Publicado em 11 de dezembro de 2011 por Antonio Martins
Em novo sinal eloquente de crise da política, governantes europeus evitam decisões claras e esperam que oligarquia financeira defina a sorte do euro
As duas características que marcam os atuais governos europeus — disposição de sacrificar direitos sociais, em favor da oligarquia financeira, e indecisão no curto prazo –voltaram a se manifestar na última quinta e sexta-feiras (8 e 9/12). Convocada para “salvar o euro”, uma reunião (“cúpula”) de chefes de Estado da União Europeia (UE) encerrou-se em Bruxelas, alcançando apenas acordos vagos.
Decidiu-se (sem a participação do Reino Unido e com nove governos “em consulta”) limitar os poderes das sociedades e Estados-membros no controle de seus próprios recursos públicos. Pretende-se que uma parcela ainda maior dos orçamentos (hoje destinada a itens como Previdência, garantia de direitos sociais e serviços públicos) seja desviada para pagamento de juros. Deseja-se transferir parte da gestão para a própria UE, que atuaria por meio de técnicos não submetidos a voto. Mas não se esclareceu como isso será feito. Também não se detalharam os meios para reforçar o fundo europeu constituído para evitar que países submetidos a ataques especulativos entrem em “moratória técnica”. Por isso, conforme afirmou com realismo o jornal madrilenho El País,” para saber se a reunião foi um êxito ou um fracasso, é preciso esperar o ditame dos mercados, a partir de segunda-feira”.
Quebrar a soberania fiscal dos Estados é o passo mais duro do vasto ataque que os mercados financeiros promovem contra uma sequência países europeus — Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália — ha cerca de um ano e meio. Endividados para socorrer os bancos, durante a crise de 2008 (e não para assegurar direitos sociais e serviços públicos), estes países enfrentam dificuldades crescentes para rolar seus compromissos. Obrigados a pagar taxas de juros cada vez mais altas, alguns viram-se à beira da insolvência. Receberam empréstimos de “resgate”, mas comprometeram-se com medidas como demissões de servidores, redução de pensões e aposentadorias (e ou aumento da idade mínima para obtê-los) e desmonte de serviços públicos. Como o ataque persiste, teme-se que em dado ponto os próprios “resgates” irão tornar-se impossíveis, o que precipitaria a “moratória técnica” de um país e, a partir dela, uma espiral de falências. Por isso, fala-se na nova medida.
Ela foi assumida explicitamente pela primeira vez em Paris, dia 5/12, numa reunião entre a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Mas é complexa e difícil. Falou-se primeiro em reescrever o Tratado Europeu. Porém, como este passo poderia estender-se por meses, optou-se, ao longo da semana passada, por intervenções nas próprias Constituições dos países-membros da UE. Elas passariam a incorporar regras capazes de reservar parcela dos Orçamentos para pagamento dos juros, subordinando as demais despesas públicas. A UE fiscalizaria a imposição destas regras.
Em princípio, a ideia foi adotada, na reunião de 8 e 9/12. Porém, com incidentes e sem unanimidade. O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, exigiu, como estranha contrapartida à perda de soberania, que a “City”, grande centro financeiro de Londres, fosse isentada de eventuais regulamentações sobre os mercados financeiros. Não atendido, recusou-se a assinar o compromisso. Os chefes de Estado da Bulgária, República Checa, Dinamarca, Hungria, Letônia, Lituânia, Romênia e Suécia firmaram o pacto com ressalvas. Afirmaram que farão consultas a seus governos e parlamentos.
Por trás da ausência de consenso há um impasse político. Os governantes sabem que tanto a perda de soberania quanto os sacrifícios que ela implica tendem a ser muito antipopulares. Apresentam-na com eufemismos (“mais Europa”, “união mais profunda”), mas temem a resposta das urnas. Talvez por isso, a própria declaração final é vaga, ao estipular os próximos passos. Fala em mudanças constitucionais, mas não estabelece com clareza nem os mecanismos que deverão ser introduzidos, nem os prazos para adotá-las, nem os processos para fiscalizar e punir dos “faltosos”.
