenção de suas circunstâncias elementares, nunca observáveis isoladamente, mas apenas supostas. E aí, como água e alcóol adicionados num composto estimulante, não podem ter depreendidos seus efeitos com base na água pura ou no alcóol puro; da mesma forma que ambos combinados não podem exercer nos receptores uma ação diferente da de cada componente quando isolado.
Dessa maneira, não se pode procurar no excitante externo a causa ou explicação para o comportamento, mas no organismo: é nele que devemos procurar o que faz de um estímulo que produz uma ação complexa, algo que é mais que a soma de seus componentes.
Outro argumento – decorrente da observação de uma mesma reação provocada a partir de diferentes sítios anatômicos, não poderiam significar modos variados de funcionamento de um mesmo sistema nervoso ao invés de apenas a vários substratos privados do circulo estímulo-resposta, interrroga ele.

3) CRITICA À TEORIA DAS LOCALIZAÇÕES NERVOSAS
Segundo esta teoria, o organismo é passivo, pois se limita a executar o que lhe é prescrito pelo lugar onde ocorre a excitação e pelos círculos nervosos que nele têm sua origem. Assim, se nosso olhar percorre embevecido o percurso de um ponto luminoso numa sala escura, isso se deve a pura reação mecânica de um círculo nervoso de ação dos músculos da cabeça e pescoço, a partir da reação sensorial das células da retina ao estímulo luminoso externo.
Esta noção mecânica de reação reflexa eliminaria toda noção de intencionalidade, valor ou utilidade, reputando-os como subjetivos. O comportamento parece intencional, mas não passaria de um agir regrado por trajetos nervosos pré-estabelecidos para a obtenção de satisfação. A atividade normal de um organismo, seria, segundo esta teoria, apenas o funcionamento de um sistema montado pela natureza, de modo que não existiriam normas, mas apenas efeitos, isto é, conseqüências reacionais.

4) RELAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS DAS TRÊS CRÍTICAS PARA UMA CONCEPÇÃO DO COMPORTAMENTO COMO OBJETO DA INVESTIGAÇÃO PSICOLÓGICA
Segundo o próprio autor enuncia: “se a ordem do reflexo – quer dizer, a adaptação da resposta ao estímulo e a coordenação dos movimentos parciais ao gesto total – é garantida pelas conexões preestabelecidas desde a superfície sensível até os músculos efetores, a concepção clássica coloca em primeiro plano a togografia; o lugar da excitação deve decidir quanto à reação; o estímulo deve agir por suas propriedades que podem modificar os elementos anatômicos considerados um a um; o circuito nervoso deve ser isolado, já que, se não fosse guiado desta maneira, o reflexo não poderia ser adpatado ao estímulo como de fato o é” (p. 10).
Pelo texto, extraímos a vinculação apontada entre as três teorias – mecanicista, atomista e localista - isto é, em seu conjunto as três enunciam uma primazia topográfica e, portanto, estrutural para a compreensão e explicação dos fenômenos da ação humana. No decorrer de suas críticas – em que vai reunindo e perfilando um conjunto de menções a estudos e investigações realizadas – Merleau-Ponty aponta os diversos limites e insuficiências destas teorias reunidas para a efetiva compreensão do comportamento, aduzindo que, embora não se possa fugir ao fato de que há uma 'estrutura' envolvida no comportamento, é necessário incluir outros elementos intervenientes – que as teorias mencionadas simplesmente eliminam ou desconsideram – e que dizem respeito ao meio, às relações homem-meio, e as questões ou valores reputados como subjetivos (portanto, indesejáveis àquelas teorias) que são a intencionalidade, o valor, a utilidade.
Como aponta ao dizer que “antes de toda interpretação sistemática, a descrição dos fatos conhecidos mostra que o destino de toda excitação é determinado por sua relação com o conjunto do estado orgânico e com as excitações simultâneas ou precedentes, e que entre o organismo e seu meio as relações não são de causalidade linear, mas de causalidade circular” (p. 17).
Talvez um dos seus argumentos mais contundentes para a crítica a estas teorias do reflexo seja apontada no fato de que, como diz, o homem, assim como o animal, reaje de mais de uma maneira, reaje de maneira adaptada ao espaço – o que já abre uma linha enorme de insuficiência para a teoria do arco reflexo – e, ainda por cima, reaje ao espaço mesmo na ausência de estímulos, atuais ou antecedentes, que sejam adequados. Esta possibilidade que, por sua vez, remete à existência de um centro superior de comando – existente nos sistemas nervosos das espécies animais superiores como o homem – ainda assim está além da mera solução fisiológica entre 'automatismos' e 'coordenação cerebral' e mesmo a suposição de uma relação de controle-inibição entres eles. É uma função, uma atividade que está além, não está explicada. O que abre espaço para uma investigação psicológica do comportamento humano.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

MERLEAU-PONTY, M. A estrutura do comportamento. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Cap. 1, p. 5-46.



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