Pesquisar este blog

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ponto polêmico: Direito de escolha de médico e acomodação em internação SUS


Direito de escolha: um direito de cidadania
ou exercício de uma opção burguesa e excludente?

publicado por Fátima Oliveira, em Jornal O TEMPO
Médica – fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

Escreverei alguns artigos sobre o direito de escolha de acomodação e de médico em internação SUS. Não vejo o tema como proibido, mas o debate tem sido interditado sob a pecha sectária de “SUS pra pobre e SUS pra rico”.

Recentemente, fui abordada pela filha de uma doente, há dias no corredor, que reivindicava para a mãe um lugar decente. Disse-lhe que eu desejava o mesmo, porém não havia vaga para interná-la. Retrucou que, embora não pudesse arcar com internação particular, podia pagar um quarto só para ela. Discorri sobre as bases oficiais da impossibilidade de concretizar seu desejo.

Revoltada, gritou: “Doutora, é um absurdo autoritário o SUS impedir que eu pague, e está dentro de minhas posses, uma acomodação digna para minha mãe, à beira da morte”.

Relatarei, sucintamente, um fato similar. No começo de 2003, num plantão de domingo, lotado pelas tabelas, até a “maca de parada” ocupada, fui chamada à recepção para atender a duas pessoas que se diziam conhecidas minhas e que se apresentaram como um amigo e um irmão do presidente Lula. Resumindo: eu os conhecia dos meus tempos de Sampa. O amigo era um deputado do PT (SP) e o irmão, o Frei Chico. Após animados “como vai?”, passando pelas macas com doentes nos corredores, chegamos à sala de coordenação.

O deputado falou que estavam em BH em visita a um irmão do presidente que estava internado, mas estavam horrorizados com a precariedade da higiene da enfermaria e as dificuldades da família para ficar mais tempo com ele, então, pelo conjunto da obra, desejavam transferi-lo. O doente desejava ser tratado no que considerava o melhor lugar: ali onde eu trabalhava.

Sem saber por onde começar, mas sem rodeios, falei que, naquele “inferno de Dante” que eles atravessaram, 80% a 90% das pessoas aguardavam internação, algumas há dias. Transferir um doente internado num hospital SUS, onde também havia oncologia, fugia da minha competência, pois o acesso à internação no SUS se dá onde há vaga. Concordaram. E que não havia lógica em desinternar um doente para levá-lo para um pronto-socorro, onde nem maca livre havia! Concordaram.

Insistiram. Desejavam que o doente fosse internado numa acomodação com algum conforto e menos sofrimento também para os familiares. Foi especulado o pagamento de “diferença de apartamento”. Respondi que tal possibilidade foi extinta quando o Inamps virou SUS. O deputado foi aos finalmente: “Se aqui não há vaga pelo SUS, ele pode ser internado particular?”.

Disse-lhe que não sabia, pois no pronto-socorro não havia atendimento particular, mas os acompanharia ao setor de internação para maiores informações. Fomos. Hospital lotado, mas, à tarde, um apartamento estaria vago. O doente foi internado naquela tarde pelo médico escolhido pela família, após o depósito exigido, em cheque, emitido pelo deputado, pelo qual eu me responsabilizei, acho que por escrito, por ser cheque de São Paulo, garantindo, assim, a internação particular.

A história do irmão do presidente internado “particular” virou uma bola de neve. Queriam detalhes. E se o cheque voltar, você vai pagar? Ao que eu respondia tranquilamente que ele fora admitido não no pronto-socorro, mas no hospital, com escolha de médico e acomodações exigidas por quem estava pagando pela internação. E assim foi!

Pergunto: escolher médico(a) e acomodação de maior conforto extingue o direito universal de internação pelo SUS? Sendo o SUS de todos, para pobres e para ricos, a regra é democrática ou totalitária?


Comentário do Senhor C.:

- Entendo que a primeira manifestação é a de torcer a cara e dizer que este ponto de vista não é cabível. Mas, se o caso é pensar, porque não permitirmos o segundo pensamento e encarar o debate? Isso é possível? Aceitável? Ideologicamente interditado? Moralmente discutível? Operacionalmente irrealizável? Ou como arremata a autora, estamos diante de um dilema entre a democracia e o autoritarismo? Ainda assim, não equivale a instituir numa política igualitária o princípio da diferenciação da sociedade burguesa e capitalista? Enfim...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.