Notas de leitura do Senhor C.:
O sujeito que mais parece cumprir o papel de elaborador de um produto ‘natural’ e espontâneo, porém conforme a regras – de que não se pode ter uma imediata ou direta apreensão ou uso a priori - é o gênio. Segue, pois, que arte bela é arte do gênio, este indivíduo que parece transitar entre o andar dos mortais comuns enquanto demonstra ser hábil em captar as intuições e ter uma imaginação acima do comum, com o que incita e estimula o ânimo geral. E mais, comunica em série a outros gênios para que ‘continuem’ sua obra. Continuar, mais uma vez, é diverso de copiar. Continuar é uma espécie de comunicação universal existente, porém, apenas entre gênios.
Segundo Kant, o gênio cumpre uma função essencial para a própria existência da arte, pois, “dado que a própria arte bela não pode ter idéia da regra segundo a qual ela (a arte) deve realizar o seu produto”, o gênio ocupa o papel do sujeito, que, por sua natureza, pela disposição de seu ânimo, de suas faculdades, dar regra a arte, o que faz com que a arte bela seja somente possível como produto do gênio (§ 46, 3, p. 153).
Tão importante quanto este fato, talvez seja o papel que, mais adiante, nosso filósofo vai atribuir ao gênio na sua relação com a questão do gosto – antinomia que, na verdade, conclui sua peroração sobre o juízo justamente deste elemento, e que se expressa no fato de que cada um tem o seu gosto, como então discuti-lo? – pois o gênio, nos parece, funcionaria como uma espécie de medida, ou regra, para o juízo de gosto.
O gênio é definido, portanto, como tendo a faculdade ou talento de excogitar o universal para o particular. Faculdade que constituiria certo luxo da inteligência. Os gênios, por dotados de boa dose de engenhosidade, dispõem da capacidade acima do comum de pensar com muito maior diversidade de representações, combiná-las, ordená-las e, por fim, dar-lhes outros significados; justamente por ser a imaginação uma faculdade capaz de compor representações na presença ou na ausência de objetos e/ou conceitos.
Se a imaginação é o campo próprio para o gênio, é por estar menos limitada pela presença dos objetos e por isso, mais livre na obtenção de representações originais, capazes de oferecer material para o entendimento elaborar seus juízos e seus conceitos. O próprio gênio deve ser conforme a fins – que lhe são intuídos, mais que refletidos. A ponto de que, como lembra Kant, a imaginação, os sentidos externos, e o entendimento devam agir numa espécie de harmonia, para poder propiciar a produção do conhecimento. Assim, embora os gênios possam gozar de uma extrema capacidade de imaginação, esta deva, contudo, ser conforme a razão.
“A originalidade (produção não imitada) da imaginação, se concorda com os conceitos, chama-se gênio; se não concorda, desvario“.
Só de pode observar que há um limite tênue entre a genialidade e o desvario imaginativo pela demonstração de seus efeitos; o gênio tende a combinar a força de sua imaginação com a coerência aos conceitos e juízos; o desvario foge deste equilíbrio, ou antes, o rompe, o perde, de algum modo. Não se pode, todavia, por nenhuma arte humana converter o desvario ou trazê-lo de volta a genialidade perdida.
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