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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Kantianas II

 Definida como produto da ação humana, a arte pode, e deve, ser identificada em termos de seu atributo supremo: a beleza. Afinal, uma arte para ser arte, precisa ser bela. Reside aí, talvez, uma característica que a aproxima de sua natureza humana, pois a arte é, ou deve ser, bela para o homem. Não é, pois, de um belo divino ou metafísico de que se fala aqui.
Kant vai denominar a arte de bela arte, ou melhor, belas artes, posto que são várias. Marca com isso, uma distinção importante, pois o belo não pode ser objeto da ciência, nem esta pode ser pensada nestes termos, sendo uma ciência bela uma contradição em termos. O belo é, pois, lugar ou substrato da arte (§44).
Não sendo ciência, a arte caminha num território de interligação entre a mera sensação ou percepção e a apropriação de conceitos. Mas não é nem uma coisa nem outra somente, pois:

Arte bela (...) é um modo de representação que é por si própria conforme a fins e, embora sem fim, todavia promove a cultura das faculdades do ânimo para a comunicação em sociedade”
A comunicabilidade universal de um prazer já envolve em seu conceito que o prazer não tem de ser um prazer do gosto a partir da simples sensação, mas um prazer da reflexão, é assim a arte estética e, enquanto arte bela, uma arte que tem por padrão de medida a faculdade de juízo reflexiva e não a sensação sensorial.” (IK, CJ, §44, p.151 –grifos nossos)

Se a arte bela pressupõe para seu estatuto um juízo reflexivo e não somente a sensação sensorial, também não pode fugir do fato de que, para ser arte, tampouco pode deixar de parecer ser natureza, embora com a natureza não se deve confundir, sendo, como é, produto da ação humana.
Mas aqui, também se apresenta uma noção que é tanto uma característica, um atributo que a arte como ação humana deve assumir, quanto uma dificuldade, quase uma das aporias em que o filósofo costuma nos convidar a pensar.
Nas palavras de Kant, “a arte bela tem que passar por natureza, conquanto a gente na verdade tenha consciência dela como arte. Um produto da arte, porém, aparece como natureza pelo fato de que, na verdade, foi encontrada toda a exatidão no acordo com regras segundo as quais, unicamente, o produto pode tornar-se aquilo que deve ser, mas sem esforço, sem que transpareça a forma acadêmica” (§45, p. 152): ou seja, sem que transpareça como resultado de um esforço concreto de elaboração.
Em outras palavras, a arte para ser bela tem que parecer natureza. Este parecer difere, em verdade, da idéia de ser semelhante, ou igualmente, ser imitação. Estamos muito distantes da noção grega original de arte como imitação, como mímese, como cópia do real. A arte para ser bela, deve procurar ser 'natural', isto é, brotar do engenho humano, mas não demonstrar muito explicitamente ter sido obra inteira da razão. Ao mesmo tempo, não pode se manter na superfície do gozo ou usufruto de fruições sensoriais. Para ser bela, ou justamente por ser bela, a arte deve conduzir ao prazer reflexivo, ou seja, deve estimular a produção de juízos racionais propícios ao entendimento, à produção de conhecimento que, neste caso, não deve ser entendido meramente em termos de conteúdos cognitivos, mas da matéria sensível que dá origem à produção de pensamentos superiores, pelo desdobramento de juízos reflexivos.


Fonte:  KANT, Immanuel; Crítica da faculdade do juízo. Tradução de Valério Rhoden e Antonio Marques. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. 



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