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domingo, 20 de novembro de 2011

Não seja ‘evil’; mas, quem é mesmo malvado?



James Gleick, no New York Review of Books


O lema corporativo Google é ”não seja malvado”. Simples como isso é, requer uma análise.

Ele foi apresentado pela primeira vez em 2001 por um engenheiro, Paul Buchheit, numa sessão de discussão sobre valores corporativos. “As pessoas riram”, lembrou. “Mas eu disse, ‘É pra valer.’” (Naquela época, o boom do mundo da tecnologia tinha seus ‘esqueletos no armário’, e muitos Googlers entenderam “não seja malvado” explicitamente no sentido de “não sejam como a Microsoft “, ou seja, não ser um monopolista implacável e cruel).

Muitas vezes o slogan é citado em uma forma mais contundente: “Não faça o mal.” Mas este seria um princípio mais difícil de cumprir.

Agora eles podem ser zombados por conta slogan, mas os Googlers estavam sendo sinceros. Eles acreditavam que uma empresa deveria se comportar eticamente, como uma pessoa. Eles refletiam e debatiam entusiasticamente sobre seus valores. À primeira vista, “Não seja malvado” era um compromisso melhor do que alguns dos outros concorrentes: “o Google vai se esforçar para honrar todos os compromissos” ou “jogue duro, mas mantenha as travas [da chuteira] para baixo.”

“Não seja malvado” não significa necessariamente “ter transparência”. Nenhum dos livros apresentados aqui pode dizer quantas buscas o Google realiza, a quantidade de eletricidade que consome, a exata capacidade de armazenamento que possui, quantas ruas ele fotografou, quantos e-mails ele armazena; e nem adianta você fazer uma busca no Google por essas informações, porque Google valoriza a própria privacidade.

Também não tem que significar “obedecer todas as leis.” Quando o Google embarcou em seu programa de digitalizar livros com direitos autorais e copiá-los para seus servidores, ele agiu por baixo do pano, enganando editores com os quais estava desenvolvendo relações comerciais. O Google sabia que essas cópias beiravam a ilegalidade. Considerou suas intenções honrosas e a lei ultrapassada. “Eu acho que nós sabíamos que haveria um monte de questões interessantes”, Levy cita uma fala de Page, “e a maneira como as leis são estruturadas não é exatamente sensata”.

Quem, então, julga o que é o malvado? “Malvado é o que Sergey diz que é malvado”, explicou Eric Schmidt, o executivo-chefe, em 2002.

Quanto a Sergey: “Eu sinto que não devo impor minhas crenças sobre o mundo. É uma prática de má tecnologia.” Mas os fundadores parecem confiar bastante em seu próprio senso de justiça. (“‘Bastardos!’ Larry teria exclamado quando um blogger levantou dúvidas sobre a privacidade dos usuários [do Google]“, lembra Edwards.”Bastardos!’ Eles é o que diriam sobre a imprensa, os políticos, ou os usuários confusos que não são capazes de compreender a superioridade óbvia da tecnologia por trás dos produtos do Google.”)

Google fez algum mal na China. Ele colaborou com a censura. Começando em 2004, ele deu um jeito de torcer seus algoritmos e filtrar seus resultados de modo que o Google em chinês omitiria resultados indesejáveis ​​para o governo. No exemplo mais notório, uma busca por “Praça Tiananmen” [Praça da Paz Celestial] iria resultar em guias de turismo, e não em aulas de história. O Google descobriu o que censurar verificando o mecanismo de busca Baidu, aprovado pela China, e, aceitando orientações complementares do governo.

No entanto, também é verdade que o Google procurou resistir ao governo chinês tanto quanto qualquer outra empresa americana. Quando os resultados foram bloqueados, o Google insistiu em alertar seus usuários com um aviso na parte inferior da página de pesquisa. No fim das contas, o Google claramente acreditava (e eu acho que estava certo, apesar do óbvio interesse próprio) que a sua presença beneficiou o povo da China, aumentando o fluxo de informações e deixando clara a violação da transparência. A aventura teve uma reviravolta em janeiro de 2010, depois que um grupo de hackers, talvez com o envolvimento do governo, violou os servidores do Google e teve acesso às contas de e-mail de ativistas de direitos humanos. A companhia fechou o Google.cn e agora serve a China a partir de Hong Kong, com resultados censurados não pelo Google, mas pelos filtros do governo.

Assim o Google é malvado? A questão está aí pra quem quiser ver; e ela incomoda, mesmo se alegremente confiamos nos serviços desta empresa – que agora oferece, além dos resultados de busca, mapas, traduções, imagens de rua, calendários, vídeos, dados financeiros, e indicações de bens e serviços. A crítica mais contundente contra o Google está disponível no livro Search & Destroy, escrito por Scott Cleland, um auto-intitulado “crítico do Google”. Ele é agressivo – o livro poderia muito bem ter sido intitulado Google: Intimidação ou Ameaça? “Há evidências de que o Google não é só cãezinhos meigos e arco-íris”, ele escreve.

O mascote corporativo do Google é a réplica de um esqueleto de Tyrannosaurus Rex, em exposição do lado de fora da sede da empresa. Com sua mandíbula e dentes poderosos, o tiranossauro era um predador terrível. E dê uma olhada na poltrona que fica no escritório do presidente do Google, Eric Schmidt – retirada de um bombardeiro B-52. O B-52 era um bombardeiro de longo alcance projetado para lançar armas nucleares.

