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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Esquerda sem medo de dizer seu nome



por Vladimir Safatle

Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo “lulismo” para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o início do século 21.

Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo conseguiu criar o fenômeno da “nova classe média”.

No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da população.

O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.

No entanto é bem possível que estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo gestado no governo anterior. O aumento exponencial do endividamento das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na mesa.

É fato que o país precisa de uma nova repactuação salarial. As remunerações são, em média, radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser bancados pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.

A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de imposto seria capaz de proporcionar.

Entretanto a universalização de uma escola pública de qualidade e de um serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira nababesca e que têm lucros milionários no sistema financeiro.

Algo dessa natureza exige, por sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de consensos do lulismo.Porém a força política que poderia pressionar essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome.





A caminho da verdadeira abolição

Algumas vezes me manifestei aqui a respeito do Supremo Tribunal Federal, para mencionar procedimentos no mínimo discutíveis, nem sempre ajustados com os interesses da sociedade, no seu clamor por justiça. 

Em alguns momentos, coloquei mesmo em dúvida – como ainda coloco – não só a forma de escolha de seus membros como a natureza vitalícia dos cargos. Muito recentemente, um dos seus ministros, referindo-se ao presidente do STF que acabara de deixar o cargo máximo da Corte, acusou-o de tentativas de manipulação das decisões lá prolatadas, algo tão inadmissível como o bate-boca que então se instaurou a respeito do assunto...

Felizmente, porém, nem tudo são espinhos nessa área. Trago agora novamente o STF aqui para o meu texto, mas com outro objetivo, que é de enaltecimento de uma das suas mais dignas e justas decisões. Refiro-me àquela que considerou válido o sistema de reserva de vagas (conhecidas como “cotas”) para o ingresso dos afrodescendentes em nossas universidades, em julgamento provocado por ação impetrada pelo DEM – e não por acaso... – que arguia a ilegalidade da medida, por uma série de “inconstitucionalidades” invocadas, com argumentos vários, como a desvalorização da meritocracia, o risco da/ afirmação de uma visão racista, o desrespeito à autonomia universitária, e diversos outros que, no fundo, escondem a hipocrisia ancestral de confundir letras mortas da lei com a realidade, “presumindo” igualdades cuja negação a prática do nosso cotidiano denuncia a cada instante.

A causa em questão não é apenas a causa de um grupo étnico historicamente penalizado e discriminado em nosso país. É uma luta de profundo sentido ideológico, um embate de cidadania, que envolve princípios de afirmação da diversidade e de respeito humano à alteridade. É mais um capítulo dessa saga que, partindo da ignomínia da escravidão, ainda espalha cicatrizes odiosas nos direitos mais fundamentais devidos aos componentes da sociedade humana.

Foi em nosso país que, nas Américas, a escravatura experimentou o maior período de duração. Fomos o último dos países americanos que a extinguiu. E como as razões utilitárias de sua extinção não passaram por preocupações que buscassem então, paralelamente, as indispensáveis possibilidades de integração dos alforriados à sociedade, o que se vê, de lá para cá, é a disfarçada perpetuação de um desnível social degradante, que – alguém já o disse – transformou os “escravos do senhor” em “escravos do sistema”.

Argumentar com algo que nos remete à discutível tese do “homem cordial brasileiro” para afirmar que inexiste o preconceito racial no país, ou que as oportunidades são iguais para todos, ou que a etnia branca não deve responder pelo problema dos negros, que já teriam vindo da África como escravos (tese defendida, por exemplo, pelo Senador Demóstenes Torres), parece ser discurso de quem ou não quer ver a realidade circundante com os olhos da verdade (os ingênuos, os alienados, os desinformados), ou, pior, de quem gostaria de que ela permanecesse como é (visão etnocêntrica, elitista, opressora, racista – pode-se escolher o adjetivo).

