por Heloisa Villela, de Washington
Mark é o autor, em parceria com Tariq Ali, do script de “South of the Border”, filme de Oliver Stone que trata, justamente, das distorções da cobertura feita por jornalistas dos Estados Unidos sobre os países ao sul da fronteira.
Oliver Stone embarcou em uma viagem pela América do Sul, na qual entrevistou Hugo Chávez, Lula, Fernando Lugo, Evo Morales, Nestor Kirchner…
Entre outros momentos inesquecíveis do filme, Kirchner relatou a Oliver Stone a conversa franca que teve com o ex-presidente George Bush, na qual o texano explicou, com todas as letras, que os Estados Unidos promoviam guerras porque é bom para a economia. Sem culpa e sem desculpas.
Mas o assunto aqui é outro: Mark é o que se pode chamar de um especialista em América Latina desde os tempos da universidade. Ele fez parte do movimento estudantil que incendiou os campus estadunidenses durante o governo de Ronald Reagan, em protesto contra os massacres em El Salvador e Nicarágua, promovidos no primeiro por um regime aliado de Washington e no segundo pela guerrilha de direita apoiada por Washington. Na época, segundo Mark, mais de cem mil norte-americanos visitaram os dois países, para ver de perto o que estava acontecendo. Muitos, ao voltar para casa, passaram a pressionar o governo. Na imprensa e nos livros de história, ninguém se lembra disso.
Mark garante: foi aquele movimento popular que obrigou a Casa Branca a partir para a clandestinidade, especialmente na Nicarágua, o que resultou no escândalo Irã-Contras. O escândalo, que abalou o governo de Ronald Reagan, se deu quando foi revelado que os Estados Unidos vendiam armas clandestinamente ao Irã e desviavam o dinheiro para ajudar o movimento dos Contra, que tentava derrubar o governo sandinista.
Assim, combater as versões apresentadas pela imprensa não é exatamente uma novidade para Mark, economista nascido e criado em Chicago. É uma batalha que continua e é travada diariamente. No caso da Argentina, ele explica:
– Eles não saíram da crise aumentando as exportações. Isso é muito importante, porque se aplica agora a países da zona do euro. Vamos começar do começo. No fim de 2001, a Argentina suspendeu o pagamento de quase toda a dívida externa e abandonou a taxa fixa de câmbio e, por isso, enfrentou uma grave crise financeira. Mas ela durou apenas três meses. Foram três meses muito difíceis. A Argentina perdeu 5% do PIB. Mas, depois disso, começou a crescer. Nos seis anos seguintes, o crescimento foi de 63%, em termos reais, corrigidos pela inflação.
A agricultura — e as exportações agrícolas, em particular — tiveram participação muito pequena neste crescimento, entre 2002 e 2010, diz ele.
– Se você analisar a economia real e pensar na quantidade de tudo o que a Argentina produz – aço, soja, serviços – em termos reais, ajustados para a inflação, a exportação de produtos agrícolas, especialmente a soja e todos os produtos da soja, contribuem muito pouco. As exportações significaram apenas 12% do crescimento econômico destes anos todos. Então, algo mais respondeu pelos outros 88%: consumo doméstico e investimento doméstico.
O que nos leva a concluir que houve um grande aumento de renda, dentro do país, para sustentar o consumo e o investimento.
“Claro”, diz Mark, “houve um grande aumento da renda per capita e uma grande redução da desigualdade. E como fizeram isso? Colocando o crescimento como prioridade. Por isso eles adotaram uma polícia fiscal expansionista, uma política monetária expansionista e mantiveram uma taxa de câmbio estável e competitiva. Não foi apenas a desvalorização da moeda que tornou as exportações mais baratas. É todo um programa de políticas macroeconômicas orientadas para o crescimento e para o emprego. Não foi um crescimento baseado em exportações e não foi um boom de commodities, tampouco. Eu vou publicar outro estudo sobre isso. Nós investigamos todos os produtos da soja e é uma grande quantidade de coisas. Mas em termos de valor, em relação ao crescimento da economia na última década, não houve crescimento. Ficou praticamente estável”.
Assim, a comparação com o Brasil é inevitável. Enquanto a imprensa mundial trata a Argentina como um filho desgarrado, que se perdeu no deserto, o Brasil tem recebido a bajulação reservada às novas estrelas, às grandes revelações da economia contemporânea. Mark, sempre com aquele olhar cínico, quer dizer, clínico, pondera com a maior tranquilidade. Diz que a imprensa mundial adora o Brasil porque as empresas financeiras ganham muito dinheiro investindo no país, que tem as taxas de juros mais altas do mundo.
Por isso ele diz que não adianta nada o país reclamar da política expansionista norte-americana, que está promovendo a queda do dólar — como fez a presidente Dilma Rousseff, em visita à Casa Branca. Cabe ao Brasil, diz ele, reduzir os juros para que as instituições financeiras internacionais não tenham tanto interesse em afogar o país com dólares.
Apesar de levar em conta a história de cada país para entender o ritmo das mudanças em cada lugar, Mark compara a atuação do Banco Central da Argentina com a do BC brasileiro. Mas antes, o histórico:
– O volume de investimento externo, na Argentina, tem sido muito pequeno nos últimos nove anos. Especialmente se comparado com Brasil, Chile e México. Além disso, a Argentina não pode tomar dinheiro emprestado no mercado de bonds. Isso é importante porque se você lê a imprensa financeira, esses dois fatores são sempre destacados como os mais importantes para qualquer governo: agradar os estrangeiros que querem fazer investimentos diretos no país e agradar os compradores de bonds para ter uma boa nota de crédito. A Argentina não fez nenhum dos dois e teve o crescimento mais rápido do hemisfério. Reduziu a pobreza em dois terços, a pobreza extrema mais ainda. Eles têm um índice recorde de emprego e gastaram muito dinheiro em programas sociais. Eles têm o maior programa de transferência de dinheiro, tipo o Bolsa Família, só que muito maior, é o maior da América Latina.
E continua:
– O FMI pressionou a Argentina durante anos. De 2002 a 2005. Não deu dinheiro algum ao país. Na verdade, tirou dinheiro. O FMI, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Enquanto a Argentina estava na pior, eles estavam drenando o país. Tirando dinheiro. Pressionaram para o país pagar mais aos credores. Mas a Argentina se recusou. Não queria pagar mais do que tinha condições de pagar e se ver em uma crise cambial. Queria ter certeza de que teria o dinheiro que não poderia tomar emprestado. Eles foram muito cuidadosos e colocaram o interesse da maioria em primeiro lugar. Eles também queriam que a indústria do país se recuperasse e adotaram uma política na qual mantiveram o que chamaram de taxa de câmbio estável e competitiva, administrada pelo Banco Central. Isso também contrariou a ortodoxia estabelecida. Hoje, na América Latina — no Brasil, por exemplo — o Banco Central basicamente visa a inflação e isso tem sido uma política muito prejudicial ao Brasil, já que o BC usa o câmbio para combater a inflação. Então, basicamente, nos últimos oito ou nove anos, o governo de seu país conseguiu manter a meta de inflação elevando o valor da moeda e, em consequência, reduzindo os preços de importação e exportação. Isso prejudicou a indústria e o crescimento geral da economia. A Argentina adotou uma política oposta. Eles queriam ter uma taxa de câmbio estável e competitiva e usaram o Banco Central para isso. Eles não disseram: “Deixe o Banco Central fazer o que o setor financeiro quer”.
Mark, um otimista inveterado, contemporiza e lembra que houve grandes avanços no Brasil, apesar da dificuldade que o governo encontra para enfrentar os interesses do setor financeiro.
– Primeiro, de 2004 até agora a economia brasileira cresceu duas vezes mais rápido do que ela cresceu nos 25 anos anteriores, anualmente. Isso ainda não é o [crescimento] que você teve nos anos 60 e 70. Mas é bem mais do que nos anos Cardoso (do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso). A renda per capita cresceu 3,5% nos oito anos do Cardoso. Nos governos Lula, ela cresceu cerca de 22%.
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