A crítica de Merleau-Ponty às teorias reflexológicas do comportamento.
1) CRÍTICA AO MECANICISMO DAS
TEORIAS DO REFLEXO:
Basicamente,
a teoria mecanicista
se
sustentaria no argumento da relação causa-efeito simples como
explicativa para as respostas orgânicas. O corpo se comportaria como
o elemento passivo,
reagindo
a todo estímulo externo como se estes fossem a causa,
no sentido empirista de serem um antecedente constante e
incondicionado. O corpo seria uma máquina, cujo mecanismo
relacional, por excelência, consituir-se-ia numa estrutura padrão
de resposta à estímulos externos.
Um
dos argumentos da crítica a esta teoria, é dada pela própria
superação que a fisiologia moderna alcança na explicação de
fenômenos relacionais do organismo humano e que extrapolam o mero
mecanicismo
presente na explicação estímulo-resposta, dependende de uma
localização espacial precisa – o estímulo age num local
determinado – e este lugar decide
a
reação obtida. O autor mencionas vários estudos, levados a cabo
por fisiologistas, em que as reações estímulo-resposta fogem a
esta explicação, ora apresentando possibilidades de respostas
variáveis para um mesmo estímulo – o que é um contrasenso, à
luz da teoria – ora apresentando a mesma resposta, mesmo na
ausência ou dano físico à estrutura anatômica.
2) CRÍTICA AO ATOMISMO
OU O ELEMENTARISMO
DAS TEORIAS DO REFLEXO
Esta
teoria supõe como necessário que cada receptor esteja ligado por
conexões pre-estabelecidas a todos os dispositivos motores cujo
exercício pode comandar. A própria observação fisiológica já
mostra, contudo, que a mesma resposta motora pode ser desencadeada em
diferentes pontos do organismo; além disso, verifica existirem muito
mais vias aferentes do que eferentes. Ou seja, fica difícil não
interrogar os limites de um elementarismo que supõe existirem vias
privadas, isto é, cada resposta seria referida a um conjunto
específico de estímulo e estrutura reflexa. Por esta teoria,
reações mais complexas observadas somente seriam aceitas por esta
teoria como paradoxais
ou
estranhas, ou simplesmente refutadas como inexplicáveis.
Ademais,
explicar o comportamento
por
esta teoria significaria a necessidade de decomposição das ações
complexas em seus elementos simples. Deste modo, um aparente simples
ato de “abanar as orelhas” deveria ser decomposto em tantos
círculos nervosos de ações simples até a obtenção de suas
circunstâncias elementares, nunca observáveis isoladamente, mas
apenas supostas. E aí, como água e alcóol adicionados num composto
estimulante, não podem ter depreendidos seus efeitos com base na
água pura ou no alcóol puro; da mesma forma que ambos combinados
não podem exercer nos receptores uma ação diferente da de cada
componente quando isolado.
Dessa
maneira, não se pode procurar no excitante externo a causa
ou
explicação para o comportamento, mas no organismo: é nele que
devemos procurar o que faz de um estímulo que produz uma ação
complexa, algo que é mais que a soma de seus componentes.
Outro argumento – decorrente da observação de uma mesma reação
provocada a partir de diferentes sítios anatômicos, não poderiam
significar modos variados de funcionamento de um mesmo sistema
nervoso ao invés de apenas a vários substratos privados do circulo
estímulo-resposta, interrroga ele.
3) CRITICA À TEORIA DAS LOCALIZAÇÕES NERVOSAS
Segundo
esta teoria, o organismo é passivo, pois se limita
a executar o que lhe é prescrito pelo lugar
onde ocorre a excitação e pelos círculos nervosos que nele têm
sua origem. Assim, se nosso olhar percorre embevecido o percurso de
um ponto luminoso numa sala escura, isso se deve a pura reação
mecânica de um círculo nervoso de ação dos músculos da cabeça e
pescoço, a partir da reação sensorial das células da retina ao
estímulo luminoso externo.
Esta
noção mecânica de reação reflexa
eliminaria
toda noção de intencionalidade, valor ou utilidade, reputando-os
como subjetivos.
O comportamento parece intencional,
mas não passaria de um agir regrado por trajetos nervosos
pré-estabelecidos para a obtenção de satisfação. A atividade
normal
de um organismo, seria, segundo esta teoria, apenas o funcionamento
de um sistema montado
pela natureza,
de modo que não existiriam normas, mas apenas efeitos, isto é,
conseqüências reacionais.
4) RELAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS DAS TRÊS CRÍTICAS PARA UMA CONCEPÇÃO DO COMPORTAMENTO COMO OBJETO DA
INVESTIGAÇÃO PSICOLÓGICA
Segundo
o próprio autor enuncia: “se
a ordem do reflexo – quer dizer, a adaptação da resposta ao
estímulo e a coordenação dos movimentos parciais ao gesto total –
é garantida pelas conexões preestabelecidas desde a superfície
sensível até os músculos efetores, a concepção clássica coloca
em primeiro plano a togografia; o lugar da excitação deve decidir
quanto à reação; o estímulo deve agir por suas propriedades que
podem modificar os elementos anatômicos considerados um a um; o
circuito nervoso deve ser isolado, já que, se não fosse guiado
desta maneira, o reflexo não poderia ser adpatado ao estímulo como
de fato o é” (p. 10).
Pelo
texto, extraímos a vinculação apontada entre as três teorias –
mecanicista, atomista e localista - isto é, em seu conjunto as três
enunciam uma primazia topográfica e, portanto, estrutural para a
compreensão e explicação dos fenômenos da ação humana. No
decorrer de suas críticas – em que vai reunindo e perfilando um
conjunto de menções a estudos e investigações realizadas –
Merleau-Ponty aponta os diversos limites e insuficiências destas
teorias reunidas para a efetiva compreensão do comportamento,
aduzindo que, embora não se possa fugir ao fato de que há uma
'estrutura' envolvida no comportamento, é necessário incluir outros
elementos intervenientes – que as teorias mencionadas simplesmente
eliminam ou desconsideram – e que dizem respeito ao meio, às
relações homem-meio, e as questões ou valores reputados como
subjetivos (portanto, indesejáveis àquelas teorias) que são a
intencionalidade, o valor, a utilidade.
Como
aponta ao dizer que “antes
de toda interpretação sistemática, a descrição dos
fatos conhecidos mostra
que o destino de toda excitação é determinado por sua relação
com o conjunto do estado orgânico e com as excitações simultâneas
ou precedentes, e que entre o organismo e seu meio as relações não
são de causalidade linear, mas de causalidade circular” (p. 17).
Talvez
um dos seus argumentos mais contundentes para a crítica a estas
teorias do reflexo seja apontada no fato de que, como diz, o homem,
assim como o animal, reaje de mais de uma maneira, reaje de maneira
adaptada ao espaço – o que já abre uma linha enorme de
insuficiência para a teoria do arco reflexo – e, ainda por cima,
reaje ao espaço mesmo na ausência
de estímulos, atuais ou antecedentes, que sejam adequados.
Esta
possibilidade que, por sua vez, remete à existência de um centro
superior de comando – existente nos sistemas nervosos das espécies
animais superiores como o homem – ainda assim está além da mera
solução fisiológica entre 'automatismos' e 'coordenação
cerebral' e mesmo a suposição de uma relação de controle-inibição
entres eles. É uma função, uma atividade que está além, não
está explicada.
O que abre espaço para uma investigação psicológica
do
comportamento humano.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
MERLEAU-PONTY, M. A estrutura do comportamento. Tradução de
Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes,
2006. Cap. 1, p. 5-46.
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