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domingo, 4 de dezembro de 2011

Mistérios de um grupo empresarial que governa São Paulo

O Lírio Verde republica esta matéria do Dennis de Oliveira

Apesar do silêncio de parte da grande mídia, o número de reclamações contra os serviços da Controlar (pertencente ao grupo CCR), responsável pela inspeção veicular ambiental na cidade de São Paulo não é pequena (veja aqui a avaliação dos cidadãos neste site de reclamações). Há reclamações desde veículos praticamente novos que são reprovados na inspeção até resultados discrepantes com o mesmo veículo em inspeções realizadas em locais diferentes.

No início deste ano, a Controlar teve uma pequena desavença com a prefeitura de São Paulo quanto ao reajuste da tarifa cobrada para a realização da inspeção (que, atenção, desde 2010não é mais devolvida pela prefeitura como foi em 2009). Como a prefeitura demorou para definir o reajuste, a empresa simplesmente trancou, nos dias 2 e 3 de janeiro deste ano, a emissão de boletos para cidadãos que tentavam agendar a inspeção pela internet. Com isto, impediu que fosse feita a inspeção ainda com a tarifa antiga. Somente no dia seguinte, já com o aumento definido, a Controlar liberou a emissão dos boletos para pagamentos das taxas, já com o novo preço, claro.

Órgãos de defesa do consumidor alertavam para a ilegalidade deste ato da empresa, mas a mesma deu de ombros. Disse que o contrato assinado com a prefeitura garantia o reajuste e ponto final. A mídia hegemônica cobriu de relance este fato e não foi adiante. Assim como as várias reclamações não tiveram a repercussão merecida. Por que? A Controlar pertence ao grupo empresarial CCR, que é também controlador da Via Fácil (o tal pedágio “Sem Parar”, aquele dispositivo que você põe no carro e paga por mês, além do pedágio utilizado, uma “taxa de manutenção”); da Linha Amarela (empresa que possui a concessão da linha amarela do Metrô da capital cujas obras estão atrasadas por conta de irregularidades em uma das licitações) e de concessionárias de rodovias privatizadas do estado. Em suma, um grupo empresarial que abocanhou serviços importantes da área de gestão dos transportes e do sistema viário.

A CCR anuncia bastante na mídia hegemônica (vejam as várias inserções na programação da Rádio CBN) e parece ter uma grande preferência nos contratos de concessão dos governos da gestão demotucana. Uma boa pauta de reportagem investigativa seria verificar as ligações deste grupo com os donos do poder de São Paulo.

Por enquanto, fica um exemplo de arbitrariedade da Controlar. Três inspeções realizadas no mesmo veículo nos dias 12, 19 e 27 de janeiro de 2011, sem que o mesmo tenha sofrido qualquer revisão entre elas (o proprietário afirma ter feito uma revisão geral em uma oficina especializada no final de dezembro) tiveram resultados diferentes. No dia 12, inspeção realizada no pátio da Vila Medeiros (zona norte), o veículo foi reprovado por excesso na emissão de COC em marcha lenta (0,95 contra o limite de 0,50) sendo aprovado em HCc e Fator de Diluição. No dia 19, na oficina da João Dias, o mesmo veículo foi aprovado na emissão de COC (0,23 e 0,32) mas aí foi reprovado em emissão de HCC (267 ppm contra o limite de 200). No dia 27, aí na oficina Anchieta, o veículo finalmente foi aprovado. Como foi a terceira inspeção, o proprietário foi obrigado a pagar nova taxa (mais R$66,00 para os cofres da Controlar).


Relatórios de inspeções realizadas nos dias 12, 19 e 27/01/2011 do mesmo veículo em pátios diferentes da Controlar e com resultados totalmente diferentes. O mais grave é que os técnicos limitam-se a dizer que o veículo foi reprovado e recomendam uma revisão em uma “oficina especializada de confiança do cliente”. As causas para a reprovação são chutes: “carro está mal regulado” ao que você contrapõe que o carro acabou de sair da oficina e eles dizem “o escapamento é velho”, você diz que trocou o escapamento, aí eles dizem “então, o problema é da gasolina”. Até onde sei, a responsabilidade de fiscalizar a gasolina vendida em postos não é do cidadão e sim do Poder Público.

Esta blindagem (midiática e governamental) da Controlar permite à empresa abusar da “lei do silêncio”. Solicitei a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa, uma posição quanto a estas questões e não houve resposta. Aliás, no site da Controlar, há uma sala de imprensa onde os jornalistas podem se cadastrar. Fiz o cadastro de acordo com as instruções e me identifiquei como jornalista da revista Fórum. Passadas duas semanas, quando tento entrar na “sala de imprensa” da Controlar, a informação é que o “cadastro não foi ativado”, apesar de ter recebido email dizendo que o meu cadastro estava OK.

Chama a atenção a resposta burocrática da assessoria de imprensa da Controlar. O email com as perguntas foi enviado para a assessoria de imprensa da Controlar no endereço indicado no site da empresa (tenho cópia do email guardado). Também foi feito o cadastro na sala de imprensa da Controlar de acordo com as instruções e este jornalista não consegue acessá-la sempre recebendo a informação de que “o cadastro não foi complementado” embora email mandado pela empresa informe o contrário. (tenho cópias de todas estas mensagens)

As justificativas da empresa são estapafúrdias. A empresa confirmou que impediu a impressão do boleto nos dias 1, 2 e 3 de janeiro e não desmentiu que isto aconteceu devido a reivindicação de aumento na tarifa (que está sendo questionado na justiça e foi suspensa, no dia 22, por liminar a pedido da bancada de vereadores do PT). E quanto as disparidades na inspeção, a justificativa é de que a inspeção é uma “fotografia” do momento.

