Sobre Universidades: carreira, produção científica e 'espírito' acadêmico:
“Para muitos de nós [professores universitários] que não aderimos à mística modernizadora, parece incompreensível a atitude daqueles colegas que se deixam empolgar pela contagem de horas-aula, dos créditos, dos prazos rígidos para conclusão de pesquisas, pela obrigatoriedade de subir todos os degraus da carreira (que são graus burocraticamente definidos), do dever da presença física nos campi (para demonstrar prestação de serviço), pela confiança nos critérios quantitativos para exprimir realidades qualitativas, pela corrida aos postos e aos cargos. Para muitos, a adesão ao “moderno” aparece como abdicação do espírito de cultura. Não é bem verdade.
Aqueles que aderiram ao mito da modernização simplesmente interiorizaram as vigas mestras da ideologia burguesa: do lado objetivo, a aceitação da cultura pelo viés da razão instrumental, como construção de modelos teóricos para aplicações práticas imediatas; do lado subjetivo, a crença na “salvação pelas obras”, isto é, a admissão de que o rendimento, a produtividade, o cumprimento dos prazos e créditos, o respeito ao livro de ponto, a vigilância sobre os “relapsos”, o crescimento do volume de publicações (ainda que sempre sobre o mesmo tema, nunca aprofundado porque apenas reescrito), são provas de honestidade moral e seriedade intelectual.
Para boa parte dos professores, além do benefício dos financiamentos e convênios, a modernização significa que, enfim, a universidade se tornou útil e, portanto, justificável. Realiza a idéia contemporânea da racionalidade (administrativa) e alberga trabalhadores honestos. Em que pese a visão mesquinha da cultura aí implicada, a morte da arte de ensinar e do prazer de pensar, esses professores se sentem enaltecidos pela consciência do dever cumprido, ainda que estúpido. Evidentemente, não entram aqui os casos de pura e simples má-fé – isto é, dos colegas que usam a universidade não tanto para ocultar sua incompetência, mas para vigiar e punir os que ousam pensar.”
(Marilena Chauí, Escritos sobre universidade, Ed. Unesp – texto original de 1980, p. 63).
“Para muitos de nós [professores universitários] que não aderimos à mística modernizadora, parece incompreensível a atitude daqueles colegas que se deixam empolgar pela contagem de horas-aula, dos créditos, dos prazos rígidos para conclusão de pesquisas, pela obrigatoriedade de subir todos os degraus da carreira (que são graus burocraticamente definidos), do dever da presença física nos campi (para demonstrar prestação de serviço), pela confiança nos critérios quantitativos para exprimir realidades qualitativas, pela corrida aos postos e aos cargos. Para muitos, a adesão ao “moderno” aparece como abdicação do espírito de cultura. Não é bem verdade.
Aqueles que aderiram ao mito da modernização simplesmente interiorizaram as vigas mestras da ideologia burguesa: do lado objetivo, a aceitação da cultura pelo viés da razão instrumental, como construção de modelos teóricos para aplicações práticas imediatas; do lado subjetivo, a crença na “salvação pelas obras”, isto é, a admissão de que o rendimento, a produtividade, o cumprimento dos prazos e créditos, o respeito ao livro de ponto, a vigilância sobre os “relapsos”, o crescimento do volume de publicações (ainda que sempre sobre o mesmo tema, nunca aprofundado porque apenas reescrito), são provas de honestidade moral e seriedade intelectual.
Para boa parte dos professores, além do benefício dos financiamentos e convênios, a modernização significa que, enfim, a universidade se tornou útil e, portanto, justificável. Realiza a idéia contemporânea da racionalidade (administrativa) e alberga trabalhadores honestos. Em que pese a visão mesquinha da cultura aí implicada, a morte da arte de ensinar e do prazer de pensar, esses professores se sentem enaltecidos pela consciência do dever cumprido, ainda que estúpido. Evidentemente, não entram aqui os casos de pura e simples má-fé – isto é, dos colegas que usam a universidade não tanto para ocultar sua incompetência, mas para vigiar e punir os que ousam pensar.”
(Marilena Chauí, Escritos sobre universidade, Ed. Unesp – texto original de 1980, p. 63).
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