A reunião também não cumpriu a contento seu segundo objetivo. Em contrapartida à perda de soberania dos Estados, os governos que defendiam a medida falavam em ampliar o fundo europeu que deveria socorrer os países sob ataque especulativo. Também cogitava-se pressionar o Banco Central Europeu (BCE) para que atue no mesmo sentido, deixando de emprestar apenas aos bancos. Não houve acordo em torno de nenhuma das propostas, principalmente por oposição da Alemanha. Falou-se em algo oblíquo e insuficiente: países europeus (não se afirmou quais, nem se assumiram compromissos) emprestariam recursos ao FMI, e este os transferiria aos Tesouros em dificuldades. Mas nem o mecanismo para tanto é conhecido, nem os recursos (200 bilhões de euros) suficientes, caso prossiga o ataque contra Espanha e Itália.
Após a reunião, a Europa continua entre o péssimo e o pior. Caso os acordos se efetivem, ao longo dos próximos meses, haverá um enorme retrocesso antidemocrático, consolidando-se mecanismos que transferem riquezas dos “99,99%” para a oligarquia financeira e que impedem as sociedades — em plena era tecnológica das redes — de governarem a si mesmas.
Mas é possível que a irracionalidade dos mercados provoque novos ataques a países em dificuldades. A esta altura, e diante da impotência dos governos, isso significaria um grande terremoto financeiro. Dois momentos serão decisivos, para obter a resposta. O primeiro é a semana que começa amanhã (12/12), quando virão as primeiras reações à reunião de cúpula. O segundo é janeiro de 2012, quando a Itália terá de rolar algumas dezenas de bilhões de euros de sua dívida — sem que haja certeza de que poderá fazê-lo sem entrar em moratória. Em ambos os casos, as sociedades estarão — ainda — reduzidas à condição de espectadoras.
Em novo sinal eloquente de crise da política, governantes europeus evitam decisões claras e esperam que oligarquia financeira defina a sorte do euro
As duas características que marcam os atuais governos europeus — disposição de sacrificar direitos sociais, em favor da oligarquia financeira, e indecisão no curto prazo –voltaram a se manifestar na última quinta e sexta-feiras (8 e 9/12). Convocada para “salvar o euro”, uma reunião (“cúpula”) de chefes de Estado da União Europeia (UE) encerrou-se em Bruxelas, alcançando apenas acordos vagos.
Decidiu-se (sem a participação do Reino Unido e com nove governos “em consulta”) limitar os poderes das sociedades e Estados-membros no controle de seus próprios recursos públicos. Pretende-se que uma parcela ainda maior dos orçamentos (hoje destinada a itens como Previdência, garantia de direitos sociais e serviços públicos) seja desviada para pagamento de juros. Deseja-se transferir parte da gestão para a própria UE, que atuaria por meio de técnicos não submetidos a voto. Mas não se esclareceu como isso será feito. Também não se detalharam os meios para reforçar o fundo europeu constituído para evitar que países submetidos a ataques especulativos entrem em “moratória técnica”. Por isso, conforme afirmou com realismo o jornal madrilenho El País,” para saber se a reunião foi um êxito ou um fracasso, é preciso esperar o ditame dos mercados, a partir de segunda-feira”.
Quebrar a soberania fiscal dos Estados é o passo mais duro do vasto ataque que os mercados financeiros promovem contra uma sequência países europeus — Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália — ha cerca de um ano e meio. Endividados para socorrer os bancos, durante a crise de 2008 (e não para assegurar direitos sociais e serviços públicos), estes países enfrentam dificuldades crescentes para rolar seus compromissos. Obrigados a pagar taxas de juros cada vez mais altas, alguns viram-se à beira da insolvência. Receberam empréstimos de “resgate”, mas comprometeram-se com medidas como demissões de servidores, redução de pensões e aposentadorias (e ou aumento da idade mínima para obtê-los) e desmonte de serviços públicos. Como o ataque persiste, teme-se que em dado ponto os próprios “resgates” irão tornar-se impossíveis, o que precipitaria a “moratória técnica” de um país e, a partir dela, uma espiral de falências. Por isso, fala-se na nova medida.
