A exemplo de seu antecessor, o governador Alckmin parece interessado em liderar os que buscam, na crise, a opção do autoritarismo. O texto é de Antonio Martins. Os grifos são do Senhor C.
Os ocupantes da reitoria da USP eram muito poucos: 73. Não esboçaram o menor gesto de resistência, segundo a própria coronel Maria Yamamoto, chefe de Comunicação Social da Polícia Militar. Mesmo assim, a PM ostentou truculência. Arrombou-se a reitoria. Antes disso, a residência universitária (o legendário CRUSP, ocupado pelo exército em 1968) foi cercada e atacada com bombas de gás lacrimogêneo.
Todos os estudantes foram presos e humilhados. Primeiro, a polícia separou homens de mulheres, em salas escuras da própria reitoria. Nesse momento, segundo alguns relatos, ouvia-se “barulho de estilhaços”, como se a PM, que já dominara o prédio, se empenhasse em produzir cenas de vandalismo.
Mas tarde, 0s 73 foram confinados por várias horas, sob calor, e ameaçados de enquadramento em crimes graves. Circularam boatos de que só seriam libertados (provisoriamente) após o pagamento de fianças pesadas — restando, aos que não as saldassem, os presídios.
Nada disso era necessário, se o interesse da operação fosse apenas reintegrar a posse da reitoria ao autoritário João Rodas, que a comanda. E o governador Geraldo Alckmin estava informado de tudo à tarde, quando afirmou, em entrevista: “os estudantes precisavam de uma aula de democracia”.
A simbologia está completa — e assusta. A polícia reproduziu ao máximo as operações que o aparato repressivo desencadeava contra revoltas estudantis, durantes os governos militares. O governador usa a mesma palavra-chave: a ditadura alegava que havia derrubado um governo legítimo, assumido o poder e restringido as liberdades para… preservar a democracia!
Que pretende o governador Alckmin? Em todos os momentos de incerteza, há tanto a esperança de transformação quanto o risco dos retrocessos. Sempre que a ordem vigente se fragiliza, os setores mais inseguros e conservadores da sociedade buscam refúgio no autoritarismo. Querem encontrar no cassetete algo que os proteja da liberdade e suas incertezas. Regimes como os comandados por Hitler, Mussolini e Franco; ditaduras com as que marcaram a América Latina nos anos 1960 e 70 surgiram a partir da mobilização dos que temem o novo.
Em São Paulo, estes setores podem ser articulados como em nenhum outro estado. Aqui, o PSDB reina há 17 anos — com a cumplicidade de uma mídia que abafa seguidas denúncias de corrupção e, mais importante, esconde a decadência econômica de um Estado que gostava de se chamar “a locomotiva do país”. Aqui, há uma oligarquia poderosa, que sofre a perda dos privilégios e se ressente com o avanço das periferias e dos nordestinos. Aqui, esta camada sente-se chocada com movimentos novos, que combinam a crítica ao capitalismo, alianças entre excluídos e classe média (evidente nos saraus da periferia ou nas ocupações dos sem-teto), questionamento da família e valores tradicionais (em nenhuma outra cidade brasileira, há uma parada gay como a de São Paulo, ou uma rua como a Augusta). Daqui, podem surgir tanto um novo projeto de Brasil quanto o encanto retrô com o país aristocrático.
Nas eleições presidenciais do ano passado, José Serra tentou mobilizar o ultraconservadorismo paulista. Geraldo Alckmin opõe-se a ele, nas disputas internas do PSDB, mas parece interessado em herdar este capital político. A brutalidade da desocupação da reitoria é um sinal de alerta.
Que remete, aliás, a outros debates. Estamos todos contra a PM. Mas é preciso discutir melhor a ação de pequenos grupos vanguardistas, que se aferram à ideia de revolução dos séculos passados e tentam privatizar, em favor de seus partidos, o sentimento libertário da multidão. É assunto para outros textos.
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