Pesquisar este blog

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A dimensão política da doença, segundo Canguilhem


  

Saúde e doença

Depois de anos no ostracismo, a obra de um dos mais originais filósofos do século 20 começa a ser publicada de maneira integral. Para além do circuito restrito de especialistas em filosofia da biologia e da medicina, poucos conhecem Georges Canguilhem (1904-95).

Mas a publicação de suas "Obras Completas" tem a força de revelar um pensador original capaz de renovar problemas clássicos da filosofia, como a relação entre natureza e liberdade, bem como questionar ideias clínicas e médicas que pareciam independentes de toda e qualquer filosofia.

Numa era como a nossa, noções como saúde, doença e sofrimento psíquico têm também uma dimensão política. Não apenas porque servem para justificar modelos de intervenção social, mas porque expõem o que entendemos por uma vida bem-sucedida, com seus valores.

Não sofremos só por termos algum tipo de deficit ou excesso em relação a variáveis fisiológicas. Sofremos por não conseguirmos realizar valores e normas sociais que compreendemos como necessárias para nossa autorrealização.

Nesse sentido, o pensamento de Canguilhem é profícuo por fornecer uma visão renovada sobre o que significa saúde e doença. Normalmente, acreditamos que um organismo doente é mal adaptado, incapaz de se relacionar com seu meio. Ou seja, a saúde aparece como um modo de adaptação às determinações normativas do ambiente.

Versões de tal noção foram exaustivamente usadas por várias escolas de psicologia.

Canguilhem fornece uma ideia nova. Na verdade, um organismo doente é aquele completamente adaptado a seu meio. Por isso, ele não suporta nenhuma modificação, ele a vivencia necessariamente como catástrofe.

Na defesa de sua rigidez e fixidez, erguem-se fronteiras e limites que não podem, em momento algum, ser transpostos.

Já uma vida saudável é aquela não completamente adaptada, por isso, mais flexível e capaz de relacionar-se às mudanças. Ela é capaz de acolher o que ainda desconhece, produzindo novas normas e valores que, mostrando-se mais produtivas do que as anteriores, indicarão caminhos inesperados para o desenvolvimento.

Durante toda a sua obra, Canguilhem mostrou como tais ideias dizem muito a respeito de como compreendemos a razão, a racionalidade e seus limites. Ele nos abriu portas para uma reflexão diagnóstica sobre a vida social e seus desafios.

Por isso, nada mais justo do que voltar a lê-lo e descobrir como o seu pensamento influenciou alguns dos maiores pensadores do século 20, como Foucault, Lacan, Deleuze, entre outros.

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP. Publicado na Folha.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.