É conhecida, desde que o mundo é mundo, a estratégia do “pão e circo” como elementos utilizados pelo poder a serviço do amortecimento e da alienação dos menos favorecidos socialmente. Mas, se é fácil reconhecer tais elementos nos antigos tempos do Coliseus dos gladiadores e dos leões, às vezes eles são mal caracterizados e corre-se o risco de falsas analogias quando se analisam outros cenários.
No Brasil de hoje, há quem veja nas políticas sociais do Governo – iniciadas com Lula e continuadas com a presidenta Dilma- , em particular no “bolsa-família” , uma versão contemporânea e cabocla da tal disponibilidade de pães que garantia os potentados e as elites romanas. A turma que pensa assim destila a sua tese venenosa com o argumento de que tais benesses provocam a inércia, a preguiça, a falta de objetivos. Os “felizes beneficiados” da “bolsa-família” , tendo garantida a sua sobrevivência básica, renegariam o trabalho, vivendo, assim, de benefícios que só são possíveis porque derivados dos impostos pagos pelos que trabalham. Um bando de aproveitadores, enfim, sugando a coisa pública. Será?
Sempre me lembro da frase do Betinho quando o assunto “bolsa-família” (e outras “bolsas”) envereda por esse tipo de argumento. Quem tem fome tem pressa e as elites ,sempre insensíveis aos famintos, têm pouco que opinar nesse assunto. É fácil para elas deitar falação, lavar as mãos e proclamar , do alto da sua sabedoria, que “antes de dar o peixe, deve-se ensinar a pescar”. Penso exatamente o contrário: em situações extremas, primeiro se dá o peixe, até para que reste alguém habilitado a aprender a pescar... E mais: que autoridade têm esses críticos que, ao longo dos tempos, quando no poder e diante do nosso histórico quadro de miséria, nem deram o peixe nem ensinaram a pescar?
Essas políticas sociais dos dois últimos governos não se confundem nem de longe com os pães da alienação e da subserviência do império romano e de outros impérios. E nem são, apenas, gratuita dádiva de peixes. Elas não buscam a perpetuação das desigualdades pela alienação, mas, ao contrário, pretendem a inclusão social. Estão aí, por exemplo, como componentes desse “pão”, os projetos que envolvem saúde, educação,casa própria . Pouca coisa ainda, é certo, mas os nossos indicadores sociais vêm, cotidianamente, revelando avanços , para o desprazer, talvez, de certas viúvas de uma outra realidade e contrariando “previsões” de muitas aves agourentas saudosas de um outro tempo . Abstenho-me, aqui, de arrolar esses números, que são do conhecimento de todos e que a própria mídia manipuladora não consegue esconder.
Mas... e o circo? Aqui, quero tirar o foco do governo. Este não é, seguramente, um “departamento” governamental. Dá para notar claramente na grande mídia – particularmente na que envolve os canais abertos de tevê e, mais particularmente, aquela que detém audiência majoritária – a preocupação de pegar carona nessa mudança que o país experimenta e “conquistar” a nova classe “C”, até porque os canais fechados e a internet já lhes roubaram vastos percentuais das classes ditas “elevadas”.
Nada mais lógico, nada mais esperado, por parte de quem se sustenta em função de ibopes. Impossível questionar essa tentativa de sedução. Mas, se o pão do Governo em nada se aproxima do histórico intuito alienante, o circo oferecido pela mídia claramente tem esse objetivo, com suas novelas de baixo nível dramatúrgico com enredos previsíveis e lineares, seus programas de reality show que exacerbam a vulgaridade, seu processo manipulador de informação, sua programação centrada no apelo sexual do chamado “consumo do corpo”, sua promoção de “celebridades” efêmeras, porque falsas .
Por que faço essas observações? Penso que a atual obrigação do Governo é zelar, sim, pelo pão na mesa dos brasileiros. Essa política tem a ver com cidadania, dignidade, justiça social. Mas também acho que isso deve ser acompanhado de um outro alimento, o do espírito, que se dá sob o império de um processo educativo, que não passa apenas pelas escolas publicas de qualidade - que estamos longe de ter -, por professores bem formados e bem remunerados – de que carecemos - mas também por uma produção cultural que, se não pode nem deve ser diretamente gerida pelo Estado, nem por isso pode ficar, sem qualquer controle, ao bel-prazer de outros segmentos interessados, esses sim, na perpetuação dos valores de amortecimento das grandes massas, com a velha ideia de que, para elas, basta o samba, o sexo e o futebol...
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação
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