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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Desembargador cobra respeito a ex-presidentes

Liturgia do cargo?
Por Marcelo Auler
Consultor Jurídico


Em julgamento ocorrido nesta terça-feira (8/5), a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região confirmou liminar suspendendo a convocação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento como testemunha em processo “filho” da Ação Penal que corre no Supremo Tribunal Federal, sobre o esquema do mensalão. Na votação, porém, o que chamou a atenção não foi o bem fundamentado voto do relator, desembargador Messod Azulay Neto, mas seu desabafo a respeito da convocação do ex-presidente para depor. Clique aqui para ler.

O desembargador se disse entristecido como cidadão por notar que os brasileiros não valorizam o patrimônio nacional e suas instituições, como os ex-presidentes. Ele se queixou de comentários na imprensa que o acusaram de beneficiar o ex-presidente ao, monocraticamente, ter suspendido a convocação de Lula.

Não se está privilegiando ninguém. Estaria se privilegiando alguém que está respondendo a processo criminal ao se trazer o ex-presidente da República para prestar um depoimento sobre uma história com a qual ele não tem nada a ver. Aí sim se estará jogando para a mídia, ou atendendo aos apelos de uma ação protelatória”, esclareceu.

Como a ConJur noticiou, o ex-presidente foi arrolado como testemunha de defesa pelo ex-procurador da Fazenda Nacional, Glênio Sabbad Guedes, que responde em ação penal por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

Guedes é acusado de receber do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza e de seus sócios Rogério Lanza Tolentino e José Roberto Moreira de Melo propinas em troca da emissão de pareceres que resultariam no cancelamento de multas a instituições financeiras, notadamente o Banco Rural, no Conselho de Recurso do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), conhecido como "Conselhinho".

No Mandado de Segurança, os advogados do ex-presidente — representado pelo escritório Teixeira, Martins & Advogados — disseram que ele “não tem qualquer relação pessoal com o réu, bem como desconhece quaisquer dos fatos discutidos na referida ação penal”. Alegaram ainda que “sua intimação para testemunhar se deu com base em uma declaração subjetiva divulgada na imprensa, na qual afirmava que ‘o mensalão nunca existiu’”, como relatou Azulay Neto.

O desembargador concedeu a liminar, decisão que gerou um Agravo Interno do Ministério Público Federal, assinado pela procuradora regional da República Mônica de Ré. Impetrado na segunda-feira (7/5), o Agravo foi levado a julgamento nesta terça (8/5) pelo relator que, respaldado pelo Regimento Interno do TRF-2, não o conheceu. No entanto, ele fez questão de, de ofício, submeter à apreciação da turma a liminar concedida. Por unanimidade, a liminar foi confirmada.

Em seu voto, Azulay Neto explicou ter suspendido a convocação de Lula como testemunha por entender, tal como já havia feito o juiz Roberto Schuman, da 3ª Vara Federal Criminal do Rio, ser “flagrante a ausência de razoabilidade do precedente que se abriria com o arrolamento do ex-mandatário-mor da República como testemunha, em razão da declaração opinativa, genérica, prestada em veículo de mídia”.

O desembargador lembrou, inclusive, da conhecida máxima “segundo a qual as testemunhas devem se manifestar sobre fatos positivos, específicos, relativos à ação penal, e não sobre questões de ordem subjetiva, ou permitir opiniões, ou fazer meras conjecturas acerca dos fatos que se pretende esclarecer”.

Ele afirmou que democraticamente respeitava a opinião do Ministério Público, que defendeu “não haver qualquer impedimento para a oitiva do impetrante, nem mesmo para a sua exclusão no rol de testemunhas e que a exclusão da mesma viola o principio da ampla defesa e do contraditório”. No entanto, criticou a iniciativa. Lembrou, por exemplo, que no processo principal do “mensalão”, o “Supremo Tribunal Federal não convidou o presidente da República para falar. O Ministério Público não convidou o presidente da República para falar. Por que o Ministério Público está achando que aqui ele deve falar?”, questionou. “Isto, na minha visão, revela imaturidade política do país. Infelizmente, o Ministério Público entrou com este Agravo Interno.”


Infelizmente, observo que não estamos em um nível de maturidade, ainda, das nossas instituições, a ponto de valorizarmos o que é nosso, o nosso patrimônio. Gostemos ou não de Fernando Henrique, ele é ex-presidente. Gostemos ou não do Collor, ele é ex-presidente. Gostemos ou não do Lula, ele é ex-presidente. Além de tudo, é uma figura que, todos nós sabemos, tem carisma. Ora, que maravilha colocar um ex-presidente carismático para falar em videoconferência como testemunha de um fato! Realmente, este é um desabafo de alguém ao observar que a postura não prezou pelas nossas instituições mais importantes, que devemos prezar”.

Azulay Neto insistiu. “Não é o Lula, não é Luiz Inácio Lula da Silva. É o ex-presidente da República. Nos Estados Unidos, o Bill Clinton continua reverenciado porque não se trata de um qualquer, se trata de um ex-mandatário-mor da Nação. Esta é que é a questão. Infelizmente, aqui, este aspecto não está sendo observado”.

No seu entendimento, se houvesse uma justificativa plausível, o ex-presidente deveria ser intimado a prestar depoimento. Mas, no caso, Lula nada acrescentaria ao processo.

Qual a justificativa, qual o fundamento para ele ser chamado a depor? Nenhum. O único motivo é para que o réu não alegue cerceamento de defesa”, explicou, revelando ter sido essa a justificativa apresentada pelo juiz Gustavo Pontes Mazzocchi, que reviu a decisão de Schuman e mandou intimar o ex-presidente, abrindo a possibilidade de ele depor por videoconferência.

Fico imaginando se todos, agora, em qualquer desvio de conduta que houvesse no âmbito da administração pública, resolvessem convocar ou convidar um ex-presidente da República, um ex-ministro do Supremo Tribunal, para prestar esclarecimentos. Fraudes contra o INSS ocorrem todos os dias. Julgamos aqui. Então, vamos agora convidar os ex-presidentes da República para explicar o porquê das fraudes, como se eles pudessem esclarecer algum tema, algum fato atinente a este tipo de conduta? Evidentemente que não é possível”.

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Marcelo Auler é jornalista.



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