É falso dizer que o Brasil perdeu posições no IDH
por Marisa Meliani
A Folha de São Paulo (06/11/2011) traz artigo de Flávio Comin sobre os resultados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2011. A análise do professor da UFRGS e ex-economista do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) segue sem grandes problemas, até que ele finaliza dizendo: “O Brasil perde 13 posições no ranking devido à sua alta desigualdade”, referindo-se ao ajuste do IDH ao indicador criado em 2010, o IDH Ajustado à Desigualdade (IDHAD).
Até seria verdade se o cálculo do indicador apontado pelo professor tivesse sido feito com dados atualizados. Mas não foi isso que aconteceu. Para complicar ainda mais a interpretação da pesquisa, a metodologia do IDH mudou e, segundo a própria ONU, o Brasil não caiu no ranking global, como está sendo ventilado nas redes sociais e até na imprensa. Pelo contrário, subiu. Menos acelerado do que os outros países do BRIC, mas subiu.
Se quisermos tentar entender um pouco melhor o que tanto irritou o ex-presidente Lula, que mesmo doente contestou os resultados da pesquisa, basta seguir alguns passos e explicações no próprio site do PNUD Brasil e da ONU.
Diferentemente de 2010, quando avaliou 169 países e territórios reconhecidos pela ONU, o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2011 incluiu 18 países em relação ao ano passado. Agora são 187. Por conta desta inclusão e de outras mudanças que rearranjam a ordem no ranking, a metodologia para analisar os resultados precisa ser exclusivamente a de 2011.
O exemplo mais fácil é a própria posição no ranking. No IDH 2010, o Brasil obteve a posição 73, entre os 169 países que compunham o estudo anterior. Já no IDH 2011, a nossa posição aparece em 84 no ranking global dos agora 187 países.
Teria o Brasil despencado no IDH, como muitos estão afirmando?
Não! Pelo contrário, o Brasil está ascendendo de maneira moderada, mas constante. Vamos entender a razão.
O próprio PNUD alerta que é ERRADO COMPARAR os valores e classificações do RDH 2011 com os do RDH 2010 e de outros relatórios publicados anteriormente.
Veja a explicação do PNUD e confira a tabela, a seguir.
“Por causa dos ajustes de dados, das adaptações metodológicas e da inclusão de 18 países no ranking deste ano, as médias anuais de crescimento do IDH só podem ser calculadas com os dados que estão disponíveis na Tabela “Tendências do Desenvolvimento Humano” do Relatório, que traz as séries históricas recalculadas para todos os 187 países.”
Tabela “Tendências do Desenvolvimento Humano”- Brasil
Observe que, de 2010 para 2011, os dados recalculados indicam que o IDH do Brasil subiu de 0,715 para 0,718. No ranking global, subimos uma (1) posição, saindo da posição 85 (de acordo com o recálculo da nova metodologia) para 84.
Então, guarde isto: é falso dizer que caímos da posição 73, em 2010, para a de 84, em 2011.
A leve ascensão no ranking não deve envergonhar ninguém, pois, segundo o PNUD, “fazemos parte de um grupo de apenas 36 dos 187 países analisados que subiram no ranking entre 2010 e 2011. Os outros 151 permaneceram na mesma posição ou caíram.”
A evolução em 2011 foi impulsionada principalmente pela dimensão Saúde, medida pela expectativa de vida, que evoluiu de 73,1 anos após nascimento para 73,5 anos (veja a tabela). Este avanço representou um incremento de 40% no resultado final.
As outras dimensões que compõem o IDH são: Educação, que manteve os números do IDH 2010 em razão da metodologia (7,2 anos de média de escolaridade e 13,8 anos de expectativa de escolaridade); e Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, que cresceu de US$ 9.812 para US$ 10.162 (ppp ou ajustado pelo poder de compra). Ambas representaram impulso de 30% cada no resultado final.
