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sábado, 17 de dezembro de 2011

Europa em crise (IV): os Bancos Centrais e a oligarquia financeira

Publicado em 8 de dezembro de 2011 por Antonio Martins




No intervalo de apenas duas semanas, o Banco Central Europeu adotou atitudes opostas diante de problemas semelhantes. Veja por que esta assimetria é reveladora

Todos os bancos centrais procuram apresentar-se como órgãos “neutros”. O pensamento econômico ortodoxo sustenta, aliás, que, para poderem proteger as moedas com eficácia, os BCs devem ser “preservados” inclusive da “interferência” de governantes eleitos. Neste caso, a técnica é vista como mais importante que a democracia. Mas… que fazer quando se revela a parcialidade e a interferência política destas instituições supostamente tão soberbas?

É o que está ocorrendo neste exato momento na Europa, diante dos olhos de todos. Na manhã de hoje, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou um conjunto de medidas que beneficiam as instituições financeiras privadas. Suspeita-se que as decisões tenham sido tomadas em regime de urgência, para evitar um incidente devastador — por exemplo, a quebra de um grande banco europeu, capaz de se propagar rapidamente na forma de falências em cadeia.


São três as principais novidades anunciadas:

a) o BCE reduziu ainda mais a taxa de juros, nos empréstimos aos bancos. Ela caiu de 1,25% para 1% ao ano. Conforme lembra Ignacio Ramonet, as instituições financeiras podem tomar euros do BCE, a esta taxa muito rebaixada, e emprestar imediatamente a países como Espanha e Itália, cobrando algo em torno de 7%. Como os volumes são imensos, os ganhos são fabulosos;

b) uma nova linha de crédito, com prazo de três anos para pagamento, será aberta pelo BCE em favor dos bancos europeus. Especula-se que a medida é necessária porque alguns deles estão precisando desesperadamente de dinheiro;

c) para obter estes empréstimos, os bancos não precisarão mais oferecer garantias sólidas. O BCE anunciou que aceitará um leque muito maior de papéis, inclusive hipotecários, considerados de difícil cobrança e muito desvalorizados, nas próprias transações entre os bancos. Em outras palavras, o BCE aceita assumir grandes prejuízos das instituições financeiras privadas.

Mesmo antes de decretadas condições tão confortáveis, os bancos já vinham recorrendo pesadamente à generosidade do BCE. Só entre 30 de novembro e ontem, informa The Economist, eles tomaram emprestados 50,7 bilhões de euros. Aqui, aparece a primeira grande assimetria. Em conjunto com a União Europeia (UE), o banco central tem se negado, sistematicamente, a apoiar os países em dificuldades. O caso mais clássico é a Grécia. Cada parcela de 8 bilhões de euros do empréstimo prometido ao país é negociada, às vezes, ao longo de meses. UE e BCE impõem condições: definem que empresas públicas gregas devem ser privatizadas, e que direitos sociais serão extintos. O governo e o parlamento acatam, humilhados.

O BCE também poderia ajudar Espanha e Itália, que ainda não se submeteram tão profundamente quanto a Grécia. Estes países enfrentam dificuldades para rolar sua dívida junto aos credores privados. São obrigados a pagar taxas de juros cada vez mais altas. Para socorrê-los, bastaria que o BCE comprasse os papéis esnobados pela finança privada. Nada: ainda hoje, o presidente do banco, Mario Draghi, voltou a afirmar que a hipótese de uma compra relevante está fora de cogitação.

Qual a lógica de tal discrepância? Por que o BCE empresta dezenas de bilhões de euros aos bancos, cobrando 1% ao ano e aceitando títulos podres como garantia; e não pode fazer o mesmo em favor da Itália e Espanha, que são há décadas pagadores confiáveis?

Em tempos de crise, não é difícil encontrar certas respostas. Ao cobrir uma reunião entre Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, na última segunda-feira (5/12), o correspondente do Financial Times em Frankfurt escreveu: “O BCE diminuiu ainda mais o ritmo de sua compra de bônus [emitidos pelos governos]. As operações nos últimos sete dias totalizaram € 3,7 bilhões (…) Na semana passada, o BCE estava tentando manter o máximo de pressão sobre os políticos”.

A frase desmascara a suposta neutralidade e parece dar razão a Patrick Viveret. Já não é possível entender a crise e a política atuais sem levar em conta o surgimento de uma “oligarquia financeira global”. Trata-se de um pequeno conjunto de instituições e executivos muito poderosos, que exercem influência cada vez maior sobre as decisões políticas dos países mais ricos e centrais. Esta casta investe cada vez mais agressivamente contra dois elementos essenciais da democracia: a diversidade de opiniões e o tempo necessário para decidir refletidamente.

Num outro texto recente, Ignacio Ramonet alerta: esta investida pode ser o prenúncio de regimes que deveriam ser caracterizados como “democracias autoritárias”. Ou, numa única palavra, democraduras.



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