Levy é mais comedido: “Google professou um senso de pureza moral… mas parecia incapaz de perceber as conseqüências de sua própria tecnologia nos direitos de privacidade e de propriedade.” Pesadas todas as evidências, os fundadores do Google adotaram uma visão ética incomum, para uma empresa também incomum. Eles acreditam que a informação – “universalmente acessível” – é uma virtude em si mesma. Eles criaram e lideraram equipes de técnicos responsáveis ​​por uma década de ouro de verdadeira inovação. Eles são visionários em uma época em que a esta palavra se vulgarizou. Talvez, agora eles estejam pouco dispostos a submeterem-se aos padrões éticos de outras pessoas, mas isso pode ser apenas uma questão de personalidade. É bom lembrar que uma corporação moderna é uma criatura amoral por definição, subserviente a seus acionista, e não ao interesse público.

A Federal Trade Commission [Comissão Federal de Comércio] expediu uma série de intimações em junho, como parte de uma investigação antitruste contra os sistemas de busca e publicidade do Google; a Comissão Europeia começou uma investigação semelhante no ano passado. Os governos estão reagindo, em parte, às queixas organizadas de concorrentes do Google, incluindo Microsoft, que afirmam, entre outras coisas, que a empresa manipula seus resultados de busca para favorecer seus amigos e punir seus inimigos. A empresa sempre negou isso. Certamente os reguladores estão preocupados com esse “domínio” – o Google parece estar em toda parte, parece saber tudo, e age contra noções de privacidade já bem arraigadas.

A ascensão das redes sociais equilibra novamente esta equação. Os usuários do Facebook escolhem revelar – e até alardear – aspectos de suas vidas privadas, para pelo menos parte do mundo público. Quais os aspectos, e que parte? No Facebook, as opções de usuário são notoriamente obscuras e sujeitas a mudanças, mas a maioria dos usuários compartilha suas informações com “amigos” (palavra que, usada neste contexto, parece ter sido seqüestrada e empalhada). No Twitter, cada enunciado pode ser visto por todo mundo, exceto no caso das chamadas “mensagem direta”, que o ex-deputado Anthony Weiner tentou e não conseguiu utilizar. Além disso, a Biblioteca do Congresso Americano está arquivando todos os tweets do mundo, talvez para serem eternizados: um fato que deve entrar na preocupar os adolescentes, ou senão, os membros do Congresso.

Agora, o Google está implementando sua segunda experiência em plataformas de rede-social, o Google+. A primeira tentativa ocorreu 18 meses atrás com o Google Buzz – um tropeço incomum para a empresa. Por padrão, ele revelou listas de contatos com os quais os usuários vinham trocado mensagens instantâneas ou e-mails. Os defensores da privacidade soaram um alarme e a Federal Trade Commission iniciou uma investigação, chegando rapidamente a uma solução em que o Google concordou em se submeter com regularidade a auditorias de privacidade pelos próximos 20 anos. O Google+ dá aos usuários um controle mais preciso sobre o que é compartilhado com quem. Ainda assim, de um jeito ou de outro, tudo é compartilhado com a empresa. Todas as redes sociais têm acesso a nossa informação e pretendem usá-la. Elas são nossas amigas?

Uma coisa é clara: nós temos que decidir o que queremos do Google (como se pudéssemos determinar nosso consciente coletivo). E mesmo depois disso, ainda poderemos não conseguir o que desejamos.

O Google sempre diz que os usuários podem desabilitar muitas de suas formas de coleta de dados, o que é verdade – até certo ponto – para usuários que sabem usar bem o computador; além disso, a empresa fala de privacidade como se fosse uma moeda de troca [um trade-off], mas Vaidhyanathan rejeita esta ideia:

Privacidade não é algo que pode ser contado, dividido, ou “negociado”. Não é uma substância ou conjunto de dados. É apenas uma palavra que usamos desajeitadamente para expressar uma grande variedade de valores e práticas que influenciam o modo como administramos nossa reputação em diferentes contextos. Não existe uma fórmula para avaliar “privacidade”: eu não posso dar ao Google três pontos da minha privacidade em troca de um serviço de 10 por cento melhor.

Isso me parece correto se levarmos em conta ainda que “privacidade” envolve não apenas administrar a nossa reputação, mas proteger a nossa vida privada – que podemos não querer compartilhar. Em todo caso, continuamos a fazer precisamente o tipo de negociação que Vaidhyanathan diz ser impossível [usando a privacidade como moeda de troca]. Queremos ser tratados como indivíduos ou como os neurônios no cérebro do mundo? Obtemos melhores resultados de pesquisa e vemos anúncios publicitários mais adequados quando deixamos que o Google saiba quem nós somos. E ainda economizamos alguns toques no teclado.

* Este texto foi publicado originalmente como uma análise das seguintes publicações:

In the Plex: How Google Thinks, Works, and Shapes Our Lives por Steven Levy
Simon and Schuster, 424 p.

I’m Feeling Lucky: The Confessions of Google Employee Number 59 por Douglas Edwards
Houghton Mifflin Harcourt, 416 p.

The Googlization of Everything (and Why We Should Worry) por Siva Vaidhyanathan
University of California Press, 265 p.

Search & Destroy: Why You Can’t Trust Google Inc. por Scott Cleland, com Ira Brodsky
Telescope, 329 p.


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