Ela foi assumida explicitamente pela primeira vez em Paris, dia 5/12, numa reunião entre a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Mas é complexa e difícil. Falou-se primeiro em reescrever o Tratado Europeu. Porém, como este passo poderia estender-se por meses, optou-se, ao longo da semana passada, por intervenções nas próprias Constituições dos países-membros da UE. Elas passariam a incorporar regras capazes de reservar parcela dos Orçamentos para pagamento dos juros, subordinando as demais despesas públicas. A UE fiscalizaria a imposição destas regras.
Em princípio, a ideia foi adotada, na reunião de 8 e 9/12. Porém, com incidentes e sem unanimidade. O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, exigiu, como estranha contrapartida à perda de soberania, que a “City”, grande centro financeiro de Londres, fosse isentada de eventuais regulamentações sobre os mercados financeiros. Não atendido, recusou-se a assinar o compromisso. Os chefes de Estado da Bulgária, República Checa, Dinamarca, Hungria, Letônia, Lituânia, Romênia e Suécia firmaram o pacto com ressalvas. Afirmaram que farão consultas a seus governos e parlamentos.
Por trás da ausência de consenso há um impasse político. Os governantes sabem que tanto a perda de soberania quanto os sacrifícios que ela implica tendem a ser muito antipopulares. Apresentam-na com eufemismos (“mais Europa”, “união mais profunda”), mas temem a resposta das urnas. Talvez por isso, a própria declaração final é vaga, ao estipular os próximos passos. Fala em mudanças constitucionais, mas não estabelece com clareza nem os mecanismos que deverão ser introduzidos, nem os prazos para adotá-las, nem os processos para fiscalizar e punir dos “faltosos”.
A reunião também não cumpriu a contento seu segundo objetivo. Em contrapartida à perda de soberania dos Estados, os governos que defendiam a medida falavam em ampliar o fundo europeu que deveria socorrer os países sob ataque especulativo. Também cogitava-se pressionar o Banco Central Europeu (BCE) para que atue no mesmo sentido, deixando de emprestar apenas aos bancos. Não houve acordo em torno de nenhuma das propostas, principalmente por oposição da Alemanha. Falou-se em algo oblíquo e insuficiente: países europeus (não se afirmou quais, nem se assumiram compromissos) emprestariam recursos ao FMI, e este os transferiria aos Tesouros em dificuldades. Mas nem o mecanismo para tanto é conhecido, nem os recursos (200 bilhões de euros) suficientes, caso prossiga o ataque contra Espanha e Itália.
Após a reunião, a Europa continua entre o péssimo e o pior. Caso os acordos se efetivem, ao longo dos próximos meses, haverá um enorme retrocesso antidemocrático, consolidando-se mecanismos que transferem riquezas dos “99,99%” para a oligarquia financeira e que impedem as sociedades — em plena era tecnológica das redes — de governarem a si mesmas.
Mas é possível que a irracionalidade dos mercados provoque novos ataques a países em dificuldades. A esta altura, e diante da impotência dos governos, isso significaria um grande terremoto financeiro. Dois momentos serão decisivos, para obter a resposta. O primeiro é a semana que começa amanhã (12/12), quando virão as primeiras reações à reunião de cúpula. O segundo é janeiro de 2012, quando a Itália terá de rolar algumas dezenas de bilhões de euros de sua dívida — sem que haja certeza de que poderá fazê-lo sem entrar em moratória. Em ambos os casos, as sociedades estarão — ainda — reduzidas à condição de espectadoras.
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