Em mais um de seus elegantes artigos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso repetiu coisas conhecidas. Lá estavam, por exemplo, o cosmopolitismo de sempre e as contradições que marcam seu pensamento de uns anos para cá. Disse, porém, algo novo.
Publicado no último domingo, o texto tem o título “Política e Moral” e foi escrito a propósito do livro recém lançado de um amigo - e ex-comensal dos tempos de Palácio da Alvorada -, o sociólogo francês Alain Touraine.
Aos 86 anos, Touraine permanece ativo na discussão dos rumos de seu país e dedica o ensaio à campanha bem sucedida de François Hollande, que terminou por levá-lo à vitória contra Sarkozy e a se tornar o primeiro presidente socialista francês desde Mitterrand.
Mas não foi isso que motivou o artigo de FHC.
Discutir as reflexões do colega foi uma oportunidade para que exibisse sua familiaridade e conhecimento da situação internacional. Transitando com facilidade entre temas tão complexos quanto o cotidiano das sociedades avançadas e os acontecimentos recentes nos países árabes e na China, FHC deixou claro que não pendurou as chuteiras: provou que - a seu modo - entende tudo que acontece no mundo.
(Daí, provavelmente, vem sua preferência por assinar-se “sociólogo”, deixando em segundo plano a menção a que “foi presidente da República” - um modo curioso de dizer quem é (não seria engraçado se Lula continuasse a se apresentar como “sindicalista”?).
Não foi, no entanto, apenas para mostrar-se cidadão do mundo que FHC decidiu comentar o livro.
Ele mesmo explica a razão: “Porque, mutatis mutandi, também no Brasil se sentem os efeitos da crise (da sociedade industrial)” diagnosticada por Touraine. Que adviria da “petrificação” das instituições e de sua perda de legitimidade, em um mundo regido por um economicismo que nega espaço ao humanismo.
Para enfrentá-la, seria necessário ir além da social-democracia, e libertar o “pensamento político da mera análise econômica”. Nas palavras de FHC: “É preciso contrapor os temas morais ao predomínio do econômico”.
Como fazê-lo?
O caminho estaria em sair do espaço convencional da política, superar os partidos, buscar as ruas. Como diz o ex-presidente: “Só os movimentos sociais e de opinião, movidos por um novo humanismo expresso por lideranças respeitadas, pode despertar a confiança perdida”.
Talvez seja uma receita adequada para o sociólogo Fernando Henrique.
Mas será boa para os partidos de oposição? Se só os movimentos sociais são confiáveis, para que serviriam os partidos - incluído o PSDB?
O ex-presidente se sente bem no papel de “sábio maduro”. Afinal, integra o grupo dos Elders (os “Anciãos”), que congrega lideranças experientes do mundo inteiro - de Desmond Tutu a Jimmy Carter. E tem proposto a discussão de temas polêmicos, como a descriminalização do uso de drogas leves.
Quem lideraria o “novo humanismo”? Quem conseguiria transformar o “rosário do mal-estar cotidiano” dos brasileiros e mobilizá-los? Quem melhor que ele?
Mas seria com esse discurso que as oposições deveriam se apresentar nas próximas eleições municipais? Ou na sucessão de Dilma?
É difícil acreditar que Fernando Henrique não perceba que a agenda da vasta maioria da sociedade brasileira nada tem de “pós-econômica”. Que a discussão relevante para ela é como alcançar níveis satisfatórios de vida, de acesso ao consumo e aos bens públicos.
E que não compreenda que não será inventando prioridades que as oposições terão de volta o apoio popular que perderam.
Publicado no último domingo, o texto tem o título “Política e Moral” e foi escrito a propósito do livro recém lançado de um amigo - e ex-comensal dos tempos de Palácio da Alvorada -, o sociólogo francês Alain Touraine.
Aos 86 anos, Touraine permanece ativo na discussão dos rumos de seu país e dedica o ensaio à campanha bem sucedida de François Hollande, que terminou por levá-lo à vitória contra Sarkozy e a se tornar o primeiro presidente socialista francês desde Mitterrand.
Mas não foi isso que motivou o artigo de FHC.
Discutir as reflexões do colega foi uma oportunidade para que exibisse sua familiaridade e conhecimento da situação internacional. Transitando com facilidade entre temas tão complexos quanto o cotidiano das sociedades avançadas e os acontecimentos recentes nos países árabes e na China, FHC deixou claro que não pendurou as chuteiras: provou que - a seu modo - entende tudo que acontece no mundo.
(Daí, provavelmente, vem sua preferência por assinar-se “sociólogo”, deixando em segundo plano a menção a que “foi presidente da República” - um modo curioso de dizer quem é (não seria engraçado se Lula continuasse a se apresentar como “sindicalista”?).
Não foi, no entanto, apenas para mostrar-se cidadão do mundo que FHC decidiu comentar o livro.
Ele mesmo explica a razão: “Porque, mutatis mutandi, também no Brasil se sentem os efeitos da crise (da sociedade industrial)” diagnosticada por Touraine. Que adviria da “petrificação” das instituições e de sua perda de legitimidade, em um mundo regido por um economicismo que nega espaço ao humanismo.
Para enfrentá-la, seria necessário ir além da social-democracia, e libertar o “pensamento político da mera análise econômica”. Nas palavras de FHC: “É preciso contrapor os temas morais ao predomínio do econômico”.
Como fazê-lo?
O caminho estaria em sair do espaço convencional da política, superar os partidos, buscar as ruas. Como diz o ex-presidente: “Só os movimentos sociais e de opinião, movidos por um novo humanismo expresso por lideranças respeitadas, pode despertar a confiança perdida”.
Talvez seja uma receita adequada para o sociólogo Fernando Henrique.
Mas será boa para os partidos de oposição? Se só os movimentos sociais são confiáveis, para que serviriam os partidos - incluído o PSDB?
O ex-presidente se sente bem no papel de “sábio maduro”. Afinal, integra o grupo dos Elders (os “Anciãos”), que congrega lideranças experientes do mundo inteiro - de Desmond Tutu a Jimmy Carter. E tem proposto a discussão de temas polêmicos, como a descriminalização do uso de drogas leves.
Quem lideraria o “novo humanismo”? Quem conseguiria transformar o “rosário do mal-estar cotidiano” dos brasileiros e mobilizá-los? Quem melhor que ele?
Mas seria com esse discurso que as oposições deveriam se apresentar nas próximas eleições municipais? Ou na sucessão de Dilma?
É difícil acreditar que Fernando Henrique não perceba que a agenda da vasta maioria da sociedade brasileira nada tem de “pós-econômica”. Que a discussão relevante para ela é como alcançar níveis satisfatórios de vida, de acesso ao consumo e aos bens públicos.
E que não compreenda que não será inventando prioridades que as oposições terão de volta o apoio popular que perderam.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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