Ainda usando a tabela sobre tendências do desenvolvimento humano no Brasil e informações do PNUD
* De 1980 a 2011, subimos de 0,549 para 0,718, de maneira constante, acumulando um salto de 31% no período e taxa média de crescimento de 0,87.
* De 2000 a 2011, o Brasil avançou 0,69%, enquanto a América Latina cresceu 0,66%, e os países de alto desenvolvimento, 0,70%. Já a média de crescimento dos outros BRICs é mais veloz (Rússia: 0,81%, Índia: 1,56%, e China: 1,43%
* Na análise de médio prazo do ranking, de 2006 a 2011, o Brasil está entre os 24 países com melhor desempenho, ou seja, entre aqueles que subiram 3 ou mais posições.
Indicadores Complementares
Além do IDH calculado para 187 países, o RDH 2011 divulgou também três indicadores complementares de desenvolvimento humano introduzidos em 2010: o IDH Ajustado à Desigualdade (IDHAD) para 134 países (citado no artigo da Folha), o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) para 146 países, e o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) para 109 países.
Segundo o PNUD, o IDH geral representa um índice de desenvolvimento humano potencial (uma média geral) e o IDHAD um índice do desenvolvimento humano real (a chance de o indivíduo ter acesso às dimensões da distribuição de renda, educação e saúde). Essa lacuna é representada pela diferença entre o IDH e o IDHAD e pode ser expressa por um percentual, que é descontado do IDH real.
No caso do Brasil, o IDH de 0,718 teve este índice ajustado à desigualdade, ficando em 0,519. Esse índice mostraria que o cidadão brasileiro médio teria quase 30% de risco de não conseguir alcançar o desenvolvimento humano potencial que o país tem para lhe oferecer em função da desigualdade.
Contudo, este indicador utiliza dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio)2005! Ou seja, mede a desigualdade do Brasil de 2004!
Confira o link da ONU referente aos dados utilizados no IDHAD 2011:http://hdr.undp.org/en/media/List_of_surveys_used_for_2011_IHDI_estimation.pdf
O relatório do PNUD elogia os esforços e avanços do Brasil, além da Argentina, Honduras, México e Peru, na tentativa de reduzir os números da desigualdade, mas introduz outro problema metodológico quando aborda a medição da pobreza domiciliar no IPM: também utiliza números velhos para radiografar os países.
O IPM 2011 do Brasil, por exemplo, analisa dados de inquéritos nacionais de 2006, sendo que já temos os resultados da PNAD 2009.
Confirme no link da ONU os dados usados no IPM 2011:http://hdr.undp.org/en/media/List_of_surveys_used_for_2011_MPI_estimation.pdf
A ONU argumenta que isso foi necessário para padronizar os números com os de outros países que não possuem estudos atualizados. Contudo, note que há vários nas listas com dados de 2008 ou 2009.
Ora, então estamos falando de indicadores brasileiros que medem a desigualdade e a pobreza com números de 2005 e 2006, referentes a anos anteriores! Portanto, muita calma nas análises. Na interpretação do IDH e seus indicadores, uma abordagem de números mais atuais certamente traria resultados diferentes, não só para o Brasil, mas também para outros países.
O IDH é uma ferramenta de valor para estimular um debate amplo e democrático sobre a necessidade de se investir mais em educação, saúde e distribuição de renda. Mas a sua utilização deve ser feita de maneira franca. Uma boa tarefa para quem domina completamente as metodologias adotadas pela ONU nos últimos anos é produzir um estudo com os números da última PNAD 2009, que incorporam os avanços sociais introduzidos por programas brasileiros de transferência de renda e de inclusão.
O ex-presidente Lula está certo em ficar irritado. Afinal, a ONU pretende retratar a desigualdade e a pobreza no mundo, mas usa indicadores do tempo em que os países emergentes ainda estavam na coxia do teatro global. Hoje sabemos que a situação está um pouco diferente.