O sistema de cotas faz parte do que se deve reconhecer como ações afirmativas, políticas de Estado eficazes que se destinam a corrigir ou remediar desvantagens sociais provocadas por estigmas preconceituosos. Tem como belíssimo fundamento a constatação de que, para corrigir - sem verborragias paliativas, mas com atitudes concretas - distorções que só podem envergonhar a nossa sociedade – e que saltam aos olhos- é preciso dar tratamento desigual para os desiguais. E de forma até radical (para quem quiser entender assim), porque essa é uma situação que nos lembra, analogicamente, a frase de Betinho,cunhada nos anos 90: “Quem tem fome tem pressa”.

As cotas não são as melhores opções, não são soluções mágicas e são conjunturais . Bem melhor seria que já dispuséssemos de todos os mecanismo de igualdade e de inclusão que as tornassem desnecessárias . Elas são, porém, um auspicioso episódio no longo percurso ainda a trilhar, em que não se devem esquecer, além dos afrodescendentes, todos os outros segmentos desvalidos na sociedade, que estão a exigir outras medidas de implantação da democracia plena. Não se pode deixar de considerar, porém, para que se perceba o que está em jogo em ações como essa, que, no segmento dos 10% dos brasileiros mais pobres, 75% deles são negros ou pardos.

Para terminar, um argumento trazido ao pleito pelos estudantes do Diretório Acadêmico da UERJ (primeira universidade que instituiu as cotas entre nós), e confirmado por autoridades educacionais que se debruçam sobre a matéria: já decorridos 10 anos da aplicação do critério, a percepção é de que, além de possibilitar um ambiente universitário mais democrático (a Universidade pública é do povo), a presença dos cotistas revela, objetivamente, que esses estudantes têm sabido aproveitar as oportunidades que lhe foram concedidas, com desempenhos de superação que os colocam no mesmo nível dos não cotistas, quando não em patamar superior a estes.

A decisão do STF é para ficar nos anais da história desse país, que, mesmo às vezes a passos vagarosos, vai buscando caminhos para a superação de suas gritantes injustiças sociais. 


Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação.



A vulgarização do debate intelectual


Por Emir Sader

Grotesco o nível do debate entre Roberto Schwarz e Caetano Veloso, somente possível mesmo pela vulgarização promovida por certa elite intelectual paulistana. Um grande crítico literário, responsável pelas melhores análises sobre a obra de Machado de Assis, decidiu voltar-se sobre as elocubrações “intelectuais” de Caetano e recebeu a resposta no nível deste: que Roberto e Marilena Chaui falem sobre a Coréia do Norte!

A vulgarização do debate teórico encontra na velha mídia seu lugar privilegiado. Canastrões aposentados das suas profissões – ex-diretores de cinema, ex-escritores, ex-músicos, ex-atores etc. etc. – refugiam-se no final de carreira no colo da velha mídia, renunciam ao que tiveram de rebeldia na juventude e recebem generosos espaços para tentar superar seus velhos sentimentos de inferioridade em relação ao mundo intelectual e deitar falação sobre qualquer tema – sempre contra a esquerda, o PT, o governo, Lula – nos espaços sem prestígio e sem leitores.

A combinação entre a vulgarização promovida pela Globo – que afeta centralmente o cinema brasileiro, incapaz de abordar os grandes temas nacionais, ao contrário do cinema argentino – e pela elite tucana paulistana tem tido um efeito muito negativo sobre o clima intelectual. Personagens sem nenhuma capacidade de análise se enfrentam ao preconceito insuperável, para eles, do governo Lula.

Ficar com Lula ou com a Globo? Ficar com Lula ou com a Folha de São Paulo? Entre a solidariedade com o povo que, pela primeira vez consegue acesso a direitos elementares, ou ter a hostilidade, eventualmente a marginalização dos espaços que lhes oferece a velha mídia, vários preferiram esta alternativa.
Ressalta mais ainda, nesse cenário deprimente de um suposto debate intelectual, figuras como a da Marilena Chaui, que se nega a ocupar espaços nessa mídia (convidada para colunista da Folha de São Paulo, se negou, da mesma forma que José Luís Fiori e outros mais), de fazer parte dessa pantomima, desse circo da “falsa cultura” de que falava Millôr. Os dois vídeos da Marilena sobre a democracia, feitos durante a campanha eleitoral de 2010, tiveram mais de 250 mil acessos, certamente a grande maioria de jovens, os ausentes absolutos dessas farsas intelectuais dos otavinhos.

domingo, 29 de abril de 2012

Pausa musical: Jack White




Comentário do Senhor C.:

- Em primeira mão, o cara que tirou Adele do primeiro lugar das paradas britânicas. Adele era a primeira há um ano.


