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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Fragmentos dos diários perdidos do Senhor C.



Cordel em prosa para um amigo que sofria

A sensação lhe chegou como de costume! Parecia velha hóspede a se instalar em seu peito e dilacerar seu coração. E ali estava ele de novo possuído por ela. Como das outras vezes parecia completamente perdido sobre o que fazer. Nessas horas mais parecia o eterno menino que apregoava existir dentro de si. Mas do que exatamente uma atitude, era seu lema de ação. Quase sempre mantinha acesa a chama da fantasia e da esperança vã que habita os corações e mentes dos que são jovens e imaturos. Era uma espécie de devir a que se entregava com ímpeto e denodo. Tudo nele parecia fluir como uma pena de pássaro flui espetacularmente solta ao vento. Entregue a circunvoluções em ritmo e direção num desenfreado ir e vir.

Desesperadamente durante os últimos meses dividira-se entre o desejo e a obrigação. Submetera-se a ambos num jogo quase sórdido de tão determinado. Passava os dias dividindo a semana em duas metades desiguais. Na primeira ansiava pelo raiar do sol de toda segunda-feira; ocasião em que partia rumo ao desejo mais ardente. Na segunda, madrugava aos sábados para uma curta temporada que incluía o domingo; dias em meio aos quais cumpria as obrigações com firmeza e impaciência.

E de repente, viu seu duplo mundo ruir como um castelo de cartas. Agora, sozinho na noite deserta e fria, reflete sobre o que fazer mas só encontra um silêncio em resposta às questões que explodem de seu peito em direção a cabeça. E agora, se pergunta. Como rapidamente e sem dor preencher o vazio que lhe deixou a decisão comunicada. Foi dela a iniciativa. Mas, a despeito de concordar com os motivos que a levaram a romper um relacionamento como aquele - justo aquele que mais o convidava a ser o seu mais íntimo, o mais ardente, o mais impulsivo, o mais desavisado, o maus apaixonante; justamente este era agora tratado como problema a ser resolvido, ou melhor, medicado. E era justamente aí que lhe apareciam os maiores nós da resistência. Uma relação com aquela, um amor como o seu não podia ser considerado uma espécie de droga ou vício, para a qual se propunha uma ação medicalizadora, do tipo prevenção contra danos maiores e futuros.

E agora, estava ali, sozinho, sem ânimo, triste, feito a própria interrrogação em pessoa. Olhava tudo, andava para lá e acolá. Até tentara arrumar um pouco as coisas que largara ao longo dos dias e noites, mas constatou que não passou de esforço em vão. Inábil tentativa de ocupar o vazio. Ocupe a sua mente, se animava. Não deixe nenhum espaço-tempo vazio, para não se entregar ao ócio destrutivo. Não adiantava. Algum mecanismo dentro de si encontrava-se rompido. Alguma coisa dentro de si ruía em silenciosa desconexão. E era essa a sensação que mais julgava superada. Nunca mais a havia encontrado.
Em meio ao torvelinho dos pensamentos que o assaltavam - misto de saudade, recusa, teimosia e doce resignação - perseguia-lhe também a dificuldade de encontrar-se assaltado por uma emoção que julgava mais própria de outras idades que não a sua; que julgava perdida e desencontrada no tempo, portanto. Mas era exatamente, ela, sua velha conhecida que se alojara feito dona do seu coração. E como velha conhecida, parecia conhecer cada cantinho em seus mínimos e máximos detalhes. Difícil afastar habitante tão indesejado!



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