Marisa Meliani é jornalista e mestre em Ciência da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
por Marisa Meliani
A Folha de São Paulo (06/11/2011) traz artigo de Flávio Comin sobre os resultados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2011. A análise do professor da UFRGS e ex-economista do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) segue sem grandes problemas, até que ele finaliza dizendo: “O Brasil perde 13 posições no ranking devido à sua alta desigualdade”, referindo-se ao ajuste do IDH ao indicador criado em 2010, o IDH Ajustado à Desigualdade (IDHAD).
Até seria verdade se o cálculo do indicador apontado pelo professor tivesse sido feito com dados atualizados. Mas não foi isso que aconteceu. Para complicar ainda mais a interpretação da pesquisa, a metodologia do IDH mudou e, segundo a própria ONU, o Brasil não caiu no ranking global, como está sendo ventilado nas redes sociais e até na imprensa. Pelo contrário, subiu. Menos acelerado do que os outros países do BRIC, mas subiu.
Se quisermos tentar entender um pouco melhor o que tanto irritou o ex-presidente Lula, que mesmo doente contestou os resultados da pesquisa, basta seguir alguns passos e explicações no próprio site do PNUD Brasil e da ONU.
Diferentemente de 2010, quando avaliou 169 países e territórios reconhecidos pela ONU, o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2011 incluiu 18 países em relação ao ano passado. Agora são 187. Por conta desta inclusão e de outras mudanças que rearranjam a ordem no ranking, a metodologia para analisar os resultados precisa ser exclusivamente a de 2011.
O exemplo mais fácil é a própria posição no ranking. No IDH 2010, o Brasil obteve a posição 73, entre os 169 países que compunham o estudo anterior. Já no IDH 2011, a nossa posição aparece em 84 no ranking global dos agora 187 países.
Teria o Brasil despencado no IDH, como muitos estão afirmando?
Não! Pelo contrário, o Brasil está ascendendo de maneira moderada, mas constante. Vamos entender a razão.
O próprio PNUD alerta que é ERRADO COMPARAR os valores e classificações do RDH 2011 com os do RDH 2010 e de outros relatórios publicados anteriormente.
Veja a explicação do PNUD e confira a tabela, a seguir.
“Por causa dos ajustes de dados, das adaptações metodológicas e da inclusão de 18 países no ranking deste ano, as médias anuais de crescimento do IDH só podem ser calculadas com os dados que estão disponíveis na Tabela “Tendências do Desenvolvimento Humano” do Relatório, que traz as séries históricas recalculadas para todos os 187 países.”
Tabela “Tendências do Desenvolvimento Humano”- Brasil
Observe que, de 2010 para 2011, os dados recalculados indicam que o IDH do Brasil subiu de 0,715 para 0,718. No ranking global, subimos uma (1) posição, saindo da posição 85 (de acordo com o recálculo da nova metodologia) para 84.
Então, guarde isto: é falso dizer que caímos da posição 73, em 2010, para a de 84, em 2011.
A leve ascensão no ranking não deve envergonhar ninguém, pois, segundo o PNUD, “fazemos parte de um grupo de apenas 36 dos 187 países analisados que subiram no ranking entre 2010 e 2011. Os outros 151 permaneceram na mesma posição ou caíram.”
A evolução em 2011 foi impulsionada principalmente pela dimensão Saúde, medida pela expectativa de vida, que evoluiu de 73,1 anos após nascimento para 73,5 anos (veja a tabela). Este avanço representou um incremento de 40% no resultado final.
As outras dimensões que compõem o IDH são: Educação, que manteve os números do IDH 2010 em razão da metodologia (7,2 anos de média de escolaridade e 13,8 anos de expectativa de escolaridade); e Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, que cresceu de US$ 9.812 para US$ 10.162 (ppp ou ajustado pelo poder de compra). Ambas representaram impulso de 30% cada no resultado final.
