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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Humeanas

Introdução a Filosofia Moral - as contribuições de David Hume.




 Decerto não cabe mais nenhuma discussão acerca de que as diferenças entre um ser humano e outro são vastas e significativas a ponto de cada um se reconhecer na sua individualidade. No entanto, apesar destas diferenças pessoais há coisas que compartilhamos, temos em comum, e neste caso, comum se refere mais ao geral, ao coletivo, àquilo que é grupal. Neste sentido de construção do comum, algumas âmbitos da atividade humana padecem de ser objetos de larga discussão, sobre como se originam, ou de que modo se constroem preceitos como verdade, bem, mal etc. Um desses âmbitos é o da moral, isto é, do conjunto de comportamentos, atitudes e regras que consideramos válidas de seguir, ou que acatamos sem maior esforço.
A questão da moral é um tema que esteve, e ainda está, muito presente nas preocupações dos filósofos, principalmente quando se voltam das suas especulações metafísicas para o cotidiano do homem comum e suas organizações sociais; preocupação plasmada na consideração de que, salvo exceções de praxe, o motor comum dos homens é sua busca de felicidade, questão que arrasta imediatamente consigo a da utilidade. Parece incontestável que é impossível ser feliz, sem que conquistemos os meios necessários, bens materiais e imateriais que tornam a vida possível e, mais do que isso, digna de ser vivida1.
É, no fundo, uma preocupação milenar, tal que permite apontar um recorte entre duas eras: a antiga e a moderna, e revelar neste corte uma diferença fundamental entre as duas: a de que na primeira, os filósofos se perguntavam acerca do caminho mais racional para a verdadeira felicidade ou para o sumo bem e, por isso, se perguntavam sobre qual a relação que a conduta virtuosa ou os aspectos do caráter tinham com o bem: se eram meios ou componentes da felicidade, ou ambos. E que na segunda, ao contrário, os filósofos se perguntavam sobre o que seriam as prescrições e imposições da razão que dariam origem aos deveres e obrigações que todos deviam seguir2.
Esta diferença, nem tão profunda assim segundo ele, sustenta-se num pano de fundo que, para os modernos, desenvolveu a filosofia moral em torno de três acontecimentos históricos muito marcantes: a) a Reforma religiosa, que fragmenta a unidade da Igreja, conduz ao pluralismo religioso e, em algum grau, aprofundou o secularismo do pensamento teocrático e dogmático; b) o desenvolvimento do Estado Moderno, assentado em pilares multiformes, e marcado pelo avanço da ruptura com um poder central e ‘natural’ dos monarcas ao lado da emersão do conceito de cidadania atribuído a indivíduos, agora livres dos grilhões e das cadeias do principio da tradição e da vitaliciedade; c) e, por fim, o desenvolvimento da ciência, com as revoluções copernicana e newtoniana/leibniziana convulsionando as crenças no geocentrismo, inovando a matemática, e o pensamento abstrato, respectivamente; mas, sobretudo, antropologizando de vez a produção do conhecimento, pelos caminhos do empirismo e da experimentação.

1 Sobre esta preocupação se pode mesmo apontar uma história argumentada, como fizeram Caillé, Lazzeri e Senellart (2006) reunindo as contribuições dos filósofos que procuraram responder a questão da felicidade e da utilidade através dos tempos.
2 Cf., por exemplo, o trabalho de John Rawls (2005).


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