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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Reino Unido, laboratório de catástrofes


Vladimir Safatle, CartaCapital

Nos últimos 30 anos, o Reino Unido transformou-se em uma espécie de laboratório de catástrofes. Espaço das ideias “inovadoras” que pareciam quebrar consensos estabelecidos, chega hoje a uma situação social e econômica bem exemplificada na frase enunciada desesperadamente por seu ministro das Finanças, George Osborne, há mais de uma semana, à ocasião da aprovação do novo Orçamento: “Nós vamos assistir aos Brasis, às Chinas e às Índias como potências mundiais à nossa frente na economia global ou teremos a determinação nacional de dizer: ‘Não, não ficaremos para trás. Nós queremos liderar?”

Se Osborne tivesse um pouco de curiosidade especulativa, ele perceberia que a crise na qual seu país entrou, de maneira muito mais forte se comparada a vizinhos como a França e a Alemanha, é apenas o último capítulo de uma destruição há muito gestada. Sem parque industrial relevante, sem base agrícola, com a economia reduzida ao setor de serviços e finanças, o Reino Unido é o melhor exemplo de um país completamente vulnerável aos humores da economia mundial nesta época de desregulamentação.

As respostas a tal vulnerabilidade parecem mecanismos autistas de defesa que só conseguem piorar o quadro. Para começar, o primeiro-ministro David Cameron, bastião da moralidade britânica e amigo de cidadãos irrepreensíveis como o magnata da mídia Rupert Murdoch, apresentou um pacto recessivo baseado em cortes de gastos estatais, demissão de 400 mil funcionários públicos e privatização de fato do sistema universitário, com direito a fechamento de departamentos não alinhados ao novo padrão técnico de ensino.

Não é preciso ser um keynesiano radical para perceber que tal política apenas piora a capacidade da economia de contar com seu mercado interno, isto em uma época em que o Reino Unido nada tem a exportar. Sem lembrar que, ao desmantelar ainda mais os aparelhos de seguridade social, Cameron deu sua contribuição para colocar fogo na crise social que a Inglaterra assistiu não faz muito tempo: no ano passado, quando hordas de jovens da periferia quebraram e saquearam lojas.

Seu governo apresenta agora um inacreditável “plano de recuperação” baseado em corte de tributos para os mais ricos (cujo Imposto de Renda cairá de 50% para 45%) e aumento da idade para a aposentadoria. A justificativa para a redução do imposto dos ricos seria “incentivar o aumento do empreendedorismo”. Não, não se trata de uma piada. Cameron quer levar os britânicos a acreditar que os milionários não pegarão tal sobra de dinheiro e a aplicarão no sistema financeiro internacional, principalmente em países como o Brasil, onde eles terão muito mais retorno com juros do que empreendendo em uma economia combalida. O Reino Unido ganharia mais se tivesse um governo com os pés no chão, em vez de indivíduos que deliram mundos possíveis onde ricos investem na produção e bancos trabalham em favor da economia real.

A passividade britânica diante dos desatinos de seu governo vem, entre outras coisas, da sedação pela qual o país passou nestes últimos 30 anos. Primeiro, foi a era Thatcher com a tríade desregulamentação do sistema financeiro, privatização e flexibilização do mercado de trabalho, e a consequente Jihad contra os sindicatos. Estávamos na década de 1980 e Thatcher formava com Ronald Reagan o Casal 20 dos novos tempos. Impulsionada por fatos externos, entre eles a Guerra das Malvinas e o lento colapso do bloco soviético, Thatcher parecia seguir a direção do vento. Ninguém percebia como suas pregações por democracia escondiam amizades pessoais com Augusto Pinochet e afirmações medonhas como “a sociedade civil não existe”. Ninguém queria perceber a transformação da economia britânica em uma tênue vidraça a ser quebrada na primeira crise real.



Depois veio Tony Blair, que passou anos a tentar convencer o mundo sobre o mito da Terceira Via, que transformaria seu reino em uma Cool Britannia moderna e glamourosa. Enquanto Blair se preparava para seguir George W. Bush em suas mais delirantes intervenções internacionais, tínhamos de ouvir seu amigo Anthony Giddens nos dizer que o Estado de Bem-Estar Social havia acabado e que a sociedade de risco viria para ficar. Só faltou explicar que nesta sociedade os riscos são divididos de acordo com a boa e velha lógica de conflito de classe, como vemos claramente agora. Ou seja, riscos são muito diferentes quando estou autorizado a pegar dinheiro que o governo investe em bancos falidos e pagar minhas bonificações e stock options.

Choque neoliberal, Terceira Via: depois de décadas de predomínio de tais absurdos, fica realmente difícil para a sociedade britânica voltar a pensar em alternativas concretas. Resta ver seu governo tentar vender, como remédio, as próprias causas da doença. De nossa parte, diremos ao ministro Osborne: creio que essa história de liderança ficará apenas na vontade.



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