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quinta-feira, 28 de julho de 2011

A preservação da República





Pedro Estevam Serrano

Vivemos uma época de confusão de valores, em que as situações de mistura entre o que é público e o que é privado são recorrentes. A recente declaração do ministro da Defesa, Nelson Jobim, de que votou na campanha presidencial de 2010 no candidato José Serra (PSDB), ícone da oposição ao governo Dilma Rousseff, é mais um lance dessa confusão.

Em entrevista ao portal UOL, Jobim disse que votou em Serra pelos anos seguidos de uma amizade que é de conhecimento público. Disse ainda que comunicou o fato ao ex-presidente Lula —na ocasião, ocupante do mais alto cargo da esfera pública. Segundo Jobim, sua manifestação se deu ao ser convidado a gravar depoimento para a candidatura de Dilma.

O ministro teria dito, então, que havia uma posição “irremovível” que seria sua amizade e consequente voto em Serra, mas que havia uma situação “removível” que era sua condição de ministro a impedi-lo de fazer campanha para o tucano. Há de se convir que a colocação embute certo tom de desafio, mas Lula preferiu mantê-lo no cargo. Dilma venceu as eleições e também segurou Jobim no Ministério da Defesa.

É preciso separar o que é de cunho pessoal e o que é da esfera pública. Parece-me evidente que se o ministro quis votar no amigo no interior secreto da urna, o que se dá é o simples exercício de sua capacidade eleitoral ativa. Não há reparos a essa escolha, é um direito de todo cidadão. Pode-se argumentar que os amigos nem sempre partilham de nossas concepções —políticas, econômicas, sociais, religiosas— e ainda assim são nossos amigos.

Avalio, contudo, que a declaração pública de voto por Jobim constitui contradição ao princípio republicano, para além dos constrangimentos à presidenta.
O tom e o conteúdo adotados na declaração de voto denotam que Jobim se vê numa posição inatingível mesmo pela presidenta. Algo, aliás, presente na relação com o ex-presidente Lula, segundo a entrevista de Jobim. Essa postura, a rigor, empurra a presidenta para uma verdadeira “sinuca”, com duas soluções: ou Dilma o demite ou admite ter em seu Ministério alguém que não pode remover.

Na segunda hipótese, há reconhecimento de que Jobim é uma espécie de “ministro-dono” do cargo, diferente dos demais ministros e com capacidade para permanece no cargo independentemente de qualquer relação de confiança política com a presidenta. E é exatamente nesse ponto que reside o cerne do problema.

Os cargos de ministro de Estado são de provimento de confiança. Tal forma de provimento existe na estrutura administrativa como garantia ao princípio republicano, ou seja, de que o funcionamento do Estado se dá por orientação do interesse público . Em decorrência, esse princípio implica na periodicidade dos mandatos eletivos, quer dizer, mudança periódica de governo e governantes,e mais que iisso mudança de programas de governo.

Para possibilitar que tal mudança programatica de governo chegue a todos os rincões da Administração é que os cargos de auxiliares direitos do presidente tem provimento em comissão, por criterio de confiança politica do presidente. Para que este modelo republicano funcione de forma eficaz é fundamental que a presidenta salvaguarde a confiabilidade de seus nomeados face ao programa para a qual foi eleita.

O provimento em confiança anima-se, portanto, pelo imperativo de concretização do programa político e de governo consagrado nas urnas. É a partir do instituto da designação de auxiliares diretos, escolhidos por conta de sua confiabilidade política, que o presidente eleito leva a todos os rincões da Administração seu programa. Em suma, é só assim que se garante o mínimo de correlação entre os conteúdos defendidos na campanha eleitoral e a realização das políticas de governo.

Ora, quando Jobim declara que votou em Serra, o que ele está dizendo em alto e bom som é que avalia —pelo menos avaliava— o programa oposicionista como sendo melhor. Há, portanto, um desalinhamento transparente entre o que queria o ministro e o que defendeu a presidenta, com maioria do apoio da população votante. Esse ruído se torna ainda mais estridente se observarmos que, hoje, Serra se coloca no espectro político nacional como oposição sistemática e extrema ao governo Dilma.

Quando a presidenta da República permite a um ministro permanecer no cargo após ele se declarar desalinhado com o programa de governo e exprimir simpatia pelo candidato que representou programa político diverso, quem perde não é apenas a presidenta em termos de seu poder pessoal —aliás, este é o problema menor—, mas, sim, a República como valor em nosso sistema político.

A presidenta, nesta sua omissão, deixa de dar vazão a seu dever institucional de defender a República como principio jurídico e político, assim como deixa de ecoar a vontade dos eleitores que a elegeram. A situação desnuda não apenas a tentativa de subtrair poder da presidenta, mas, fundamentalmente, conduta claudicante no dever de defesa da República como valor maior.

Ademais, qualquer argumentação de defesa do voto por razões pessoais tende, igualmente, a ser contrária aos interesses públicos, já que a motivação do voto deveria assentar-se sobre critérios racionais e lógicos voltados aos programas de governo. Este é, aliás, um dos nortes no debate sobre reforma política: como fortalecer as escolhas programáticas na hora do voto, em substituição às opções emocionais —tais quais a amizade.

Por fim, o que os brasileiros ficamos a nos perguntar diante das declarações de Jobim é: entre as pessoas e líderes dos partidos que apoiam o programa político para o qual Dilma foi eleita para concretizar, não há ninguém em condições de assumir o Ministério da Defesa? Alguém em especial que não se sinta tentado a desafiar a autoridade presidencial e a menoscabar o projeto político do governo do qual participa?


Pedro Estevam Serrano é advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP,mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP.



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