Quando você vai fazer um exame clínico, é feita uma série de recomendações quanto a tempo de dieta, horas de sono, entre outras coisas, para que a “fotografia” do exame clínico seja a mais próxima possível do que está ocorrendo no organismo e não seja distorcida por questões sazonais ou conjunturais. Qual é a orientação que o sistema de inspeção veicular faz para isto? Na verdade, gerou uma rede de oficinas que fazem a tal “pré-inspeção”, um preparo do carro para isto, como os cursinhos pré-vestibulares ou para concursos, para que se passe neste novo vestibular e escape da multa de R$ 550,00. É um novo mercado rentável que passa bem longe de uma orientação de como os veículos devem estar para poluir menos. O negócio é passar na inspeção para licenciar o automóvel e escapar das pesadas multas. Alguns comentários de proprietários de veículos antigos mostraram que os carros são praticamente desregulados para poder passar na inspeção e depois disto, é refeita a regulagem.

Mas quero chegar a outro ponto crucial de tudo isto. É evidente que considero importante que haja uma fiscalização da poluição ambiental e sonora dos veículos. É tarefa do poder público fazer isto. Repito, do poder público e não de uma empresa. Chegamos a uma situação estapafúrdia de uma empresa ter o poder normativo de regular a circulação de automóveis. Esta empresa foi eleita por alguém? As suas contas serão auditadas pelos tribunais de contas? Como é feita a escolha dos seus funcionários, por concurso público?

Vejamos algumas situações derivadas disto:

1 – A prefeitura está implantando radares inteligentes para multar os veículos que não fizeram a inspeção veicular. Como funcionam estes radares? Comparam placas de veículos monitorados com a base de dados da Controlar. Veja, uma empresa é que vai fornecer a base de dados para gerar as multas, é a subordinação do poder normativo de punir (privativo do Poder Público na concepção republicana) ao poder privado de uma empresa!

2 – Está havendo vários seminários sobre poluição ambiental e o programa de inspeção veicular em São Paulo. O interessante é que em quase todos estes eventos, quem vai palestrar é o diretor-presidente da Controlar e não há nenhum representante da prefeitura, da Secretaria do Verde, etc. Em outras palavras, o programa de combate a poluição dos veículos foi totalmente delegada a uma empresa privada que age como um órgão público normativo.

3 – O diretor presidente da Controlar é o Sr. Harald Peter Zwetkoff, engenheiro civil com especialização em administração empresarial feita nos Estados Unidos. Pesquisando no Google, encontramos uma rica experiência do Sr. Zwetkoff na gestão de trânsito, tendo, inclusive, participado de reuniões do Detran do Distrito Federal. Sua única experiência na questão ambiental vem depois da sua atividade como executivo de uma empresa que recebeu a delegação de tocar a inspeção veicular em São Paulo. Isto é, a questão ambiental é muito mais uma oportunidade de negócio, uma iniciativa empresarial para este executivo do que uma atuação histórica em prol do meio ambiente.

A inspeção veicular feita nos moldes paulistanos é um dos exemplos mais claros do que é a privatização do Estado. Se você é multado pelo Detran, há uma série de instâncias recursais que o cidadão pode recorrer. Esta é a lógica do Estado democrático – existem normas, leis, o papel do poder público é fiscalizar o cumprimento destas normas, punir os que desrespeitam mas garantido o direito de defesa em outras instâncias. Bem, qual é a instância na qual o cidadão pode reclamar da inspeção veicular da Controlar? Vários cidadãos já falaram que não existe nenhum setor na Secretaria do Meio Ambiente para isto e o Detran diz que não é com ele.

Não quero aqui desmerecer, a priori, a iniciativa empresarial, até porque sou proprietário da “Dikamba – Consultoria e Projetos”, microempresa de consultoria e projetos culturais. Porém, uma empresa estabelece uma relação de clientela e o espaço para uma relação minimamente equilibrada entre empresa e cliente é dado pela concorrência de mercado e pela fiscalização do poder público por meio de normas, como o Código de Defesa do Consumidor. Agora, como uma empresa pode, primeiro, monopolizar um serviço que é obrigatório a todos os proprietários de veículos; segundo, praticamente assumir todo o gerenciamento da política de inspeção veicular e, terceiro, fornecer as bases de dados para multas?
Seria a mesma coisa que os exames para obtenção da carteira de motorista fossem feitos não pelo Detran, mas pelas autoescolas (os atuais CFCs – Centros de Formação de Condutores). Pior, não pelas autoescolas, mas por uma autoescola que tivesse o monopólio de aprovar ou não os motoristas, ficando a prefeitura apenas com a tarefa de punir quem não se submetesse à avaliação do grande monopólio empresarial.
Por trás da importância do controle da poluição ambiental, está-se operando em São Paulo a implantação de um mecanismo ilegal, antiético e, acima de tudo, antidemocrático – ninguém elegeu a Controlar ou qualquer outra empresa para normatizar a vida dos cidadãos.


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