Bateu desespero na Editora Abril.


Só isso explica o novo ataque de Reinaldo Azevedo ao 247; leia a resposta de Leonardo Attuch Reinaldo Azevedo está com medo. Só isso é capaz de explicar o novo ataque que faz, neste domingo, ao 247. No texto de Reinaldo (leia mais aqui), ele resgata uma reportagem de Veja da qual a revista deveria se envergonhar. Afinal, os ataques que Veja desferiu contra mim renderam à Abril uma condenação judicial com direito a indenização financeira (leia mais aqui) e retratação formal, publicada nas suas páginas (leia mais aqui).
Ou seja: quando brigou comigo nos tribunais, a Abril perdeu. E, no confronto de ideias, perderá novamente.
Reinaldo nos acusa de sair em defesa do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. Tudo porque decidimos publicar uma reportagem, com um diálogo extraído dos grampos da Operação Monte Carlo, publicados em primeira mão no 247.

- “Será que agora ele cai?”, pergunta Carlos Cachoeira a Cláudio Abreu, diretor da Delta, referindo-se ao governador Agnelo Queiroz.
- “Arrebentou, hein, o bicho arrebentou, hein”, responde Abreu.
- “Foi bom demais”, prossegue Cachoeira.
- “Mas eu já tinha falado pro PJ lá: PJ, vai nesse caminho”.
“PJ” é Policarpo Júnior. E o tema da conversa é uma reportagem publicada na revista Veja, associando o governador Agnelo Queiroz à prática de grampos ilegais. “Será que agora ele cai?”
Quando um veículo de comunicação se presta a ser usado por um bicheiro/empreiteiro, que tenta emparedar governos legitimamente eleitos na busca de seus interesses comerciais, isto é notícia. Pelo menos, no 247. Na Veja de outros tempos, também seria. Mas, hoje, a revista está acuada. Age nos bastidores para que seu publisher, Roberto Civita, não seja convocado a depor na CPI.
Compreensível. Civita teme ser humilhado. Reinaldo, não. Dá a cara a tapa. E, nele, o medo provoca reações extremas. Até mesmo o delírio de que tinha em mim um fã.
O que está ocorrendo no Brasil de hoje é muito simples. Antes, quatro famílias controlavam a informação no Brasil e ditavam a agenda pública. Hoje, com a democratização da internet e o avanço das redes sociais, todos participam do processo de elaboração e depuração das notícias. O modelo não é mais vertical. Na era do jornalismo 2.0, é horizontal. Com isso, antigos impérios se tornam vulneráveis.
Neste novo mundo, as famiglias tradicionais perdem poder. E tendem também a perder anunciantes, uma vez que haverá cada vez mais fornecedores de conteúdo jornalístico num mundo plural, interativo e democrático. Se Veja tem seu público, há também aqueles que preferem defini-la como #VejaBandida ou #VejaGolpista, duas hashtags que se tornaram os assuntos mais comentados do mundo no Twitter.
Reinaldo nos ataca dizendo que José Dirceu e Delúbio Soares publicam artigos aqui. Mas ele não menciona César Maia, Arthur Virgílio, Gabriel Chalita, Eduardo Braga, Manuela D´Ávila, Walter Feldman, Marcos Cintra, Xico Graziano, Luciano Siqueira e muitos outros, de variados perfis políticos. Até mesmo Demóstenes Torres e Reinaldo Azevedo poderiam publicar artigos na nossa página, porque, no 247, a opinião é livre – é isto que garante a pluralidade. Também nos condena dizendo que somos “livres como um táxi”. Mas os passageiros aqui são os leitores. E muitos continuam garimpando informações nos inquéritos da Operação Monte Carlo sobre a parceria editorial entre Cachoeira e Veja, que rendeu benefícios políticos e comerciais ao contraventor.
É disso que Reinaldo tem medo.