Ainda usando a tabela sobre tendências do desenvolvimento humano no Brasil e informações do PNUD
* De 1980 a 2011, subimos de 0,549 para 0,718, de maneira constante, acumulando um salto de 31% no período e taxa média de crescimento de 0,87.
* De 2000 a 2011, o Brasil avançou 0,69%, enquanto a América Latina cresceu 0,66%, e os países de alto desenvolvimento, 0,70%. Já a média de crescimento dos outros BRICs é mais veloz (Rússia: 0,81%, Índia: 1,56%, e China: 1,43%
* Na análise de médio prazo do ranking, de 2006 a 2011, o Brasil está entre os 24 países com melhor desempenho, ou seja, entre aqueles que subiram 3 ou mais posições.
Indicadores Complementares
Além do IDH calculado para 187 países, o RDH 2011 divulgou também três indicadores complementares de desenvolvimento humano introduzidos em 2010: o IDH Ajustado à Desigualdade (IDHAD) para 134 países (citado no artigo da Folha), o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) para 146 países, e o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) para 109 países.
Segundo o PNUD, o IDH geral representa um índice de desenvolvimento humano potencial (uma média geral) e o IDHAD um índice do desenvolvimento humano real (a chance de o indivíduo ter acesso às dimensões da distribuição de renda, educação e saúde). Essa lacuna é representada pela diferença entre o IDH e o IDHAD e pode ser expressa por um percentual, que é descontado do IDH real.
No caso do Brasil, o IDH de 0,718 teve este índice ajustado à desigualdade, ficando em 0,519. Esse índice mostraria que o cidadão brasileiro médio teria quase 30% de risco de não conseguir alcançar o desenvolvimento humano potencial que o país tem para lhe oferecer em função da desigualdade.
Contudo, este indicador utiliza dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio)2005! Ou seja, mede a desigualdade do Brasil de 2004!
Confira o link da ONU referente aos dados utilizados no IDHAD 2011:http://hdr.undp.org/en/media/List_of_surveys_used_for_2011_IHDI_estimation.pdf
O relatório do PNUD elogia os esforços e avanços do Brasil, além da Argentina, Honduras, México e Peru, na tentativa de reduzir os números da desigualdade, mas introduz outro problema metodológico quando aborda a medição da pobreza domiciliar no IPM: também utiliza números velhos para radiografar os países.
O IPM 2011 do Brasil, por exemplo, analisa dados de inquéritos nacionais de 2006, sendo que já temos os resultados da PNAD 2009.
Confirme no link da ONU os dados usados no IPM 2011:http://hdr.undp.org/en/media/List_of_surveys_used_for_2011_MPI_estimation.pdf
A ONU argumenta que isso foi necessário para padronizar os números com os de outros países que não possuem estudos atualizados. Contudo, note que há vários nas listas com dados de 2008 ou 2009.
Ora, então estamos falando de indicadores brasileiros que medem a desigualdade e a pobreza com números de 2005 e 2006, referentes a anos anteriores! Portanto, muita calma nas análises. Na interpretação do IDH e seus indicadores, uma abordagem de números mais atuais certamente traria resultados diferentes, não só para o Brasil, mas também para outros países.
O IDH é uma ferramenta de valor para estimular um debate amplo e democrático sobre a necessidade de se investir mais em educação, saúde e distribuição de renda. Mas a sua utilização deve ser feita de maneira franca. Uma boa tarefa para quem domina completamente as metodologias adotadas pela ONU nos últimos anos é produzir um estudo com os números da última PNAD 2009, que incorporam os avanços sociais introduzidos por programas brasileiros de transferência de renda e de inclusão.
O ex-presidente Lula está certo em ficar irritado. Afinal, a ONU pretende retratar a desigualdade e a pobreza no mundo, mas usa indicadores do tempo em que os países emergentes ainda estavam na coxia do teatro global. Hoje sabemos que a situação está um pouco diferente.
Marisa Meliani é jornalista e mestre em Ciência da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
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