Conferência Nacional aprova reivindicação, que enfrenta resistências no governo e será votada no Senado nesta quarta. CUT defende taxar grandes fortunas, para arrecadar R$ 50 bi
Por Najla Passos, Carta Maior
BRASÍLIA – A destinação de 10% das receitas federais para a saúde foi uma das principais decisões dos cerca de três mil delegados que participaram da 14ª Conferência Nacional de Saúde, encerrada neste domingo (4), em Brasília. A proposta coincide com a votação, prevista para esta quarta-feira (7), no Senado, de um projeto que trata de investimentos públicos em saúde e que está causando disputas entre governo e oposição.
Ao defender a proposta, a Conferência dá argumento para senadores votarem a favor da vinculação da receita e deixa o governo Dilma Rousseff embaraçado. O governo resiste à ideia de que parte de suas receitas seja atrelada à saúde, como já ocorre com estados (12%) e municípios (12%).
Na prática, o atrelamento significará ampliar os gastos federais em saúde, algo que o governo preferia que fosse financiado com a criação de um novo imposto do tipo CPMF, ideia que sequer chegou a ser discutido pelo plenário da Conferência.
Na última quinta-feira (1), dia da abertura da Conferência, a proposta de carimbar 10% das receitas para a saúde foi inclusive objeto de uma manifestação na Esplanada dos Ministérios que reuniu cerca de duas mil pessoas.
O relator do projeto e líder do PT no Senado, Humberto Costa (PT-PE), deve apresentar nesta terça-feira (6) um parecer ou pelo sugestões de propostas para negociar com o governo. O próprio governo deve se manifestar também nesta terça.
Além do embaraço político que a proposta em si causa ao governo, a votação também atrapalha o fim de ano do Palácio do Planalto porque os adversários de Dilma estão usando o projeto como moeda de troca na discussão, também no Senado, da Desvinculação de Receitas da União (DRU), prioridade absoluta da presidenta.
Na Conferência, os delegados aprovaram também que a DRU não incida mais sobre as verbas da saúde – o mecanismo libera o governo para gastar livremente 20% da arrecadação, inclusive daquela que, pela Constituição, está vinculada à saúde.
Várias outras propostas acerca do financiamento do setor foram discutidas no evento, sem decisão definitiva sobre a viabilidade de cada uma. Entre elas, a taxação dos latifúndios, do tabaco e do álcool, além da determinação de percentual dos lucros da indústria automobilística e dos royalties do petróleo.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) defendeu na Conferência uma taxação de 1,5% das grandes fortunas para financiar a área. A medida atingiria dois grupos: as 5 mil famílias mais ricas do país, que detêm mais de 3% da renda nacional, e as cerca de 300 mil famílias que respondem por mais de 50% da riqueza pessoal do país e cujo patrimônio médio é de cerca de US$ 2,2 milhões. Segundo a central, a taxação desses grupos seria suficiente para garantir R$ 50 bilhões.
O ministério da Saúde calcula que o SUS precisa de pelo menos mais R$ 45 bilhões.
Contra a privatização
A manutenção do caráter público do SUS, com gestão exclusivamente estatal, foi outra deliberação aprovada pela 14ª Conferência que gerou bastante discussão. Parte dos delegados se posicionava contra não apenas o repasse da gestão dos equipamentos públicos de mercado, mas também às fundações de apoio privadas e mesmo às organizações não governamentais (ONGs).
Na campanha pelo fim das terceirizações na saúde, os hospitais universitários estiveram no centro da polêmica, já que grande parte deles tem sido gerenciada pelas fundações privadas ligadas às universidades.
Os delegados aprovaram também o limite máximo de 30 horas semanais para carga horária dos profissionais que trabalham no SUS. Deliberaram, ainda, pela aprovação do piso nacional para todos os agentes de saúde. Outras várias decisões apontam para a melhoria das condições de trabalho na rede, com o respeito aos profissionais que atuam no SUS. A importância do controle social em todas as instâncias de atuação do sistema também foi bastante ressaltada por diferentes atores sociais.
A 14ª Conferência de Saúde é uma longa construção democrática. É a etapa final de um processo que envolveu a realização de 4.375 conferências municipais e 27 estaduais, das quais resultaram em quase 900 propostas para deliberação. Posteriormente condensadas em 346 pela comissão de relatoria da etapa nacional, as deliberações foram debatidas, de quinta (1) a domingo (4), pelos cerca de 3 mil delegados, com o apoio de 500 convidados.
As conferências de saúde são realizadas de 4 em 4 anos há 76 anos. Conquistaram grande espaço, entretanto, a partir da redemocratização do país, na década de 1980, quando passaram a contar com a participação popular. Foi justamente da 8ª conferência de Saúde que nasceu o SUS.
Plenária dividida
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que presidiu a plenária final, encerrou a 14ª Conferência Nacional de Saúde, após os delegados aprovarem uma carta aberta à sociedade brasileira com as principais deliberações do evento. “Há muito tempo não terminávamos uma conferência de Saúde com um relatório aprovado. Isso fortalece ainda mais o SUS”, afirmou.
Mas o ministro não conseguiu sequer concluir seu discurso, frente à plenária, bastante dividida em relação ao conteúdo da carta aprovada. Os aplausos foram muitos, mas a vaia ao ministro também incomodou. “Venceu a democracia do crachá”, justificou aos insatisfeitos com os resultados.
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