Leonardo Attuch
No Brasil 247


Do PIB ao FIB: A iniciativa que veio do Himalaia



Paul Singer


Danos ambientais como efeito estufa e extinções não entram no PIB. O esforço de limpeza criado por um derramamento, aliás, faz com que fique maior

O PIB é o grande objeto de desejo das forças que governam nações. Ele é a somatória das transações -compras e vendas- realizadas nos mercados de um país em um ano.

Como a grande maioria dos bens e serviços produzidos se destina à venda, o valor de todas as transações corresponde ao total de mercadorias produzidas.

De um modo ou outro, as mercadorias produzidas são transacionadas e passam a satisfazer necessidades e desejos dos que as adquiriram. Daí a noção de que o PIB mede a riqueza produzida, que ao ser consumida passa a ser a causa eficiente do bem-estar da população.

Daí a importância econômica e política do PIB e de sua variação anual, pela qual se mede o sucesso ou o fracasso dos governos. Se não for o único medidor, é certamente um dos mais importantes.

Por isso, as nações se esforçam pela expansão perene e intensa de seu PIB. Mas, apesar de seu prestígio, o PIB, enquanto medidor indireto de bem-estar, tem lacunas.

A primeira é não incorporar o desgaste de recursos naturais, porque ninguém precisa pagá-lo. Evidentemente, se a terra sujeita a sucessivos plantios e colheitas perde a fecundidade, alguém pagará no futuro. O mesmo vale para o esgotamento de jazidas de petróleo, de minerais e da extinção de espécies de peixes e outras prendas da natureza.

Essa lacuna do PIB se torna mais grave quando a humanidade se defronta com os efeitos acumulados do consumo de combustíveis fósseis, que agravam o efeito estufa, aquecendo o planeta e trazendo calamidades. O PIB, além de não medir o custo da perda dos recursos naturais, contabiliza como positivos os gastos das nações para lutar contra desastres naturais como incêndios florestais, poluição de oceanos por derramamentos de petróleo, terremotos e maremotos.

Quanto mais desastres um país sofre, mais o seu PIB aumenta, de modo que o seu crescimento às vezes não representa o aumento do bem-estar do povo, mas a redução.

A outra lacuna do PIB é que ele ignora a forma como os produtos são distribuídos entre a população. Para medir a contribuição do PIB ao bem-estar popular, o seu valor é dividido pelo número de habitantes do país - daí o PIB per capita, que pressupõe que todos participam dele por igual, o que nunca ocorre.

No capitalismo neoliberal hoje prevalecente, a desigualdade de renda está em aumento: os pobres, em sua maioria, ficam mais pobres, e os ricos ficam ainda mais ricos.

Por causa dessas falhas do PIB, ganha importância a iniciativa do Butão, um pequeno reino no Himalaia, que no ano passado propôs à Assembleia Geral da ONU que a contabilidade nacional adotada pelas nações substitua o PIB pelo FIB, a Felicidade Interna Bruta, que o próprio Butão adota desde 2008.

O FIB foi construído para medir com exatidão a variação da felicidade da população. Após diversas consultas à população, os cientistas concluíram que a felicidade pode ser medida pelo grau de suficiência em nove áreas: bem-estar psíquico, saúde, uso do tempo, educação, diversidade cultural, boa governança, vitalidade comunitária, diversidade ecológica e padrões de vida.

O governo do Butão chegou à seguinte compreensão de felicidade: "Sabemos que a felicidade verdadeira, fiel a si mesma, não pode existir enquanto outros sofrem. Ela provém apenas de servir aos outros, vivendo em harmonia com a natureza".

Em julho de 2011, o reino do Butão apresentou à Assembleia Geral da ONU, com o apoio de 68 nações, uma proposta de resolução sobre "Felicidade: por uma abordagem holística ao desenvolvimento", que foi adotada por unanimidade pelos 193 países-membros da ONU.

Essa resolução urge uma abordagem mais inclusiva, equitativa e equilibrada, que promova o desenvolvimento sustentável, erradicação da pobreza, felicidade e bem-estar de todos os povos.


PAUL SINGER, 80, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina)